Casas assassinas matam mulheres e crianças: 3,5 mi queimam combustíveis tradicionais dentro de suas casas
2007-01-10
Mulheres que tossem e se afogam enquanto cozinham em seus tradicionais fogões sem chaminé, alimentados a lenha, folhas ou esterco, são comuns de se ver nas casas pobres da Ásia, África e América Latina. Mas, quase ninguém nota seus silenciosos efeitos perversos. Apesar de aproximadamente 1,5 milhão de mulheres morrerem prematuramente a cada ano por inalar gases venenosos em suas casas, este problema recebe pouca atenção dos governos, especialistas, cientistas e médicos.
Quase 3,5 milhões de pessoas queimam combustíveis tradicionais dentro de suas casas, para cozinhar ou calefação, e estima-se que esse número “aumente substancialmente até 2020”, disse à IPS John Mitchell, coordenador da sociedade para o ar limpo nos espaços internos da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Mais da metade dessas pessoas, principalmente mulheres e crianças, morrem prematuramente a cada ano, um número que duplica as mortes que se calcula ocorrem devido à contaminação nos espaços exteriores.
A contaminação aérea em interiores poderia levar a uma epidemia de problemas respiratórios que mataria mais rapidamente do que a síndrome respiratória aguda severa (SRAS) ou a gripe do frango, alertou Kirk Smith, professor de saúde pública na Universidade da Califórnia, em Berkeley. “Haverá uma reunião de emergência em Genebra de agências e doadores internacionais com autoridade e fundos ilimitados para adotar uma ação?”, perguntou Smith aos participantes da reunião internacional sobre melhor qualidade do ar, realizada em dezembro em Yogyakarta, na Indonésia, onde Mitchell expôs sua preocupação. “A resposta é não. Não se fará nada”. Ironicamente, a própria conferência se centrou na contaminação do ar em espaços abertos e sua declaração final não se referiu ao problema grave no interior das casas.
“A biomassa ou os combustíveis tradicionais de origem biológica, como madeira, galhos e folhas, representa 9,3% da energia global consumida, segundo o informe World Energy Assessment de 2004. A razão pela qual são tão perigosos é que não queimam completamente. Ou, em termos científicos, sua eficiência de combustão é menor que 100%. “Um forno tradicional indígena alimentado a lenha pode ser uma fábrica de dejetos tóxicos”, disse Smith. Para este especialista, os típicos fornos de biomassa convertem entre 6% e 20% do carvão em substâncias tóxicas.
Globalmente, a fumaça nos interiores se situa em décimo lugar na lista de fatores de risco para a carga global de doenças, segundo um informe da Organização Mundial da Saúde de 2002. Entretanto, ocupa o terceiro lugar entre a carga de enfermidades da Índia. Os típicos contaminantes venenosos na fumaça de combustíveis produzidos pela queima incluem pequenas partículas de monóxido de carbono e dióxido de nitrogênio, bem como substâncias que contêm carbono e hidrogênio (hidrocarbonos), e, às vezes, cloro. De fato, cerca de 5% da contaminação do ar em espaços exteriores se deve à fumaça procedente das casas, explicou Mitchell.
Cortar árvores para obter combustível leva ao desmatamento e à desertificação, está vinculada a emissões de gases causadores do efeito estufa e à mudança climática. Mas, também é um tema de gênero, já que afeta a saúde as mulheres, que são as mais expostas à fumaça doméstica e freqüentemente as últimas da família a receber tratamento médico. Isso afeta a saúde das crianças, causando problemas respiratórios, explicou Mitchell. Até agora, a contaminação nas casas é amplamente ignorada pelos cientistas.
Houve pouquíssimas medidas em todo o mundo para determinar os valores exatos das exposições ou vinculá-los a modelos científicos de doenças, disse Smith. Por exemplo, dos cerca de dois a três milhões de mortes de menores de 5 anos por infecções no trato respiratório inferior, existem cálculos de porcentagens de falecimentos por desnutrição, diarréia, susceptibilidade genética às enfermidades, não-imunização contra doenças que podem ser prevenidas com vacinas, mas, não de casos em razão da queima de combustíveis sólidos nas casas.
Dados preliminares de uma pesquisa em curso sobre 530 casas da Guatemala que usam fornos de fogo aberto para cozinhar mostram que os menores que vivem nessas condições têm sérias enfermidades respiratórias, em comparação com aqueles que moram em casas com fornos à lenha melhorados, com chaminé, informou Smith. Uma vez que a chaminé seja adicionada ao forno, as pequenas partículas contaminantes diminuem em 90%, acrescentou.
Uma série de estudos em quatro locais da Índia, financiados pelo Fogarty International, está abordando a questão de a exposição à fumaça doméstica gerada por combustíveis fósseis agravar a tuberculose. Espera-se terminar de coletar os dados até o final do próximo ano. Notícias mais animadoras procedem da Aliança para Ar Limpo Intradomiliciar (PCIA), lançada na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em 2002 em Johannesburgo, África do Sul.
A PCIA tenta melhorar a saúde, os meios e a qualidade de vida através da exposição reduzida à contaminação aérea, principalmente entre mulheres e crianças, em países em desenvolvimento. Isto através de um aumento no uso de práticas de cozinhar e calefação limpas, confiáveis, de baixo custo, eficientes e seguras nas casas. Segundo a PCIA, seus 10 projetos-piloto na Ásia, África e América Latina educaram 1,3 milhão de moradias. O resultado é que 70 mil deles agora usam práticas limpas e eficientes, e 700 mil novos negócios produzem e comercializam tecnologias melhoradas.
Outra história de sucesso aconteceu na China, onde The Nature Conservancy, uma organização sem fins lucrativos que defende a conservação da biodiversidade com sede na província de Yunan, saiu na frente no uso de energia alternativa para melhorar a qualidade do ar doméstico. A região nordeste de yunan contém as cabeceiras dos rios Yangtze, Mekong, Salween e Irrawady, e é um dos 10 pontos de maior diversidade do mundo.
A maioria dos habitantes dessa região depende da lenha para cozinhar e aquecer suas casas, mas eles não só destroem as florestas locais, mas, também provocam sérios problemas de saúde devido à contaminação do ar nos espaços fechados. The Nature Conservancy iniciou um programa de energia alternativa em 2001 para proteger a rica biodiversidade do nordeste de Yunan e usar estratégias energéticas. O projeto desenvolveu fornos mais eficientes e expandiu as fontes de energia renovável, tais como biogás, aquecedores solares de água e microgeradores de energia hidrelétrica, disse Xia Zuzhang, diretor de operações do programa The Nature Conservancy.
(Por T. V. Padma, IPS, 09/01/2007)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=26526&edt=1