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2007-01-23
As usinas de açúcar e álcool do Nordeste lideram uma campanha de reflorestamento na tentativa de assegurar água para seus canaviais. Esse movimento ganhou ênfase na metade dos anos 90 e hoje pelo menos 26 das cerca de 70 usinas da região encamparam o projeto. O reflorestamento é uma corrida contra o tempo. Menos de 2% da chamada Mata Atlântica oriental, localizada acima do rio São Francisco, ficou de pé. E praticamente tudo o que sobrou dessa floresta está dentro das propriedades dos usineiros.

A área reflorestada ocupa apenas 15 mil hectares, concentrada em Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, de um total de quase 900 mil hectares com cana plantada, diz Francisco Pinto, presidente do Instituto para Preservação da Mata Atlântica (IPMA), de Maceió. É pouco. Mas, apesar de ainda ocupar uma área pequena, os ambientalistas defendem que, neste caso, o mínimo é o máximo. "Para quem não tinha nada, é alguma coisa", afirma Pinto. "Precisaria dez vezes mais que isso para refazer as áreas de proteção permanentes, como encostas e margens de rio. O que levará mais uns 20 anos."

Considerada a principal atividade econômica do Nordeste durante séculos, a cana-de-açúcar foi um dos principais causadores do desmatamento das florestas naturais da região. Hoje, com topografia acidentada e escassez de recursos hídricos - dois importantes fatores limitantes do crescimento da cana no Nordeste -, as usinas da região não têm outra alternativa senão conservar a área atual e promover o reflorestamento.

O cenário árido dos canaviais começa aos poucos, e de forma ainda incipiente, a ceder espaço para o plantio de pau-brasil, muricis, visgueiros, ipê roxo, cedros e acácias e ajuda a minimizar a pecha dos usineiros, considerados desmatadores agressivos de uma das florestas mais ricas do Brasil. Sem mata ciliar - vegetação na margem do rio -, a água seca. E sem recursos hídricos o canavial não se sustenta, garantem ambientalistas ouvidos pelo Valor.

As usinas de Alagoas, maior Estado produtor de cana do Nordeste, estão puxando esse movimento, com 17 usinas envolvidas na iniciativa de replantio de árvores. Também já há adesão de seis usinas de Pernambuco, três da Paraíba e uma do Rio Grande do Norte.

"Há casos de usinas que resgataram mais de 70 espécies de árvores nativas", diz Renato Cunha, presidente do Sindicato das Indústrias de Açúcar e Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar/PE).

O grupo Serra Grande, de Alagoas, foi um dos pioneiros na iniciativa de estimular o reflorestamento. Em parceria com universidades locais e com o IPMA, a Serra Grande deu início, em 1997, à substituição dos canaviais por plantas nativas, lembra Mário Jorge Seixas, gerente administrativo do grupo. "Criamos um corredor ecológico", diz. O trabalho da Serra Grande também é monitorado por ONGs internacionais. A empresa sucroalcooleira também trabalha para estimular empresários do setor a fazer o mesmo na região.

Além do reflorestamento, o grupo Serra Grande está estimulando a conservação de piscicultura e apicultura na região. "Temos um trabalho de divulgação de nosso trabalho em escolas secundárias do Nordeste", afirma Seixas.

Um dos maiores grupos do país, o Carlos Lyra, com sede em Alagoas, possui a segunda maior reserva nativa da região Nordeste. Fátima Amorim, responsável pelo meio ambiente, lembra que a decisão da companhia em investir no reflorestamento foi um fator de sobrevivência da cultura canavieira na região. A empresa tem uma área de 1.392 hectares de reservas naturais, com mais de 220 mil mudas de árvores plantadas. Nos últimos anos, o grupo substituiu o plantio em área de sequeiro para regiões irrigadas.

Neste mesmo sentido, o grupo Coruripe está fomentando a criação de um instituto voltado para questões socioambientais. "A idéia é apoiar projetos para financiar as reservas ambientais", observa uma fonte do grupo. O projeto ainda está em fase de estudos, e o nome do instituto foi provisoriamente definido como Tércio Wanderley.

Apesar da conotação nobre com o projeto de reflorestamento, as usinas não deixam de lucrar com a medida. A substituição de cana por árvores não causa prejuízo às empresas, uma vez que essas árvores são plantadas em áreas economicamente inviáveis para os usineiros - ou seja, em regiões consideradas difíceis para irrigação ou mecanização. Para não perderem mercado, os grandes grupos do Nordeste já migraram boa parte de suas usinas para o centro-sul.

Com boa parte de sua produção voltada para o exterior, a medida também é vista como um marketing positivo para essas empresas sucroalcooleiras no mercado internacional. Os usineiros nordestinos beneficiam-se das novas exigências dos importadores, cada vez mais atentos a denúncias de desmatamento. Qualquer deslize pode prejudicar a imagem do setor. E o apelo não é só pela conservação da região amazônica. A Mata Atlântica foi considerada Patrimônio Nacional pela constituição de 1988 e Patrimônio Mundial pela ONU. "Plantar árvores dá marketing lá fora e agrega valor ao produto. Isso foi fundamental para convencê-los", conta Pinto.

A Usina de Capricho, de Cajueiro (AL), é outra pioneira nestes projetos. Virou parceira importante do instituto na produção de mudas para distribuição. Conforme Pinto, mais de três milhões de mudas já foram plantadas, trazendo de volta 75 espécies nativas da Mata Atlântica ao seu lugar de origem. Os usineiros da região acumulam enormes passivos ambientais junto às autoridades locais de meio ambiente, cada vez mais atentas e fiscalizadoras.

Para um exportador, isso por ser um tiro no pé nos negócios. "O mercado convence, não nós", diz Marcelo Tabarelli, professor da Universidade Federal de Pernambuco e um dos pioneiros no trabalho junto às usinas.
(Por Bettina Barros e Mônica Scaramuzzo, Valor Econômico, 23/01/2007)

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