Por Leonardo Sakamoto*
A novela do Parque Estadual Cristalino, no Mato Grosso é um caso emblemático de como a expansão agropecuária e seus prepostos têm conseguido impor o que desejam ao país. Mesmo com uma pressão contrária da sociedade civil e do próprio governo estadual, os deputados estaduais aprovaram uma lei que reduz área do parque, possibilitando a regularização de propriedades rurais que invadiam locais protegidos.
Pois, se por um lado, há estudos de impacto ambiental para a implantação de projetos de infra-estrutura, garantindo minimamente um freio ao ímpeto do desenvolvimento a qualquer custo, o mesmo não acontece quando se trata do aumento das áreas de lavoura e pasto.
Se grandes empreendimentos produtores de commodities tivessem que elaborar um Relatório de Impacto Ambiental, Social e Fundiário para poderem ser implantados, receberem crédito e terem a comercialização de seus produtos autorizada, teríamos mudanças na forma como o capital se reproduz no Cerrado e na Amazônia.
É claro que estudos e relatórios podem ser moldados dependendo da maleabilidade ética das instituições que são contratadas para fazê-los. Contudo, as discussões públicas em torno disso seriam fundamentais para que a comunidade afetada tivesse plena consciência do impacto que tais empreendimentos iriam causar. Dependendo do seu tamanho e tipo de produção, uma fazenda pode ter um impacto maior que uma barragem.
A partir daí, seriam decididos quais contrapartidas deveriam ser dadas à sociedade devido ao passivo gerado. Ou seja, como aquele empreendimento vai compensar a comunidade pelos problemas que vai trazer e como minimizar esse impacto.
Essas discussões públicas ajudariam a acabar com o discurso hipócrita de que essas grandes fazendas fazem um favor à sociedade por gerar empregos e renda. Como se eles não necessitassem dos recursos naturais (que são propriedade de todos os brasileiros) e da força de trabalho para poderem gerar o lucro almejado.
A população local precisa saber quais tipos de agrotóxicos seriam utilizados na lavoura (inseticidades, fungicidas, desfolhantes?), se a produção vai ser transgênica (até para garantir que não haja contaminação com espécies naturais), quais os limites das propriedades (verificando se a fazenda não vai "englobar" também comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas), qual será o tratamento dado aos empregados (a Delegacia Regional do Trabalho vai verificar as contratações de empregados?), entre outros pontos.
A partir daí, seria dada uma licença ao produtor. Sem ela, ele não poderia conseguir recursos em agências de financiamento nacionais ou internacionais ou operar contratos na Bolsa de Mercadorias e Futuros, por exemplo. Há bons exemplos na área do combate ao trabalho escravo e infantil que poderiam ser copiados nesse caso.
É evidente que a implantação de um sistema assim seria muito difícil, principalmente se considerarmos que nossos legisladores diminuem reservas de preservação ambiental para ajudar fazendeiros, atuam fortemente para impedir a aprovação de leis contra o trabalho escravo no Congresso e fazem campanhas contra os direitos das populações indígenas.
Para agravar o problema, há parcelas progressistas da sociedade defendendo que a imposição de constrangimentos ao desenvolvimento econômico é fazer o jogo do capital internacional, impedindo a realização do país como nação independente.
É pertinente lembrar que, na terça-feira (09/01), um "constrangimento" de 70 anos de idade da etnia Kaiowá Guarani foi morta com um tiro no peito durante a desocupação forçada de uma fazenda na divisa dos municípios Amambai e Coronel Sapucaia (MS). Pistoleiros puxaram o gatilho, mas a lentidão para demarcar terras, a ganância de fazendeiros e sua certeza de impunidade haviam deixado a bala na agulha.
Considerando tudo isso, fica a única sugestão factível para o curto prazo: Visitem o Parque Cristalino enquanto ele ainda existe.
* Leonardo Sakamoto, jornalista e cientista político, é membro da ONG Repórter Brasil.
(
Agência Carta Maior, 11/01/2007)