Lavagem do Bonfim sedia primeira manifestação do ano contra transposição do São Francisco
2007-01-12
Ontem (11/1), a tradicional lavagem das escadarias da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador, foi o cenário para a primeira manifestação do ano contra a transposição do rio São Francisco.
A proposta agrupou cerca de 200 pessoas – quase todos representantes de entidades do terceiro setor ligadas ao Fórum Permanente em Defesa do São Francisco –, que caminharam da Igreja da Conceição da Praia, no bairro Rio Vermelho, à Igreja do Bonfim, num percurso de quase 10 quilômetros.
O grupo portava faixas com dizeres como “Revitalização Sempre; Transposição Nunca”. Mas o que chamou mais atenção foi o surubim em tecido sobre armação de alumínio, confeccionado pela ONG Agenda, da cidade de Paulo Afonso, artefato carregado por oito pessoas.
No dia 18 de dezembro passado, o ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal – STF -, suspendeu todas as liminares concedidas pela Justiça contra o Projeto de Integração do Rio São Francisco às Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, como o Governo Federal batizou o empreendimento.
Em tese, só o que faltaria para a obra ser iniciada é a licença de instalação, a ser concedida pelo Ibama.
Após a decisão, a Diretoria do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF – reafirmou sua posição contrária ao projeto, lembrando novos estudos. “O Atlas Nordeste, publicado recentemente pela Agência Nacional de Águas (ANA), comprova que o problema da falta de água nos estados contemplados com a transposição é de má gestão de seus recursos hídricos ou carência de infra-estrutura de distribuição. O Atlas Nordeste comprova ainda que as áreas mais críticas do abastecimento estão nos Estados da Bahia e Pernambuco (na Bacia do São Francisco) e não no Ceará ou Rio Grande do Norte”, diz o Comitê, antecipando ter estabelecido, em uma de suas resoluções, que o uso externo das águas da Bacia do São Francisco somente será admitido para o abastecimento humano e dessedentação animal, “sempre após a comprovação da real necessidade desses recursos e da inexistência de fontes locais de atendimento”.
O Fórum em Defesa do São Francisco também se manifestou. Elaborou uma carta aos demais ministros do Supremo, que vem sido assinada e encaminhada por várias instituições. “Indignadas com a decisão, as entidades e movimentos sociais continuam lutando pela preservação e revitalização do São Francisco e pela dignidade de seu povo, condenando a realização da transposição, obra faraônica de interesse de grandes empreiteiras, que beneficia a monocultura irrigada e o hidronegócio em detrimento da população do semi-árido, constituindo-se no golpe de misericórdia sobre um rio que já mostra claros sinais de falecimento, se não for urgentemente revitalizado”, diz um trecho.
Ao final, o Fórum exorta: “esperamos desta Corte Suprema que seja restaurada de imediato a legalidade, reformando a decisão monocrática para suspender o licenciamento ambiental e impossibilitar qualquer ato tendente à execução do Projeto de Transposição, até que sejam sanadas as ilegalidades apontadas nas ações supracitadas. Para tanto, requeremos a urgente apreciação da matéria”.
O manifesto de ontem no Bonfim foi apenas o primeiro de uma série programada na tentativa de reverter a decisão de Sepúlveda Pertence. “Viemos pedir a proteção do Senhor do Bonfim para que ilumine a cabeça dos senhores ministros, principalmente porque os estudos mais recentes estão provando que a transposição será um grande erro”, disse a AmbienteBrasil Zoraide Vilasboas, da Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania, organização sócio-ambiental sediada em Salvador e integrante do Fórum Permanente em Defesa do São Francisco.
Ela antecipa que, em dois de fevereiro próximo, a manifestação vai se repetir na Festa de Iemanjá, no Rio Vermelho, até chegar à Brasília, possivelmente na reabertura dos trabalhos do Supremo. “O movimento vai desembocar no Planalto, para que a gente tenha uma solução definitiva”.
Zoraide diz que o grupo também está tentando uma audiência com o governador Jaques Wagner (PT). “Queremos que ele sustente a posição do povo baiano, que é contra a transposição”, diz ela.
Como se sabe, Wagner foi, na qualidade de ministro das Relações Institucionais, o emissário do presidente Lula que conseguiu demover o bispo da cidade de Barra (BA), Dom Luiz Flávio Cappio, de sua greve de fome pró-revitalização.
Em entrevista ao G1, o portal de notícias da Globo, o religioso lembrou o novo papel do agora governador: “Jaques Wagner era ministro de Lula, falava o que Lula queria. Agora é governador dos baianos, tem a função de ouvir o que o povo diz. Se ele não ouvir, vai se defrontar com todos os movimentos sociais.”
(Por Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 12/01/2007)
http://www.ambientebrasil.com.br/noticias/index.php3?action=ler&id=28863