O movimento internacional de trabalhadores rurais Via Campesina, que no Brasil articula organizações como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Movimento dos Antingidos por Barragens (MAB) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), lançou, ontem (23/01), no Fórum Social Mundial, a Campanha Africana pela Reforma Agrária.
A Campanha pela Reforma Agrária, que se articulou primeiramente em âmbito internacional com governos e com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) sobre a retomada do conceito de reforma agrária como instrumento de combate à fome e à desestabilização social no campo, na África deve assumir uma característica um pouco distinta da tradicional luta pela distribuição de terra.
Segundo Diamantino Nhanpossa, coordenador regional da Via Campesina em Moçambique, depois das lutas de libertação das metrópoles européias na maioria dos países da região, a distribuição da terra e a opção pela agricultura familiar foram opções políticas dos novos governos. Tanto que atualmente 80% da terra são ocupadas por camponeses.
"Muitos dos movimentos de independência tinham uma orientação marxista, como o de Angola, de Moçambique ou da Tanzânia, e muitos eram integrados por movimentos camponeses. Isto aproximou muito os novos governos deste setor, que inclusive estimulavam a organização no campo", explica Nhanpossa.
Esta boa relação perdurou até os anos 1980, quando as diretrizes do Consenso de Washington começaram a influenciar as políticas africanas no sentido de incentivar as privatizações de setores essenciais como o de água e energia, e também da terra. Financiada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), teve início uma remodelação do modelo agrícola, que passou de uma agricultura direcionada ao mercado interno para uma produção de exportação de commodities. Tanto que, segundo Nhanpossa, Moçambique, que
nos anos 1970 era praticamente auto-suficiente em produção de alimentos, hoje acompanha os níveis de importação africanos, cerca de 60% de todo o alimento consumido.
Nos últimos 15 anos, o processo de privatização e de implantação do modelo de monocultures de commodities tem se acelerado, o que tem levado os movimentos camponeses a reforçar o debate sobre formas de resistência.
"Este será o principal eixo da Campanha pela Reforma Agrária da Via Campesina na África. Claro que, em alguns paises, como África do Sul, por exemplo, que retardaram o processo de distribuição de terra, deveremos fazer a luta pela terra. Mas o objetivo maior é resistir à implantação do modelo agroexportador e privatizador da terra", explica o coordenador da Via Campesina.
Novas adesões
Presente em cinco países da região - África do Sul, Madagascar, Moçambique, Senegal e Mali -, a Via Campesina deve investir agora na ampliação do movimento no Continente, já que parte das organizações de pequenos agricultures têm estado ligada às grandes confederações de produtores rurais, tradicionalmente aliados ao capital internacional e por princípio contrárias às demandas da agricultura familiar.
Segundo Diamantino Nhanpossa, em realidade a Via Campesina tem sido bastante procurada com pedidos de adesão, que devem incluir, na próxima reunião regional do movimento no segundo semestre deste ano, organizações do Malaui, Tanzânia, Angola, Zambia, Congo e Nigéria, entre outros.
Antes disso, no entanto, o Fórum Mundial pela Soberania Alimentar da Via
Campesina, que acontece no final de fevereiro no Mali, deve ser um espaço
importante de novas articulações com movimentos e organizações que já fazem a discussão do tema ou que estão aproximando-se do movimento.
Com o objetivo de fortalecer na África o conceito de soberania alimentar - o
direito de produzir alimentos conforme as demandas de consumo do mercado interno e as culturas locais como forma de garantir acesso à alimentação saudável para toda a população -, o Fórum pretende aprofundar o tema com as organizações regionais, mas também buscará mais entendimentos com os governos.
De acordo com Nhanpossa, é possível que o presidente venezuelano Hugo Chávez e um alto funcionário do governo boliviano participem, já que ambos têm adotado o conceito de soberania alimentar como política de Estado. A idéia é que esta participação reforce junto aos governos locais a campanha pela soberania alimentar.
(Por Verena Glass,
Agência Carta Maior, 23/01/2007)