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2007-01-23
As queimadas nas plantações de cana de açúcar são uma das maiores preocupações para a população e para as autoridades de saúde pública do interior de São Paulo, na época da colheita. Atacada pelos ambientalistas e defendida pelos produtores de açúcar e álcool, as queimadas viraram matéria de julgamento e dividiram o maior Tribunal de Justiça do país.

A divisão no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo foi provocada durante o julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta por dois pesos pesados da indústria sucroalcooleira: o Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo (Sifaesp) e o Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de São Paulo.

As duas entidades reclamam que o artigo 201, da Lei Complementar 1.616, de janeiro de 2004, do município de Ribeirão Preto é inconstitucional. A norma criou o Código de Meio Ambiente e os instrumentos de política ambiental, proibindo as queimadas nas áreas rurais do município.

O fundamento da defesa do agronegócio é o de que a legislação municipal usurpa competência conferida ao Estado para legislar sobre meio ambiente. Alegam ainda que a lei impõe prejuízo irreparável às categorias econômicas envolvidas com o plantio, colheita e processamento da cana-de-açúcar.

“A norma impugnada – norma proibitiva – suprimindo o método usado para a colheita da cana de forma manual, tem seus efeitos sentidos diretamente pelos produtores de açúcar e álcool. Isto porque impedir a queima é impedir a colheita e conseqüentemente privar as categorias econômicas representadas pelos requerentes de exercer suas atividades”, apontam os advogados Ângela Maria da Motta Pacheco e Jayr Viégas Gavaldão Júnior.

A ADI entrou na pauta em outubro do ano passado e desde então a solução vem sendo adiada. Faltando apenas um desembargador para votar, o placar do julgamento está em 12 a 11, com vantagem para a tese que defende a improcedência da ação e a proibição das queimadas.

O desempate ocorreu na última quarta-feira (17/01) com o voto do desembargador Denser de Sá, pela improcedência, mas o julgamento foi novamente adiado a pedido do desembargador Marco César. O voto dele será decisivo. Se contrário à lei, vai cravar de novo o empate e deixar na mão do presidente do TJ, Celso Limongi, o poder de solucionar a briga jurídica.

Divergências
A ação foi distribuída ao relator, Debatin Cardoso, que votou pela procedência da ação. A tese de Debatin foi seguida pelos desembargadores Walter Guilherme, Palma Bisson e Maurício Ferreira Leite. Para eles, a lei municipal é inconstitucional porque não caberia ao município legislar sobre meio ambiente, e sim ao Estado.

“A lei municipal pode complementar a lei estadual, mas não contrariar a legislação do Estado”, argumentou Walter Guilherme. Para ele, como a legislação estadual permite a queima controlada da cana, o município não poderia proibir essa prática.

No seu entendimento, a proteção ao meio ambiente é assunto em que haveria competência concorrente da União e dos Estados para legislar. Nesse caso, o Estado estaria exercendo a competência suplementar. “Lei dessa natureza tem que ser estadual, federal ou distrital”, afirmou Walter Guilherme.

Com tese contrária surgiram os desembargadores Renato Nalini, Passos de Freitas, Laerte Nordi e Ivan Sartori. O grupo entende que o tema não estaria restrito à União ou ao estado, mas a todas as esferas da Federação que teriam competência de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.

Para Nalini, a degradação do ambiente está caminhando em passos muito maiores do que todos imaginam. Por isso, é preciso tomar uma atitude para preservar a vida do planeta e das futuras gerações. Segundo ele, a população sente nos pulmões os efeitos adversos decorrentes da queima dos canaviais.

Para o desembargador, a lei municipal veio em boa hora e é compatível com a ordem constitucional vigente, além de ter sido editada em atenção ao peculiar interesse da comunidade local. “O município de Ribeirão Preto colhe as nefastas conseqüências dessa prática rude, que já poderia ter sido extirpada se o avanço do agronegócio brasileiro não se ativesse prioritariamente ao interesse do lucro, mas tomasse a sério as determinações fundantes em relação ao meio ambiente”, afirmou Nalini em seu voto.

