Na última sexta-feira (19/1), o dia amanheceu diferente no Parque Ecológico do Guarapiranga, na zona sul da cidade de São Paulo. A presença de 116 policiais despertou a curiosidade dos moradores que habitam ilegalmente as margens da represa do Guarapiranga, responsável pelo abastecimento de água de 3,7 milhões de pessoas, o equivalente a 20% da população da Região Metropolitana de São Paulo.
Às 8 horas, o coronel Ronaldo Severo Ramos, comandante do Policiamento Ambiental do estado, divulgou o objetivo da missão: fiscalizar toda a área da Bacia do Guarapiranga com o intuito de aumentar o controle sobre a ocupação irregular e evitar atividades nocivas ao meio ambiente, como corte de vegetação, pesca e caça sem as devidas licenças.
A ação foi o primeiro passo para a recuperação da represa, anunciada como uma prioridade pela nova gestão da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo. A tarefa principal é evitar novas ocupações irregulares nesta Área de Proteção de Mananciais de 641 quilômetros quadrados no sul da região metropolitana, que engloba parte do território das subprefeituras de M´Boi Mirim, Capela do Socorro e Parelheiros na capital, além de outros seis municípios – Embu, Itapecerica da Serra, Cotia, Juquitiba, São Lourenço da Serra e Embu Guaçu. A ocupação caótica traz consigo a poluição dos córregos e do solo, que acaba indo parar na própria Represa Guarapiranga.
Após receber a ordem do coronel Ramos, os 116 policiais militares se espalharam pela zona sul de São Paulo em 40 viaturas e dois barcos, visitando diversos bairros.Em 2000, o total da população residente na Bacia do Guarapiranga era de 766.810 pessoas segundo um estudo realizado em 2006 pelo Instituto Socioambiental (ISA) com base em dados do Censo do IBGE de 2000. Deste total, mais da metade vivia na região das subprefeituras de M´Boi Mirim e Capela do Socorro, no município de São Paulo, que concentram a maior densidade demográfica no interior da Bacia: 62,05 e 79,53 habitantes por hectare, respectivamente.
Já o distrito paulistano do Jardim Ângela, que fica às margens da represa, retrata uma situação alarmante: cerca de 75% da sua população vivem em áreas de ocupação irregular. Segundo o estudo do ISA, em 2000 o Jardim Ângela concentrava, sozinho, 24,1% do total de moradores no interior da Bacia, a maior proporção entre os distritos paulistanos.
A tarefa dada à Polícia Ambiental não é fácil, pois há um mar de concreto a ser vencido. São as chamadas ocupações consolidadas, que apesar de originalmente irregulares já fazem parte do tecido urbano da cidade. Sua história remonta ao final da década de 60, quando enxurradas de trabalhadores começaram a se estabelecer na zona sul de São Paulo, atraídos pela intensa atividade econômica do pólo industrial de Santo Amaro e Capela do Socorro. Ao longo dos anos a região continuou crescendo e hoje é um grande mosaico de favelas e bairros.
Apesar dessa ocupação, que já tem de mais de 40 anos, ainda existe muito espaço disponível ao redor da represa, onde posseiros montam loteamentos ou simplesmente abrem terrenos individuais para depois revenderem sem qualquer tipo de documentação para moradores pobres da região, que aceitam fazer negócio para se livrarem do aluguel. Foi o caso da costureira mineira Maria das Dores Werneck, que recebeu a visita dos policiais nesta sexta-feira em sua casa, construída bem próxima da margem da represa, no bairro de Cidade Ipava, que pertence ao distrito do Jardim Ângela. Segundo a polícia, a área tem sido alvo de constantes tentativas de abertura de lotes irregulares e no momento em que a comitiva policial chegou, a única casa que permanecia de pé era a Maria das Dores, onde vive com o marido e dois filhos.
Questionada pelos policiais, ela contou que comprou o terreno há dois anos por R$ 3.000 de uma pessoa que só conhecia pelo apelido. Ela e o marido fizeram a compra acreditando que o terreno era regularizado, mas no dia combinado para a entrega dos documentos o vendedor não apareceu e desde então está desaparecido. Ela conta que só foi descobrir que estava morando em um terreno irregular quando chegou a fiscalização da prefeitura, que deu um prazo até o dia três de janeiro para a família deixar o imóvel. Eles entraram então com uma ação pedindo à prefeitura que regularizasse a área ou pagasse uma indenização para ajudá-los a se mudarem dali, o que segundo ela seria impossível com recursos próprios.
A poucos metros da casa de Maria das Dores ainda estão os entulhos de uma das sete moradias demolidas há cerca de três meses. Ao mesmo tempo, é possível ver estacas de uma cerca instalada por posseiros ilegais que seguem tentando lotear a área para vender mais terrenos. Como explica a polícia, inicialmente o terreno é cercado. Se não vem ninguém para fiscalizar, inicia-se o processo de limpeza para construção e, caso tudo dê certo para o posseiro, em breve ele terá um novo terreno para vender e colocar uma nova família na mira da fiscalização ambiental.
Segundo o coronel Ramos, a ação na bacia do Guarapiranga foi a primeira de uma série de operações de fiscalização nas Áreas de Proteção de Mananciais do Estado de São Paulo. Ele afirma que elas passarão a ser rotineiras.
(Por Bruno Fiúza,
O Eco, 20/01/2007)