O ambiente precisa de um novo organismo mundial?
2007-01-09
A criação da Organização das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Onuma), proposta pelo presidente da França, Jacques Chirac, divide os ambientalistas.
Alguns consideram que seria útil para enfrentar os desafios da deterioração ambiental global,
e outros a vêem como uma proposta redundante e uma manobra política de Chirac, com vistas às
eleições gerais francesas, previstas para abril e maio. O presidente propôs a criação da Onuma
no dia 12 de dezembro, em Paris, após uma reunião com o comitê organizador da Conferência
Internacional do Meio Ambiente, que o governo francês prepara para fevereiro.
Entre os países participantes desta Conferência, aparecem economias emergentes – como Brasil,
África do Sul, China e Índia – e que, segundo versões não oficiais, se opõem à criação da
Onuma. Segundo Chirac, essa reunião, da qual participarão representantes de aproximadamente
60 países e de numerosas organizações internacionais e não-governamentais, deverá apresentar
um “inventário da situação do meio ambiente global e de sua inquietante degradação, além de
apresentar propostas políticas prioritárias aceitáveis no plano internacional”.
A Conferência de Paris também deveria – segundo Chirac – “afirmar claramente que um grande
número de países deseja contar com uma Onuma, que disponha dos meios materiais para agir e
fazer respeitar determinado número de regras essenciais para o futuro de nossa biosfera”.
Embora o presidente francês já tenha sugerido a criação da Onuma em 2002, durante a Assembléia
Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York, até hoje permanecem na sombra quais as
tarefas que essa entidade teria e que já não sejam assumidas por instituições multilaterais
existentes.
Alguns desses organismos são o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o Grupo
Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC), ou os diferentes
secretariados responsáveis pela vigilância e administração das normativas internacionais,
como o Protocolo de Kyoto ou o Convênio sobre a Diversidade Biológica.
“Criar uma nova agência internacional para a proteção ambiental é supérfluo. Existem propostas
coerentes de política ambiental, mas falta vontade dos centros de poder para aplicá-las”, disse
ao Terramérica Catherine Reymonet, da Amigos da Terra. Junto com numerosos ambientalistas
franceses, Reymonet escreveu recentemente uma carta pública dirigida a Chirac, na qual o reprova
pela discrepância entre seu discurso pró-ambiente e as políticas implementadas durante seu
mandato.
Entre outras coisas, Reymonet recordou a Chirac sua intervenção constante em favor de
subvenções européias para a agricultura intensiva, bem como a incapacidade de seu governo de
conceber e aplicar uma política de transportes que reduza o consumo de combustíveis fósseis e,
consequentemente, a emissão de dióxido de carbono, e que priorize sistemas coletivos, como
o trem.
Para Michel Noblecourt, chefe de Redação do jornal Midi Libre, que pertence ao grupo Le Monde,
a proposta de Chirac faz parte da campanha que termina em abril, com a eleição de um novo
presidente e um novo Parlamento. “A proteção ambiental se converteu em um tema essencial da
campanha”, escreveu Noblecourt no editorial do dia 13 de dezembro, um dia depois da reunião
de Chirac com o comitê organizador da Conferência. “Cada candidato sonha em aparecer como o
perfeito defensor do meio ambiente. Cuidado com as promessas de campanha”, alertou o analista.
Embora Chirac, eleito presidente pela primeira vez em 1995 e reeleito em 2002, possa se
apresentar para a eleição presidencial de abril e maio deste ano, suas chances de vencer
são mínimas, tanto por sua idade – completou 76 anos em 29 de novembro – quanto por sua baixa
popularidade. Durante sua presidência, a França sofreu para cumprir seus compromissos de redução
de emissões de gases causadores do efeito estufa no contexto do Protocolo de Kyoto, ou de
redução de nitratos nas fontes de água, segundo as normas da União Européia. Alguns analistas
consideram que as organizações ambientais internacionais, entre elas o Pnuma, trabalham bem
e precisam somente de um apoio decidido das instâncias políticas, especialmente nos países
industrializados, com a França.
Porém, alguns grupos de ativistas discordam. “A ONU não conta com uma agência especializada
no tema. O Pnuma é apenas um organismo intermediário, sem meios financeiros nem capacidade
normativa”, disse ao Terramérica Susan George, presidente do Instituto Transnacional, um grupo
contrário à globalização. “O mundo precisa de uma instituição internacional sólida, legítima e
democrática, para impedir as guerras pelas fontes de energia, a privatização e a degradação
ambiental alarmante”, acrescentou. Fontes do Pnuma contatadas pelo Terramérica em Paris
declinaram de opinar sobre a proposta de Chirac.
Para Susan George, “mais cedo ou mais tarde, uma organização mundial para o meio ambiente
virá à luz do dia. No plano internacional, as competências ambientais são muito dispersas e
débeis, o que faz com que o sistema de controle atual seja incoerente, sem uma visão global,
fragmentado e opaco, sem autoridade nem legitimidade. Administrado por todo o mundo, na
realidade o ambiente não está protegido por ninguém”, concluiu a ativista.
(Por Julio Godoy, Terramérica, 08/01/2007)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=26482&edt=1