Ano polar: Milionário esforço para estudar o degelo polar
2007-01-16
O recente colapso de uma plataforma de gelo do Ártico canadense ilustra porque o Canadá é o principal contribuinte do Ano Polar Internacional, um dos maiores programas de investigação científica do mundo, focado na mudança climática. Mais de 60 nações – do Chile à China – e 50 mil cientistas e pesquisadores estarão envolvidos no quarto Ano Polar Internacional (IPY, sigla em inglês), que, na realidade, é um biênio que se estenderá de 1º de março deste ano a 1º de março de 2009.
Há pouco, cientistas canadenses informaram sobre o colapso da barreira de gelo Ayles, com idade entre três mil e 4,5 mil anos e uma das seis que restam no Canadá. Com 66 quilômetros quadrados e 44 metros de espessura, essa nova ilha de gelo é pequena comparada com as gigantes barreiras geladas antárticas, como a Larsen B, de 2,7 mil quilômetros quadrados, que se desprendeu em 2002. Entretanto, seu colapso é o maior em 25 anos. As barreiras geladas do Ártico estão se desfazendo em pedaços silenciosamente, e são 90% menores em relação ao que eram há cem anos.
O IPY estudará as regiões ártica e antártica, com ênfase nos efeitos do aquecimento global, provocado pelos gases causadores do efeito estufa, contando com investimento de US$ 500 milhões, dos quais US$ 160 milhões procedentes do Canadá. “As mudanças nas regiões polares estão se acelerando. Estas zonas são as primeiras a sofrer os impactos da mudança climática, e é importante saber o que está acontecendo para nos adaptarmos”, disse ao Terramérica o biólogo David Hik, presidente do IPY Canadá. “Há uma previsão de que dentro de 40 anos poderá haver um Ártico sem gelo durante os meses de verão, o que causará impacto na região e em seus habitantes”, assegurou.
“O sistema climático global é um balanço entre as regiões frias e as quentes do planeta”, explicou ao Terramérica David Carlson, diretor do Escritório do Programa do Ano Polar Internacional, em uma entrevista, da cidade britânica de Cambridge. As mudanças nas regiões frias afetam modelos climáticos globais que têm um forte impacto no restante do planeta, acrescentou. O último esforço internacional importante para estudar as regiões mais frias do mundo aconteceu há 50 anos e se chamou Ano Geofísico Internacional. Consistiu em uma histórica colaboração científica que envolveu 57 nações. E os dados que produziu ainda são usados atualmente.
Essa foi uma era de exploração e descobertas de regiões remotas e proibidas que haviam mudado pouco em milhões de anos. Hoje, os cientistas do IPY consideram urgente compreender os vínculos entre o mutante gelo polar, os oceanos e o permafrost com o resto do planeta, devido aos impactos potencialmente maciços, disse Carlson. Por isso, também participam do IPY países não-polares, como China e Malásia. Como este é o maior projeto científico internacional dos últimos 50 anos, representará uma grande oportunidade para a colaboração científica.
O Ano Polar é organizado pelo Conselho Internacional de Ciência e pela Organização Meteorológica Mundial, sob patrocínio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Também há muito interesse público, como resultado da ampla atenção que a imprensa deu aos ursos polares, pingüins e à mudança climática. Um interesse que continuará nas próximas semanas, com a iminente divulgação do Quarto Informe de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática. Produto de seis anos de estudos dos 2,5 mil cientistas de 130 nações, o documento incluirá nova informação sobre as modificações do gelo polar.
Os pesquisadores do IPY não estudam apenas as mudanças geofísicas, mas também a ecologia marinha e terrestre das regiões polares. E, no Ártico, temas sociais e econômicos. “Também há quatro milhões de pessoas que vivem na região do Ártico que já estão enfrentando condições de mudanças que afetarão o restante do planeta”, disse Carlson. As mudanças econômicas têm um impacto importante na região, já que o clima mais quente, somado ao aumento dos preços de recursos como petróleo, gás e minerais, converteu partes da região ártica nas comunidades de crescimento mais acelerado do Canadá, segundo Hik.
“Em apenas 15 anos, o norte do Canadá se transformou em um dos maiores produtores mundiais de diamantes”, prosseguiu Hik. A bacia ártica possui 25% das reservas mundiais não descobertas de petróleo e gás. Apesar das duras condições, a exploração e o desenvolvimento estão no auge na região. Um gasoduto de US$ 10 bilhões, que partirá do Oceano Ártico e passará pelo Vale do Rio Mackenzie, no Canadá, para abastecer o sul, encontra-se no final de sua fase de planejamento, acrescentou.
Organizações ambientalistas criticaram os projetos de pesquisa dos Estados Unidos no IPY, que colaboram com empresas petrolíferas para procurar reservas de combustíveis fósseis no Ártico. “Já estamos nos aproximando de um limite crítico do aquecimento global, e a busca de mais depósitos de petróleo e gás vai piorar esse problema”, afirmou Tony Juniper, diretor britânico da Amigos da Terra, à agência de notícias Associated Press, em abril. Tratados internacionais impedem a exploração econômica de recursos na Antártida. Porém, a realidade no Ártico é que “no futuro poderá haver uma plataforma petrolífera em pleno Pólo Norte”, afirmou Hik.
(Por Stephen Leahy, Terramérica, 15/01/2007)
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