O AmbienteJÁ publica hoje e amanhã a matéria "Lodos das estações de tratamento de água e esgoto começam a receber destino ecologicamente correto no RS". A primeira parte –
Estações de Tratamento de Água – fala sobre as medidas que Corsan e Dmae têm tomado para não mais despejar o resíduo de volta aos mananciais e discute os usos desse material.
A segunda parte –
Estações de Tratamento de Esgoto – vai abordar ações de aproveitamento desse outro tipo de lodo já praticadas no Estado.
Estações de Tratamento de Água
Técnicos da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan/RS) e do Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae) de Porto Alegre (RS) estão estudando formas de reaproveitar o lodo que resta da limpeza de decantadores das Estações de Tratamento de Água (ETAs) do Estado. Por mais contraditório que pareça, o resíduo é despejado de volta aos cursos d água ainda hoje.
Os lodos das ETAs do RS foram classificados, segundo as normas da ABNT (NBR 10004, para resíduos sólidos), como não perigosos (apresentam níveis baixos de toxicidade, patogenicidade, reatividade, inflamabilidade e corrosividade) e inertes ao meio ambiente. Têm característica inorgânica e sua composição se assemelha à do solo.
Entretanto, estudos feitos pelos alunos do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apontam que o descarte pode aumentar a turbidez e a cor aparente das águas receptoras. Além disso, o material lodoso contribui para o assoreamento dos mananciais, o que gera impacto à vida aquática.
Mas, segundo o superintendente de Tratamento da Corsan, Marinho Graff, seria exagero atribuir a culpa pela degradação de rios, como o Sinos ou o Gravataí, ao descarregamento desse resíduo. "A interferência dele na qualidade da água seria a mínima perto de outros fatores, como o lixo, a poluição industrial e o esgoto doméstico", afirma o engenheiro, que também é da diretoria da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES/RS).
Corsan assinou Termo de Compromisso Ambiental
Em agosto de 2006, Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam/RS) e Corsan assinaram um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) para enquadrar as estações de tratamento de água ao licenciamento ambiental. O documento determinou um prazo para que a companhia possa efetuar a adequação do tratamento e lançamento de efluentes e lodos das estações. Hoje, 13% das ETAs da Corsan fazem algum tipo de tratamento no lodo.
No caso das ETAs complexas e semi-complexas, a Corsan deve implantar algum tipo de tratamento de lodo até 2016 e, no caso das simples, até 2031. A companhia se antecipou e começou a investir em pesquisas e testes sobre o assunto já em 2005.
DMAE arquivou projetos sobre o assunto em 1992
O reaproveitamento do lodo de ETAs começou a ser discutido no Estado no início da década de 90. Em 1991, o DMAE criou uma comissão interna para estudar o tratamento e a disposição desses materiais. As pesquisas constataram que era economicamente inviável destinar o resíduo
in natura para alguma empresa que o aceitasse como matéria-prima. Isso porque o lodo é constituído por cerca de 97% de água. Seria necessário desaguar o material em uma centrífuga. Como os custos de implementação desse sistema se mostraram elevados, os estudos foram arquivados no ano seguinte.
Até o momento, não foram estipuladas datas limites para a implantação de sistemas para tratamento de lodo nas Estações de Tratamento de Água do DMAE. Entretanto, os técnicos do departamento elegeram o tema como uma das bandeiras da atual gestão. Os debates acerca da destinação do resíduo foram retomados em 2005.
Alternativas para o resíduo
O lodo que resta dos decantadores das ETAs pode ter, pelo menos, cinco destinos mais corretos do que o simples retorno à água:
- disposição em aterros sanitários;
- utilização como fertilizante em solos muito pobres ou na reposição do solo;
- compostagem;
- elaboração da matéria-prima para a produção do cimento;
- quando misturado com a argila, pode ser usado na produção de tijolos e outros produtos cerâmicos.
Contudo, o aproveitamento do lodo freqüentemente esbarra na questão econômica. O engenheiro Marinho Graff lembra que a Corsan entrou em contato com indústrias de cimento, mas o projeto não foi adiante. "A produção de lodo é pequena. Não vale a pena transportar esse material a grandes distâncias. Juntar cada pouco de um lado e trazer isso para uma indústria é inviável. Estamos procurando soluções adequadas regionalmente", afirma.
