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2007-01-19
Dom Erwin Kräutler tem mais de 40 anos de Amazônia. Nascido na Áustria, chegou ao Pará em 1965, mas já sonhava com o Xingu desde menino, pois ouvia as histórias contadas em carta por seu tio, então missionário na região. Em 1981, Erwin, já naturalizado brasileiro, foi consagrado bispo, em substituição a seu tio, D. Eurico Kräutler. Hoje, sua prelazia abrange municípios da fronteira agrícola oriental como Altamira, Anapu, São Félix do Xingu, Tucumã e Ourilândia do Norte, entre outras.

Por defender o meio ambiente e lutar ao lado dos índios, trabalhadores rurais e comunidades extrativistas, o bispo Erwin, também presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), há muitos anos recebe ameaças de morte. A última delas foi um aviso pelo telefone de que ele morreria no dia 29 de dezembro de 2006, ao comparecer a uma festa em São Benedito, em Gurupá (PA), município do arquipélago de Marajó. Mesmo com a morte anunciada, ele cumpriu seu compromisso anual de comparecer às comemorações do padroeiro da cidade, escoltado por quatro policiais militares. "Há muito tempo recebo ameaças, mas é a primeira vez que elas são feitas diretamente a mim", conta. O caso já está em investigação pelo escritório da Polícia Federal de Altamira.

Até então, as intimidações vinham de pessoas que declaravam ou escreviam direta ou indiretamente contra ele, com frases como "o bispo do Xingu deve morrer". Em outubro de 2006, circulou uma carta anônima em Altamira (PA), que dizia que D. Erwin pretendia ser "um mártir" e que queria apenas chamar a atenção da mídia. Ao final, o texto da carta convidava a população a pedir na Câmara Municipal de Altamira a transferência do religioso.

Do ponto de vista de madeireiros, grileiros, escravagistas e poderosos da região, os descontentamentos são muitos. D. Erwin identifica três deles, que teriam originado as ameaças que vêm recebendo: a pressão para que se aprofundem as investigações do assassinato da missionária Dorothy Stang, a campanha pela não construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, e a denúncia contra a rede de exploração sexual de meninas no município de Altamira (PA) - que ele acredita ser "a gota d'água".

Justiça
Em suas declarações, D. Erwin costuma citar o envolvimento do poder local com atividades ilícitas, como trabalho escravo, exploração sexual de adolescentes, desmatamento e grilagem de terras. "Só quebramos a corrente da impunidade com justiça", diz, com firmeza. Entretanto, a justiça estadual, na opinião de D. Erwin, é debilitada e incompetente.

Como exemplo de privilégios recebidos por quem tem poder, ele cita o médico e ex-vereador Renato Martins envolvido na rede de exploração de adolescentes de Altamira (PA). "Ficou foragido e, quando resolveu se entregar à polícia, recebeu como ‘prêmio' a liberdade por ter ‘colaborado com a Justiça!'", se revolta D. Erwin. Outro caso é o assassinato da missionária Dorothy. Amiga de D. Erwin, ela atuava em Anapu (PA), área da prelazia do bispo. Até hoje, quase dois anos depois, ainda não se sabe quem são todas as pessoas envolvidas direta e indiretamente no crime. "Sabemos que há um consórcio de fazendeiros que programou a morte da irmã. E essas pessoas estão soltas", revela. "Ela foi realmente uma mártir, que dedicou sua vida à região e acabou pagando com a vida, literalmente, para que o mundo olhasse para o Xingu como um ambiente a ser preservado."

Se, por um lado, o trabalho de D. Erwin traz perigos, por outro, o reconhecimento pelo seu trabalho em defesa das populações locais e do meio ambiente cresce cada vez mais. Em novembro de 2006, D. Erwin foi eleito presidente do Cimi, cargo no qual deve permanecer pelo menos até julho quando haverá uma nova assembléia do Conselho - na qual ele poderá ser reeleito. Em 22 de dezembro de 2006, recebeu da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Pará o prêmio José Carlos Castro de Direitos Humanos, por sua luta em defesa da vida na Amazônia. A mesma homenagem já foi concedida a Dorothy Stang, três meses antes de seu assassinato.

Além disso, ele já foi homenageado com diversos prêmios no exterior, cidadania emérita em muitas cidades do Pará e três doutorados honoríficos por seu trabalho em defesa dos direitos humanos. "Também tenho recebido muitas manifestações da população, que é muito carinhosa. Na rua, por e-mail e pelo telefone, as pessoas dizem que me apóiam e estão comigo", lembra.

Desafios
De acordo com Erwin Kräutler, terra e meio ambiente são os maiores problemas na região atualmente. "O Xingu é a ultima fronteira ao avanço da devastação provocada por madeireiras, grileiros e pecuaristas na Amazônia." Além do prejuízo à natureza, o desmatamento acompanha outro mal: trabalho escravo. O último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o trabalho escravo no Brasil mostra que a concentração das propriedades rurais que utilizaram trabalho escravo está exatamente na faixa do arco do desflorestamento. São Félix do Xingu (PA), por exemplo, é um campeão de desmatamento e de trabalho escravo.

"O trabalho escravo e a superexploração têm que ser combatidos com fiscalização, que tem sido insuficiente", analisa. Nessa região, um dos grandes problemas enfrentados pelos auditores fiscais tem sido o deslocamento até o local das denúncias. Muitas fazendas ficam distantes do centro das cidades e têm acesso difícil, por estradas de terra. Na época das chuvas, vias se tornam intransitáveis.

Neste momento, o projeto de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte vem se juntar aos problemas tradicionais da Amazônia. A crítica do bispo é a mesma de organizações, movimentos locais e especialistas em energia: a total falta de transparência na divulgação das informações por parte da Eletronorte, responsável pela obra. "Não se fala nas conseqüências para a população local, de indígenas e ribeirinhos. A idéia de que apenas uma barragem no Rio Xingu é suficiente para gerar o potencial que eles querem atingir é mentirosa", denuncia D. Erwin.

Ele frisa que os defensores da hidrelétrica - governo, empresários e comerciantes locais - falam apenas nos benefícios que ela vai trazer, mas que ainda não houve um debate franco sobre as possibilidades de o Rio Xingu abrigar o projeto, bem como sobre os prejuízos que o alagamento trará para as comunidades. "Até agora, a Eletronorte não desmentiu o que dissemos, estão em silêncio. Então eles concordam, pois não têm o que responder", conclui o presidente do Cimi.

O projeto vem desde a década de 1980, com o nome Kararaô (ou Cacaraô). Em 2002, a Eletronorte reapresentou a idéia, reformulada. "Não estou sozinho, não é o bispo que está contra a obra. Diversas organizações e movimentos estão brigando para que a hidrelétrica não seja construída", reforça Kräutler.

Esperança
O bispo deposita grande expectativa na gestão da governadora Ana Júlia Carepa. "Conheço bem Ana Júlia, sou próximo dela e conheço o seu trabalho. Como senadora, ela sempre foi muito atenciosa e sempre levou adiante as nossas reivindicações, inclusive leu no plenário minhas cartas", recorda. "Espero que ela continue com esse pique, essa disponibilidade." D. Erwin deseja, sobretudo, que Ana Júlia traga melhorias para o povo do Xingu. E que proteja a natureza, "a mãe de todos nós".
(Por Beatriz Camargo, Agência Carta Maior, 18/01/2007)

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