Petróleo ameaça o frágil rio Mekong, na China
2007-01-09
A China, sempre sedenta de energia, decidiu converter o frágil rio Mekong
em uma rota de transporte de petróleo. Ambientalistas do sudeste da Ásia temem que os
vazamentos destruam o sustento de milhões de ribeirinhos. Os ativistas manifestaram sua
preocupação depois de uma primeira travessia de dois petroleiros pelo rio, que colocou em
evidência a determinação de Pequim em encontrar rotas alternativas e mais baratas para importar
petróleo. Os dois navios chegaram no dia 29 de dezembro a um porto da província chinesa de
Yunán, com um total de 300 toneladas de petróleo refinado procedente de um porto da província
tailandesa de Chiang Rai, informou a Xinhua, agência de notícias estatal chinesa.
A travessia do rio marcou “o lançamento de teste do programa chinês de transporte de petróleo
com seus sócios do sudeste asiático”, destacou a agência, acrescentando que, “segundo
especialistas, o Mekong servirá de alternativa ao estreito de Málaca como rota de transporte
de petróleo e assegurará o abastecimento para Yunán e o sudeste da China em geral”. Os
ambientalistas já haviam dado o alarme quando foram revelados os planos da nova rota em 2004,
mas, se indignaram quando em meados do ano passado soube-se que Pequim havia conseguido aumentar
a cota de petróleo que espera transportar pelo rio no futuro.
O acordo inicial, assinado em março passado por Birmânia, Laos, Tailândia e China permitia uma
cota mensal de transporte de 1.200 toneladas de petróleo refinado. Mas, agora, Pequim espera
transportar “70 mil toneladas anuais de petróleo refinado desde a Tailândia, somente pelo rio
Mekong”, disse Qioa Xinmin, chefe do escritório de assuntos marítimos provinciais, citado pela
Xinhua. “Tudo foi feito em segredo, sem informar ao público nem pedir opinião aos envolvidos,
principalmente os que vivem junto ao rio”, queixou-se Premrudee Daoroung, co-diretora da
organização ambientalista Towards Ecological Recovery and Regiona Alliance (Terra), com sede em
Bangcoc. “Isto confirma quem controla o Mekong”, acrescentou.
O mesmo ocorreu quando Pequim convenceu os países situados ao sul de Yunán a dragarem o rio
mediante explosões para permitir a navegação de grandes embarcações, segundo Premrudee. “ China
dirigiu esse esforço e foi a primeira a colocar dinheiro, porque seria a principal
beneficiária”, afirmou a ambientalista. Os temores de um possivel vazamento de petróleo foram
alimentados pelo que os ambientalistas observam desde que alguns barcos começaram a fazer a rota
Chiang Rai-Yunán, transportando produtos agrícolas como alho e maçãs.
“Estes cargueiros contaminam o rio, e isto afasta as pessoas que vivem à sua margem”, disse
Pianporn Deetes, ativista da Rede pelos Rios do Sudeste da Ásia, com sede na cidade tailandesa
de Chiang Mai. “As pessoas foram totalmente excluídas deste plano”, embora “um vazamento destrua
o ecossistema do rio”, lamentou. O Mekong é o maior rio do sudeste asiático, com 4.880
quilômetros de comprimento. Começa sua viagem na meseta tibetana, atravessa Yunán, corre ao
longo das fronteiras da Birmânia, Tailândia e Laos e, finalmente, serpenteia pelo Camboja e
Vietnã, para desembocar no mar da China meridional.
Estima-se que 60 milhões de moradores ribeirinhos do Mekong, desde a Birmânia até o sul,
dependem do rio para conseguir alimento, água e transporte. A pesca anual no trecho inferior
do Mekong representa 2% “do total da captura mundial e 20% de toda a pesca mundial em cursos
de água internos”, destacou a Comissão do Rio Mekong, organismo intergovernamental integrado
por Tailândia, Laos, Vietnã e Comboja, com sede em Vientiane, capital do Laos.
A China decidiu recorrer ao Mekong como nova rota do petróleo num momento em que sua demanda
por energia aumenta. A importação anual de petróleo é estimada em 140 milhões de toneladas ano,
e tende a crescer, segundo informes. Quase 70% dessa importação são transportadas pelo estreito
de Málaca. A rota do Mekong é um de dois planos da China para evitar o estreito. Em abril de
2006, Pequim assinou um acordo com o governo birmanês para construir um oleoduto entre o porto
profundo de Sittwe e Kunming, capital de Yunán.
Essa idéia alarmou grupos ambientalistas e de direitos humanos da Birmânia por vários motivos:
a repentina afluência de renda que ajudará o tirânico regime militar de Rangún, o dano ambiental
que o oleoduto causará e as violações dos direitos humanos que deixará em seu caminho.
“Este oleoduto passará pelo centro da Birmânia. Haverá muitos reassentamentos e trabalhos
forçados, porque a rota passa por zonas densamente povoadas”, alertou Wong Aung, porta-voz do
Movimento Shwe do Gas, um grupo que luta pelos direitos da comunidade arakan na Birmânia.
“Muitas árvores serão cortadas nas florestas que cobrem as terras dos arakam yoma”, acrescentou.
Mas, “para os chineses não importa a destruição ambiental nem as violações dos direitos
humanos, se precisam de petróleo”, disse à IPS.
(Por Marwaan Macan-Markar, IPS, 08/01/2007)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=26480&edt=1