Outro problema no caso do cimento: a Corsan só pode fornecer o material a empresas que têm licença de operação – boa parte das pequenas indústrias cimenteiras não a possui. Enquanto o impasse não é resolvido, a companhia deve encaminhar o lodo para aterros sanitários.
Na contramão, a ETA Montenegro fechou uma parceria com a usina de compostagem da Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí (Ecocitrus). Cerca de 30% do adubo produzido são formados pelo resíduo recebido da estação de tratamento. O composto é vendido, e a renda vai para as famílias dos agricultores associados.
Corsan e Dmae testam tecnologias
A desidratação do lodo continua sendo empecilho para a implementação dos projetos. Embora tenham surgido novas tecnologias para desaguar o material – como o geotube, um saco (bag) de tecido - o preço é alto. O lodo com 97% de umidade é bombeado para dentro desse saco, que funciona como um filtro – retém o sólido e expulsa a água. Neste momento, Corsan e DMAE estão testando os equipamentos e montando estações piloto.
No caso do DMAE, a química Sissi Cabral, da Divisão de Tratamento, conta que o departamento teve de "montar um quebra-cabeça" para estruturar a primeira unidade de testes, que será na ETA José Loureiro da Silva, no bairro Menino Deus. Pegou emprestado de outras estações de Porto Alegre equipamentos como tanques de produtos químicos, bombas e misturadores. Os técnicos comemoraram a compra de uma centrífuga e de uma unidade móvel. O projeto piloto deve começar a operar neste semestre e terá duração de um ano.
O departamento quer que o lodo seja usado na compostagem – processo em que são misturados resíduos diversos, cujo resultado é a formação de um adubo rico para a agricultura. Desde 2004, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) recebe o lodo das Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) do DMAE – o qual apresenta características bem diferentes dos resíduos das ETAs – e vende o composto para floricultores da região de Porto Alegre. Antes de destinar o material lodoso à compostagem, o DMAE pretende fazer um tratamento químico para retirar o alumínio da massa e reaproveitá-lo na etapa de coagulação do tratamento da água.
A questão do coagulante com teor de alumínio é polêmica. Hoje, grande parte das ETAs do Estado usa o sulfato de alumínio na etapa de coagulação. Algumas pesquisas defendem que o seu retorno ao meio aquático possa ocasionar impactos no ciclo do fósforo na natureza.
A dissertação de mestrado de Eliane Ferranti – "Desidratação de Lodos de Estação de Tratamento de Água", concluída em 2005 no Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, resgatou um estudo de 2001, que analisou o impacto dos descartes de lodos de alumínios nos banhados de Uganda. Foi constatado que a presença desse lodo afetou a produtividade da planta Cyperus papyrus e teria provocado anomalias nas raízes da espécie. As anomalias estariam relacionadas à deficiência de fósforo, que é imobilizado pela presença do alumínio no lodo.
A coordenadora da unidade piloto de desidratação e tratamento de lodo da ETA Gravataí, da Corsan, Karla Pieper, defende que o tratamento químico para remoção de alumínio do lodo é desnecessário. Ela é mestranda do IPH e presidente da Câmara Técnica de Resíduos Sólidos do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema/RS). A constatação é fruto de estudos feitos pela companhia, em parceria com a Embrapa. Além disso, a mesma pesquisa concluiu que o lodo não tem características fertilizantes.
O projeto piloto na ETA Gravataí faz parte de uma iniciativa maior onde os técnicos da Corsan vêm caracterizando o resíduo e estudando o reaproveitamento desse material. "A companhia está testando a utilização dos usos reposição do solo, compostagem, indústrias cimenteira e cerâmica", diz Karla.
Ela só lamenta que não haja troca de informações sobre o assunto no Brasil. "As companhias estaduais e municipais estão trabalhando individualmente, assim como as indústrias que produzem o resíduo. Todos estão encontrando soluções, mas elas são não coletivas", opina.
Com o intuito de incentivar debates sobre o tema, a ABES/RS vai promover, em abril, o 1º Encontro Inovações Tecnológicas no Saneamento - Lodos e Odores.
(Por Ana Luiza Leal, 11/01/2007)
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