Imagine 27 mil carretas carregadas e enfileiradas, uma atrás da outra, ao longo de cerca de 390 quilômetros - praticamente a distância que separa Florianópolis de Porto Alegre. Esta é a quantidade de veículos que seriam necessários para transportar toda a carga de esgoto doméstico bruto que é produzida - num só dia - em Santa Catarina e lançada, sem qualquer tratamento, nos rios, no mar e no lençol freático catarinense.
O estado é de calamidade. Dos 293 municípios de Santa Catarina, apenas 30 (ou 10,2%) possuem algum serviço, ao menos parcial, de esgoto. O índice é inferior à média nacional, de 19%. No país, só o Piauí está em pior situação.
Mais de 4 milhões de catarinenses que residem na área urbana - e quase toda a população rural - não possuem esgotamento sanitário, o que leva o Estado a uma situação equivalente à dos países mais pobres do mundo.
Cerca de 623 mil metros cúbicos de esgoto - ou 623 milhões de litros - são despejados diariamente, de forma direta ou indireta, nos mananciais de águas superficiais e subterrâneas do Estado.
- A situação vai ficar insustentável em pouco tempo - alerta Paulo Aragão, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes/SC).
O problema não é de hoje. O tratamento do esgoto sempre foi o "calcanhar de Aquiles" dos governos. A prioridade, historicamente, foi o abastecimento e tratamento da água. Pelo menos desde o lançamento do Plano Nacional de Saneamento (Planasa) pelo governo federal, ainda em 1970, salienta o superintendente de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Casan, Cláudio Floriani Júnior.
A situação é paradoxal. Ao mesmo tempo em que Santa Catarina se revela como um dos estados com melhor qualidade de vida do Brasil, também apresenta índices de esgotamento sanitário semelhantes aos dos países mais carentes do planeta.
- A nossa sorte é possuirmos um bom sistema de atendimento à saúde. Caso contrário, muito mais gente morreria de doenças causada pela falta de saneamento - cosntata Afonso Vega Filho, diretor de Saneamento da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável.
Uma luz no fim dos tubos
Se depender do Ministério Público do Estado e da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes/SC), a situação calamitosa do esgotamento sanitário em Santa Catarina pode, em breve, começar a mudar.
Começa em fevereiro uma nova etapa de um processo deflagrado no final de 2004 pela Procuradoria-Geral de Justiça para recuperar o sistema. Na época, foi instaurado inquérito civil público para apurar responsabilidades pelo baixo índice de tratamento de dejetos nos municípios catarinenses.
Todos os prefeitos tiveram que responder questionário enviado pelo Ministério Público informando a situação do esgotamento sanitário no respectivo município. A partir dos resultados obtidos, foi elaborado pelos técnicos da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (Abes/SC) um diagnóstico geral e também sugeridas medidas para reverter a situação.
No próximo mês, cada um dos 293 municípios do Estado receberá o estudo desenvolvido pela Abes e pelo Ministério Público. Também os promotores de Meio Ambiente de todas as comarcas receberão o documento. Eles terão a missão de reunir-se com os prefeitos e entidades ligadas à área e, em conjunto, buscar soluções para a implantação de sistemas adequados de coleta e tratamento de esgoto.
Meta é atender 40% da população em cinco anos
Estão previstas ações que vão desde a identificação e eliminação das ligações e lançamentos irregulares de esgotos sanitários no sistema de águas pluviais até a implementação de planos de saneamento em todos os municípios catarinenses.
- Se no prazo de cinco anos conseguirmos passar dos atuais 12% da população atendida com esgoto tratado, para 40% dos catarinenses (que é a média nacional), já estaremos muito satisfeitos - diz o promotor de Justiça Luciano Naschenweng, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Ministério Público de Santa Catarina.
Saúde depende do saneamento
O Litoral catarinense, que abriga 70% da população do Estado, possui apenas 30% da disponibilidade de água doce - e ainda com os mais diferentes problemas. O mais sério é a contaminação por esgotos.
Dentre os impactos ambientais decorrentes da ocupação humana, a degradação dos rios e mares pelo despejo indiscriminado de esgoto bruto é o mais latente.
- O saneamento, dentre todos os setores de infra-estrutura, constitui-se na atividade mais essencial à preservação da vida e da saúde pública, com forte impacto sobre o meio ambiente e o desenvolvimento - ressalta Paulo Aragão, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes/SC), uma das entidades parceiras do Ministério Público no processo de recuperação do sistema de esgoto sanitário no Estado.
As doenças de propagação hídrica provocam a cada ano um número elevado de internações hospitalares. Muitos dos casos têm relação direta com a ausência de rede de tratamento e grande parte da mortalidade infantil até 5 anos seria evitada se houvesse uma adequada estrutura de saneamento. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já constatou que cada dólar investido em saneamento básico representa a redução de cerca de US$ 4 a US$ 5 nos gastos com medicina curativa.
(Por Viviane Bevilacqua,
Diário Catarinense, 14/01/2007)