Recorde de reciclagem está ligado a exclusão social
2007-01-09
O Brasil é líder do ranking mundial de reciclagem. Esse fato é decorrente principalmente da grande quantidade de catadores existentes no País. È bastante comum em diversos estados ver crianças nas ruas catando latinhas de alumínio para vender. Elas acompanham os pais e ajudam na renda familiar.
A coleta de latas usadas envolve aproximadamente 130 mil sucateiros no Brasil, vivendo hoje exclusivamente desta atividade com renda média de dois salários mínimos - dados do Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem). Esses catadores são responsáveis por 50% do suprimento de sucata de alumínio à indústria. A outra parte é recolhida por supermercados, escolas, empresas e entidades filantrópicas.
O alto valor do material no mercado de sucata contribui bastante para o aumento do número de pessoas trabalhando na coleta de latinhas. O grande consumo de bebidas enlatadas gera uma quantidade imensa de latas usadas. Pessoas, na maioria das vezes desempregadas, catam latinhas, vendendo-as posteriormente como meio de renda.
O estado do Paraná é o único do País que possui de um estudo detalhado sobre as crianças catadoras. Relatório da Procuradoria Regional do Trabalho de Curitiba, lançado este ano, aponta em primeiro lugar a cidade de Londrina, onde 145 crianças atuam irregularmente nas ruas, como "carrinheiros". Em segundo lugar vem Campo Mourão, com 109 catadores infantis e, em terceiro Curitiba, com 108. Somados os números de todo o Estado, o resultado é alarmante: 3.370 meninos e meninas com menos de 14 anos estão nesta atividade em 177 municípios.
A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realizada pelo IBGE em 2000, mostrou 24.340 catadores de lixo em 1.548 municípios. Desses, 22,2% eram menores de 14 anos, ou seja, 5.393 crianças catavam sucata nos lixões. O item mais procurado são as latas de alumínio, por terem alto valor comercial.
Já os dados do PNAD/2005 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) mostram uma diminuição no trabalho infantil urbano em relação a 2004. Neste ano foram 916.690 crianças com idade entre 5 a 14 anos envolvidas com trabalhos não agrícolas, o equivalente a 1,425% do total de crianças. Em 2005, o número de crianças entre 5 e 14 anos trabalhando em centros urbanos no Brasil foi de 1.037.521, correspondendo a 1,277% do total de crianças.
O resultado da Fiscalização do Trabalho realizado em 2006 pelo Ministério do Trabalho e Emprego descobriu 8.438 crianças de 0 a 16 anos, excluindo-se os aprendizes, trabalhando no setor formal ou informal da economia. Em 2005 esse número foi de 7.748. Não há uma distinção entre a natureza dos trabalhos realizados por essas crianças, os dados são gerais. Segundo Isa Maria de Oliveira, do Fórum Nacional de Erradicação Infantil, esses números são irrelevantes. As ações de fiscalização não percorrem todos os municípios brasileiros para ter uma avaliação exata sobre o trabalho infantil formal e informal. Os dados são voltados mais para a retirada de crianças do trabalho, por isso, não são fieis a realidade.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, o trabalho infantil tem diminuído. Esse fato pode ser em decorrência da criação, em 1996 do PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Resultado da mobilização da sociedade, o principal objetivo do PETI é retirar crianças e adolescentes de 7 a 15 anos de trabalhos perigosos, penosos, insalubres e degradantes. O Programa atende atualmente 1.100.000 crianças em diversos municípios do País. As famílias atendidas recebem uma bolsa de R$ 20,00. As crianças, no horário oposto às aulas da escola, participam do Jornada Ampliada, onde aprendem a fazer arte, praticam esportes e recebem reforço escolar.
De acordo com dados do IPEC - Programa Internacional para Erradicação do Trabalho Infantil - os estados brasileiros onde há maior incidência do trabalho informal urbano infantil, onde se incluem crianças catadoras de latinhas, são a Paraíba, São Paulo e o Rio Grande do Sul.
Para Isa Maria, o trabalho dos catadores, tanto dos adultos quanto das crianças, está mais ligado a exclusão social do que a consciência ambiental propriamente dita. A grande quantidade de desempregados no Brasil, atualmente em torno de 10,4% da população, faz as pessoas procurarem alternativas para obtenção de renda. Assim, essas pessoas entram para o emprego informal, onde estão incluídos catadores de sucata de rua e de lixões. "Ainda são poucas as cooperativas organizadas. As crianças que trabalham nas ruas, na maioria das vezes ajudam os pais, contribuindo para o aumento da renda familiar", disse Isa.
Amparo social
A Fundação Orsa, há um ano, tem colocado em prática o projeto Oficina Pedagógica, do grupo do setor de papel e celulose. O projeto já retirou 40 crianças, a maioria ex-catadoras de latas, das ruas, e ensinou-as a cultivar cenoura, couve-flor e mandioca. O Oficina Pedagógica atua em Carapicuíba, São Paulo. Além de aprenderem a cultivar alimentos, as crianças têm horas de lazer e de reforço escolar na sede da entidade.
Criada em 1994, a Orsa tem outros 46 projetos espalhados pelo País. Dentre esses, o Projeto Cata-Vento faz um trabalho expressivo voltado para crianças e adolescentes, de 7 a 11 anos, em parceria com a OIT. Com o objetivo de erradicar as piores formas de trabalho infantil, foram selecionadas seis cidades-piloto no estado de São Paulo. Em São Paulo (capital) e Ferraz de Vasconcelos, o projeto é desenvolvido com as crianças envolvidas no trabalho informal urbano. A Fundação atende atualmente 14 mil jovens, todos considerados em situação de risco pessoal e social. Este ano, a Fundação destinou R$ 7 milhões de para ajudar crianças necessitadas.
Cooperativas
Impulsionada por homens, mulheres e crianças de baixa renda, a indústria da reciclagem do alumínio no País deu um grande salto nos últimos quatro anos. Em 1991, eram recicladas 37% das latinhas. Em 1996, subiu para 61,3%. Atualmente, o Brasil lidera, pelo quinto ano consecutivo, o ranking mundial de reciclagem de latas de alumínio. Em 2005, foram reaproveitadas 96,2% das latas usadas. Segundo dados divulgados pela Associação Brasileira do Alumínio - ABAL e pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade - ABRALATAS, o Brasil atingiu a marca de 127,6 mil toneladas de latas de alumínio recicladas por ano. Para Marcelo do Ó, da Abal, não há uma grande incidência de crianças envolvidas na venda de latinhas de alumínio no Brasil. "As cooperativas procuram não comprar sucata de crianças, para não incentivar o trabalho infantil", disse ele.
Entretanto, o trabalho informal urbano infantil, ainda não está erradicado, nem perto disso. Ele está presente em diversos estados, e a população não percebe, pois a maioria das crianças trabalha ajudando os pais. Isso porque quanto mais gente da família catando nos lixões ou nas ruas, maior será a renda da família no final do mês.
Liderança do ranking
Segundo as empresas Abal e Abralatas, outros fatores têm contribuído para o aumento da reciclagem no Brasil. São eles a adesão da classe média à coleta seletiva, a formação de cooperativas com boa gestão, a busca da sociedade por modelos de preservação e a educação ambiental.
O engajamento da classe média pode ser comprovado por números. Levantamento realizado pelo setor mostrou que, entre 2000 e 2005, a participação de condomínios e clubes na coleta de latas usadas passou de 10% para 24%.
(Envolverde/ANDI, 08/01/2007)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=26489