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2007-01-19
A cerca de 220km de distância de Boa Vista, a Serra do Tepequém, no município de Amajari, é um dos pontos turísticos cada vez mais visitados de Roraima. Não é para menos. Antigo eldorado de garimpeiros de diamantes, entre as décadas de 30 e 80, a serra é privilegiada pela natureza: cachoeiras, igarapés e matas, que resistiram à degradação ambiental causada pelo garimpo. E, segundo contam, fica num velho e extinto vulcão com 1.100 metros de altitude. O topo é um imenso vale, atravessado pelos rios Sobral e Paiva, que dão nome as suas duas vilas (ou currutelas, no linguajar dos garimpeiros).

O percurso até lá não é fácil. Duas agências de turismo receptivo em Boa Vista oferecem o pacote (Roraima Adventures e Maikan Turismo), que não sai barato, principalmente para quem estiver viajando sozinho. A estrada exige automóvel com tração. Da Vila Brasil, sede municipal, até a Vila Paiva, principal núcleo de moradores do Tepequém, são 62km de terra, com muitos altos, baixos e buracos, além de pontes estreitas de madeira sobre igarapés. Também é possível ir de ônibus. A empresa Amatur mantém uma saída da capital às 15h, com bilhete até o pé da serra. Depois, é preciso subir 10km até a vila. Na volta, o coletivo passa às 6h da manhã. Uma dica: sai mais barato comprar bilhete de ida e volta – sem data nem lugar marcados.

Na subida da serra, já ficam visíveis os impactos ambientais causados pelo garimpo de máquinas, que imperou na região – hoje o garimpo artesanal ainda atrai meia dúzia de pessoas, principalmente garimpeiros mais idosos. A erosão no solo é grande, e em alguns trechos há muita areia. A Vila do Paiva concentra a maioria dos cerca de 250 moradores do Tepequém, muitos deles remanescentes do garimpo.

São algumas dezenas de casas de madeira, de taipa e alvenaria, distribuídas em umas três ou quatro ruas, se tanto. A principal fica de frente para uma pista de pouso, com cerca de 800m de comprimento - a única ainda em funcionamento das três que existiam na região -, e com visão privilegiada para o ponto mais alto da serra, o Platô. A rua tem um posto médico, uma escola pública de ensino fundamental e médio, uma igreja evangélica, o Centro de Atendimento ao Turista, o Centro de Artesanato e o único telefone do Tepequém, o orelhão (95) 3621-4303. Lá também fica concentrado o comércio local, pequenos restaurantes, como o da Helena e o da Rita, e armazéns, que funcionam nas próprias casas dos moradores. Muitos deles também oferecem quintal para camping, com direito a banheiro. O fornecimento de luz é através de um gerador, que funciona 14 horas por dia, com interrupções não muito raras durante o dia. Já a água que abastece a vila vem de um poço artesiano, com 160m de profundidade.

A paisagem atual é bem diferente do período em que o garimpo ditava o movimento na serra. Para começar, não havia estrada para o Tepequém, que só foi aberta no final dos anos 90. Os garimpeiros chegavam lá de avião ou por trilhas no meio da floresta, com bois que transportavam toda a carga. Na época, a concentração principal ficava em outra vila, a do Cabo Sobral.

“Aqui moravam umas cinco mil pessoas. O movimento era maior do que na capital. Tinha até um clube (bordel) e um posto policial”, conta Tito Pascoal de Oliveira, o Seu Aracati, de 76 anos. Ele é um dos poucos que ainda acreditam que a serra esconde muitos diamantes – e, vez ou outra, sai a garimpar. “Cheguei aqui em 60 e diziam que não tinha mais diamantes. Que nada, o garimpo renovou e foram encontradas muitas pedras. Agora dizem que acabou, mas daqui a pouco, renova de novo”.

Na Vila Cabo Sobral só há duas ou três malocas de taipa, cobertas por palhas e sem todas as paredes. Na área, sem abastecimento de água e luz, moram três ou quatro famílias. Do passado grandioso, restam algumas ruínas, como a da cadeia, que são uma atração histórica e turística.

Com o fechamento do garimpo, os moradores se organizaram numa associação para buscar novas fontes de renda. Em parceria com o Sebrae, eles têm investido no ecoturismo, piscicultura, artesanato e, mais recentemente, apicultura. Mas as atividades ainda são incipientes. Pra atrair mais turistas, eles organizam anualmente o Festival da Serra do Tepequém, que chegou a sua quarta edição este ano.

Também têm procurado aliar as atividades a ações para a recuperação ambiental. A piscicultura aproveita as crateras abertas pelo garimpo. São 42 tanques espalhados pela serra, mas poucos são aproveitados. Alguns moradores reservam dois ou três tanques para criação particular de tambaquis, peixe típico da região Norte. Mas como são ao ar livre, sem qualquer proteção, os tanques atraem também pescadores não autorizados – que provocam prejuízo aos investidores. “A produção é destinada ao consumo daqui mesmo, em eventos e feriadões, que atraem muitos turistas, como a Semana Santa”, diz José Galdino Moura, mais conhecido como Luiz, que investe em três tanques. Ex-presidente da Associação de Moradores da Serra do Tepequém, por dois mandatos, Luiz tem 45 anos e se mudou para a serra em 88, atrás do sonho de riqueza. Atualmente, ele é o coordenador do Núcleo de Condutores do Tepequém, que reúne 21 moradores que guiam turistas por trilhas para as cachoeiras do Paiva, Barata e Funil, o Tilim e o Platô, entre os pontos mais procurados.

