A divulgação de resultados de pesquisas que envolvam ameaças à saúde, à segurança e ao meio ambiente é um assunto delicado. Para o gerenciamento da situação, é fundamental que o pesquisador leve as informações ao domínio público, mas a divulgação pode ter um efeito perverso se não contar com uma estratégia profissional de comunicação.
Pouco conhecida no Brasil, a chamada “comunicação de risco” foi o tema da dissertação de mestrado da jornalista Gabriela Di Giulio, defendida em novembro no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Gabriela estudou o caso do município de Adrianópolis (PR), que ficou submetido por 50 anos – entre 1945 e 1995 – à presença de uma mineradora cuja atividade, sem controle de impacto ambiental, contaminava com chumbo o solo, os alimentos plantados em hortas, moradores e trabalhadores que residiam no bairro Vila Mota, onde funcionava a usina de mineração. Caso típico de situação de risco, a contaminação começou a ser divulgada pela mídia em 2001, logo que o problema foi identificado por estudos.
“Em fevereiro de 2001, o caso foi divulgado pela primeira vez na televisão. A partir daí, o assunto ganhou a mídia nacional, mas, como não houve uma estratégia adequada para divulgação dos resultados, a população sofreu diversas conseqüências negativas”, disse a pesquisadora.
O estudo feito por Gabriela teve como objetivos compreender os impactos das informações sobre a contaminação por chumbo no cotidiano dos moradores do local e conhecer e avaliar as conseqüencias da ausência de estratégia de comunicação de risco.
“Para isso, fiz uma revisão bibliográfica sobre divulgação científica e comunicação de risco, com foco em saúde e meio ambiente. Realizei um levantamento documental, analisando notícias sobre o caso, veiculadas em 2001, e entrevistei alguns dos atores sociais”, afirmou a jornalista, que contou para seu trabalho com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Plano de mídia
Na análise das reportagens, Gabriela constatou que a população local foi muitas vezes estigmatizada. Havia referências aos habitantes como “chumbados” e às ações implementadas para diagnóstico de exposição humana ao chumbo “caçada aos chumbosos”.
“Muita gente, depois das reportagens, teve dificuldade para encontrar emprego porque vinha de Adrianópolis. Os empregadores temiam problemas crônicos de saúde. Os produtos agropecuários locais, principal fonte de renda do município, também começaram a ser recusados em outros municípios da região”, disse.
Os problemas de exposição humana e ambiental ao chumbo ocorreram na Vila Mota, bairro da zona rural de Adrianópolis que conta com cerca de cem famílias, mas os notíciarios trataram o caso sem detalhar essa informação. O resultado é que as conseqüências e o estigma se estenderam a todos os 7 mil habitantes da cidade.
“Boa parte dos habitantes foi informada, inicialmente, do caso, pela mídia, o que assustou muitos deles. Além disso, eles pouco participaram da avaliação de riscos e de proposições sobre o que deveria ser feito no município para remediar ou solucionar o problema. Para os moradores, a cobertura teve tom sensacionalista e, em vez de melhorar, só piorou a situação”, afirmou Gabriela.
Nas entrevistas, alguns moradores demonstraram total perda de confiança nos dados divulgados e passaram a acreditar que todo o caso era motivado por intenções políticas. “Foram divulgados, principalmente, dados de dois estudos preliminares diferentes, levando a contradições no noticiário”, conta Gabriela.
Os pesquisadores da Unicamp, que também realizaram estudos no local, na época, no entanto, estavam conscientes do problema de comunicação. “Eles se preocuparam em emitir boletins informativos e em reunir membros da comunidade e autoridades para explicar os resultados. Mas a cidade tem pouca participação política, a população tinha dificuldade em entender os resultados e nem sempre os resultados chegavam às mãos das pessoas certas”, descreve.
Faltava, segundo Gabriela, uma estratégia de comunicação. “Em um plano de comunicação de risco é preciso, necessariamente, envolver a mídia. Se não se pode contar com um jornalista na equipe, seria preciso consultar alguém da área para desenvolver a estratégia.”
Compreensão local
Acidente nuclear, contaminação por resíduos químicos e vazamento de óleo são alguns dos exemplos de situações de risco que podem requerer tais cuidados, de acordo com Gabriela Di Giulio. O conceito de comunicação de risco, segundo conta, é relativamente novo, mas muito utilizado nos Estados Unidos e em países da Europa Ocidental. “O termo foi usado pela primeira vez após o acidente na usina nuclear de Chernobyl, em 1986”, disse.
A autora do estudo explica que a comunicação de risco consiste, em primeiro lugar, em um processo que inclui várias estratégias para que a exposição das informações seja feita de forma clara e explicativa, possibilitando que a população local compreenda os dados e participe da tomada de decisão.
Além de envolver a mídia, segundo Gabriela, seria desejável que projetos de pesquisa em meio ambiente e saúde envolvessem sempre representantes da comunidade a ser estudada.
“Ajuda muito contar com a confiança da comunidade. Por isso, é recomendável o envolvimento de um representante que possa mediar a relação entre habitantes e pesquisadores”, disse.
(Por Fábio de Castro,
Agência Fapesp, 12/01/2007)