O desembargador Palma Bisson ironizou o argumento de Nalini. Disse que apesar de ter nascido em Sertãozinho, cidade que também fica na região canavieira, próxima de Ribeirão Preto, continua saudável mesmo tendo inalado todas as substâncias tóxicas citadas. “Se Ribeirão Preto continuar proibindo as queimadas, isso não impede que as outras regiões próximas continuem queimando. A região toda já se transformou em um único canavial. A política tem de ser mais do que regional, tem de ser estadual. Só a legislação estadual pode implementar mudanças neste sentido”.

Uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP confirma a preocupação de Nalini. O trabalho aponta que entre janeiro de 2000 e dezembro de 2004, foram detectados, em média, mais de 3 mil focos de queimadas nos 645 municípios paulistas. No mesmo período a média anual de internações por problemas respiratórios chegou a 22 mil.

Doce riqueza
A região de Ribeirão Preto está localizada na maior concentração industrial sucroalcooleira do país, com mais de 40 usinas, as quais são responsáveis por 30% do açúcar e álcool produzidos no Brasil. O setor de açúcar e álcool movimenta 6% do PIB brasileiro. Projeções do setor indicam que a produção deverá crescer 50% até 2010. A estimativa leva em contra a procura pelos produtos no mercado internacional e o crescimento de tecnologia de motores alimentados com biocombustível.

No entanto, advertem técnicos e autoridades, se forem mantidas as atuais técnicas de cultivo e não houver uma aplicação rigorosa da legislação de queimadas da palha da cana-de-açúcar, o aumento das concentrações de gases tóxicos na atmosfera poderá afetar a dinâmica ambiental e agravar a situação de saúde da população.

No início de julho do ano passado, por exemplo, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, suspendeu a queima da palha da cana em todo Estado. A medida se ampara no Decreto 47.700, de 2003, que garante ao governo a suspensão das queimadas todas vezes que forem constatados e comprovados risco de vida humana, danos ambientais ou condições meteorológicas desfavoráveis. A atividade foi liberada dias depois.

Legislação estadual
Em São Paulo, a queima da palha da cana é regulada pela Lei 11.241 e pelo decreto 47.700, de março de 2003. A lei apresenta uma tabela para a eliminação gradativa do atual processo de cultivo. Segundo este dispositivo, porém, a queima será totalmente substituída somente depois de 30 anos, num prazo que termina em 2031. A partir dessa data, só poderá existir o cultivo mecanizado de cana crua.

A queima da palha da cana é um método de pré-colheita usado pela indústria canavieira. Para colher a cana a indústria usa a queima controlada de sua palha, que atinge 80% da cana madura plantada.

A legislação estadual distingue as áreas mecanizáveis das não mecanizáveis (plantações em terrenos com declives superiores a 12%) e cria uma tabela para cada uma delas, determinando a sua redução gradativa de modo que a cada cinco anos deixe de ser queimada 20% da área a ser colhida.

De acordo com o Ministério Público, em cerca de 15 anos as queimadas na região de Ribeirão Preto foram reduzidas em 40% do total da área plantada. Para o MP, a proibição das queimadas não impede o exercício da atividade econômica, um dos argumentos apresentados pelos autores da ADI. O MP sustenta que mesmo sem o uso da queimada como método para eliminar a palha da cana, a extração manual e mecanizada desse insumo continua possível.

Os principais motivos apontados pelos produtores para a aplicação do corte manual são o barateamento do custo da colheita, o que traz vantagens comerciais ao Brasil, e o provável impacto social que provocaria a mecanização. A queimada seria justificada pela eliminação de animais peçonhentos do entorno das plantações, trazendo maior segurança ao trabalhador, além do fato de facilitar o corte ao eliminar impurezas e reduzir perdas.
(Por Fernando Porfírio, Revista Consultor Jurídico, 20/01/2007)

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