Derrubaram tudo
A piscicultura não é a ação mais indicada para combater o grave problema de erosão no Tepequém. Por todos os lados, inclusive nas proximidades da Vila do Paiva, vê-se grandes áreas degradadas. Na trilha da Vila do Cabo Sobral até o Tilim, onde era mata fechada, hoje existe um imenso areal, cortado por um igarapé, conhecido como praia do Sobral. Na linguagem dos garimpeiros, tilim é uma fenda aberta na rocha ou no solo para desviar um curso d`água e facilitar a exploração do garimpo. No Tepequém, o tilim mais famoso é hoje um desfiladeiro de quase 10 metros de altura, aberto com dinamites em meio a grandes pedras. Sobre uma pequena ponte de madeira tem-se uma visão arrepiante do local.

Quem chegou à região há mais de 50 anos encontrou mata virgem na serra. O mato-grossense João Cuia chegou ao Tepequém em 1947, Ficou três anos lá, se envolveu na morte de um dono do garimpo, foi preso e retornou à Vila Cabo Sobral anos depois. “Isso aqui era tudo mata quando cheguei. Em 1984, era lavrado, nem (re)conheci mais a área”, diz. Seu João mora sozinho numa maloca perto de um bananal e um burtitizal, a mais de 4km de distância da Vila do Paiva. No dia-a-dia, o silêncio ali só costuma ser quebrado pelas coricas (pássaros) e mais de 10 cachorros criados pelo antigo garimpeiro e ex-caçador de onças no Mato Grosso.

“Aqui era rico de frutas, buriti, patuá... As pessoas derrubaram tudo, por isso foi bom fecharem as máquinas (de garimpo). Nunca derrubei nem um pé de bacaba. As plantas são de Deus e dos bichos”, acrescenta ele, que tem uma resposta curiosa quando lhe perguntam a idade. “Dizem que tenho 85 anos, mas acho que tenho 200. Porque eu já sofri, fiz e vivi muito.”

O desmatamento desenfreado também é lembrado por Seu Aracati: “As árvores eram derrubadas para revirar o cascalho e emadeirá-lo de cima a baixo. Tinha muito garrote, bico-de-pato... Hoje você não vê mais”. No final de novembro, um grupo de voluntários promoveu uma ação de reflorestamento às margens do igarapé do Paiva, com mudas de bacaba, embaúba, buriti, açaí e roxinho.

Antônio Carlos de Souza Galvão, o Paquinha, morador e administrador municipal da Vila, participou da iniciativa, mas fez críticas a sua forma de execução. “Se plantar e não tiver ninguém pra zelar, não adianta quase nada. Vão sobreviver poucas mudas, aquelas que os animais não comerem. Queremos desenvolver um projeto junto com a prefeitura, contratando pessoal para tomar conta da área”. Os animais incluem bois, carneiros e cavalos, que pastam soltos por toda a serra.

Um dos líderes do movimento, Luiz concorda com a crítica, mas reforça: “A ação foi mais simbólica, numa tentativa de receber apoio para um projeto mais efetivo na região. Precisamos mostrar que temos interesse no reflorestamento, não estamos de braços cruzados”.

A área mais preservada da região é o caminho para o Platô, aonde o garimpo chegou com pouca força. A caminhada até o ponto mais alto da serra leva cerca de duas horas e meia. Por uma trilha nem sempre visível, em meio à vegetação de caatinga, rochas e igarapés. No caminho, se encontram orquídeas, bromélias e samambaias, que são típicas da região e exportadas por alguns turistas. “Na Serra você encontra mirixi, murici, miri, lacre, apuí, sucubeira... Se eu for falar todas as árvores, a gente vai demorar um bom tempo conversando”, afirma o agrônomo Ademar Coelho de Oliveira, que mora numa casa de madeira entre o Platô e a Vila do Paiva desde 92, mas chegou à serra em 75.

Turistas a caminho
O turismo deve ser incrementado em breve na serra: a obra de asfaltamento da estrada entre Vila Brasil até a Vila do Paiva começou há cerca de um mês e tem previsão para conclusão em um ano. No entanto, a maior facilidade de acesso também resultará em mais riscos para sua preservação. As terras em Tepequém são da União e, portanto, são consideradas sem dono. Na vila Cabo Sobral, Seu Aracati cercou recentemente um lote a pedido de uma “senhora que mexe com turismo e meio ambiente e quer preservar a área”, segundo ele.

Perguntado sobre uma possível ocupação desenfreada da serra, o administrador Paquinha diz que a Prefeitura não permitirá que isso aconteça, mas não insiste na hipótese ao ser contestado sobre o poder municipal em terras da União.

Luiz lembra que há alguns anos, o governo municipal tentou discutir a criação de uma unidade de conservação de desenvolvimento sustentável com a comunidade. “Um grupo de moradores nem deixou ele explicar direito a proposta. Não quiseram discutir, disseram que ele queria vender o Tepequém”, conta. Mas o ex-garimpeiro é um dos que estão conscientes do perigo de ocupação desenfreada da serra: “Depois que acontecer, vão procurar um culpado. Mas seremos nós mesmos”.
(Por Tetê Oliveira, O Eco, 18/01/2007)

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