Roberto Malvezzi, Gogó *
Finalmente, a face aterradora do aquecimento global invadiu a grande mídia brasileira. Evidentemente, ela não se coloca como parte responsável por incentivar um modelo de desenvolvimento que nos conduziu ao abismo, mas foi obrigada a admitir o óbvio. Ao mesmo tempo, o governo anuncia o começo das obras da transposição do Rio São Francisco. É o mesmo governo que apóia maciçamente o agronegócio brasileiro, que queima a Amazônia para plantar soja e capim.
Lula não é a liderança para um país chave nos desafios globais que a humanidade hoje enfrenta. Era uma liderança para os anos 80. Sua concepção de desenvolvimento ainda é a de Getúlio, Juscelino - a quem gosta de se comparar - e, muito mais, do regime militar. Não é por acaso que tem chamado Delfim [Netto, ex-ministro da área do Planejamento que atuou em governos do regime militar] para assessorá-lo. Também na questão da transposição existe um núcleo de militares pensando a obra.
O Exército é quem começa implantar os canais. Para todos eles, promover o desenvolvimento é fazer grandes obras. É um conceito quantitativo, da velha economia. Se a humanidade vai colidir com os limites de temperatura, água, solos, etc, para eles não vem ao caso. É preciso desenvolver.
Poderíamos nos perguntar se Alckmin [ex-candidato á presidência da República] seria melhor. Claro que não. Além de predador, ele é privatista e não tem a sensibilidade social de Lula. Heloísa [Helena, ex-senadora e ex-candidata do PSol] não soube politizar o processo eleitoral e não se colocou como alternativa.
Portanto, não temos no cenário político ninguém à altura do desafio. Também é assim no resto do mundo. Bush [presidente dos Estados Unidos] só pensa em pôr seu exército para matar pobres no resto do mundo, e grande parcela da sociedade americana só pensa em comer. Os europeus vão tomar uma decisão mais séria para redução de gases que afetam o efeito estufa.
O resultado desse processo mundial e brasileiro já estamos colhendo na revolta do planeta no território brasileiro. O que significa aumentar a temperatura no semi-árido? Há quem fale que será um lugar inabitável, mas um efeito é imediato, isto é, vai aumentar a evaporação das águas estocadas e a transpiração das plantas.
Portanto, vamos perder muito mais água pela evapotranspiração do que já perdemos hoje. E vale lembrar que essa equação é a evaporação de três milímitros por cada milimitro de precipitação. A NASA [Agência Espacial Norte-americana], ainda na década de 90, já dizia que em sessenta anos o São Francisco seria um rio temporário por conta do assoreamento e da evaporação. Se assim for, não teremos São Francisco nem para transposição, nem para geração de energia, para mais nada.
Mais do que destravar as grandes obras, precisaríamos destravar o cérebro de nossas lideranças. Com as lideranças que temos, o caos é inevitável.
* Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
(
Adital, 12/01/2007)