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2007-01-08
As empresas brasileiras sabem que a proibição do uso do amianto é uma tendência mundial e buscam apenas prolongar os lucros sobre o investimento já feito. A afirmação é da auditora fiscal Fernanda Giannasi, do Ministério do Trabalho e Emprego, em entrevista à Agência Brasil.

Fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrae), ela diz que no caso dos trabalhadores do setor que são fumantes a chance de contrair doenças como câncer de pulmão ou asbestose aumenta em 57 vezes se comparados aos demais.

Agência Brasil: A senhora tem na proibição do amianto uma bandeira. Que males ele causa?
Fernanda Giannasi: O amianto é um agente reconhecidamente cancerígeno. Isso já é definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A poeira proveniente desse mineral, quando inalada e se alojando no pulmão, pode levar a um processo de fibrose pulmonar e câncer de pulmão. Também pode ocorrer o besotelioma de pleura, um tumor muito agressivo que acomete aqueles que tiveram exposição não necessariamente longa nem intensa. Não há um limite abaixo do qual possa se garantir que as pessoas expostas não vão adquirir algum tipo de adoecimento.

ABr: Poderíamos comparar a agressividade do amianto contra o pulmão de uma pessoa, por exemplo, ao uso do cigarro?
Giannasi: Ambos são agentes patogênicos e, juntos, tem um efeito potencializado. Quem fuma e se expõe ao amianto pode ter o risco de câncer aumentado em 57 vezes em relação àquele que não faz nenhuma das coisas. Comparando à quantidade de fumantes não podemos dizer que o número de doentes no Brasil é o mesmo. Mas até aqueles que não têm contato direto podem vir a ter as doenças do amianto, malcomparando com o fumante passivo. De uma certa maneira, as pessoas que tem o hábito de fumar sabem dos riscos e optam por conviver com o risco. Já em relação ao amianto não. Isso é imposto no ambiente de trabalho ou ao consumidor, que nem sequer sabe dos possíveis danos.

ABr: Quantos brasileiros estão expostos à possibilidade de se contaminar?
Giannasi: A indústria, em suas campanhas publicitárias, diz que há 200 mil empregos gerados pela cadeia produtiva do amianto. Se os multiplicarmos por cinco membros da família, podemos dizer que há 1 milhão de pessoas exposto ao amianto por conta da exposição relacionada ao trabalho. E há também uma exposição indireta, aquela do consumidor de produtos à base de amianto e, neste caso, não temos hoje como dimensionar, até mesmo por conta do uso intensivo do amianto que se deu no Brasil a partir da década de 70, quando 90% das caixas d’água das residências eram fabricadas com amianto e 70% das habitações foram cobertas com telhas de fibra cimento ou cimento amianto. Então, podemos imaginar que a população exposta é algo de muitos milhões de pessoas.

ABr: A polêmica de governo e organizações não-governamentais com empresas de extração de amianto e revendedoras de produtos manufaturados que levam o mineral vem de longa data...
Giannasi: É verdade. Aqui no Brasil estamos, pelo menos há 20 anos, numa luta para a redução gradual até a proibição total do uso do amianto. É uma luta muito difícil porque há muitos interesses em jogo e o Brasil é um dos maiores produtores de amianto do mundo. A questão que está prevalecendo ainda no debate é a econômica. O estado de Goiás, por exemplo, é um estado que depende economicamente dessa exploração mineral.

ABr: Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em caráter liminar, foi favorável às indústrias contra decisão do Ministério da Saúde de exigir o repasse ao Sistema Único de Saúde (SUS) a listagem de trabalhadores e outros que já foram expostos ao amianto. Como a senhora avalia essa decisão?
Giannasi: Na verdade, há precedentes. O próprio Supremo Tribunal Federal revogou a lei de banimento [do uso do mineral] nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, há tentativas de se derrubar leis que baniram o amianto em outros estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Quer dizer, o Judiciário, além de não acompanhar devidamente o debate, não promove a justiça ambiental. Essas leis estão sendo questionadas com pareceres desfavoráveis à população, aos que lutam pela vida e pela saúde pública. Nós tivemos agora esta decisão, mesmo em caráter liminar, que suspende a eficácia da portaria que dá conhecimento público sobre os agravos promovidos pelo amianto, quer saber onde estão os doentes e como estão sendo tratados. Com isso, o debate no Brasil fica com a perna quebrada. Porque, toda vez que nós estamos falando da necessidade da proibição, alguém diz: “mas onde estão os doentes?” Aguardamos mais de dez anos por essa portaria do ministério.

ABr: Quantos processos correm na Justiça sobre a questão?
Giannasi: Nós temos conhecimento de 4 mil vítimas do amianto só em duas grandes empresas: a Brasilit e a Eternit. São casos já diagnosticados e que estão na Justiça de uma alguma maneira. Infelizmente o nosso Poder Judiciário, com sua morosidade costumeira, faz com que a vítima morra, porque são decisões que estão levando mais de dez anos. Em geral, os prognósticos das doenças por contaminação de amianto são ruins, as pessoas morrem no máximo três anos após o diagnóstico. Também são ações que não indenizam adequadamente as vítimas para que tenham acesso a um bom tratamento e minimizem o sofrimento, já que elas não têm cura. Até isso o Judiciário tem negado.

ABr: As indústrias que trabalham com amianto no país alegam que o Brasil tem hoje o sistema mais avançado de controle sobre a possibilidade de contaminação. Isso procede?
Giannasi: Vou falar pela minha experiência como auditora fiscal do Ministério do Trabalho há 24 anos. Também gerencio o Projeto do Amianto no estado de São Paulo. Só para termos uma idéia: de 216 empresas que declararam utilizar amianto em nosso país, 180 estão no estado. Há algumas poucas indústrias que investiram e que puseram sistemas de exaustão, mas isso não garante que os trabalhadores não venham a adoecer. Primeiro, porque não há limite seguro para o ambiente. Segundo, são doenças de grande latência: numa linguagem popular, ficam incubadas por 30, 40 até 50 anos. Então essas medidas que as empresas adotaram, principalmente após as nossas fiscalizações nos anos 80 e 90, só vamos saber se realmente têm alguma eficiência daqui a 20 ou 30 anos. As empresas sabem que em todo o mundo o amianto está sendo banido. Já são 45 países que proibiram. A indústria brasileira sabe que é uma questão de tempo, está tentando ganhar um pouquinho mais sobre os investimentos realizados.

ABr: Quais são os primeiros sintomas das doenças causadas pelo amianto?
Giannasi: Em geral, no caso da asbestose, que é uma doença pulmonar, como a silicose, fazendo um paralelo, é a falta de ar. O trabalhador começa a sentir suas forças minimizadas. Em geral os sintomas são tosse, falta de ar, cansaço excessivo e perda de peso. Já para os casos malignos, em geral o primeiro sintoma é o derrame pleural. Quando a pessoa dá entrada no hospital com derrame pleural, a primeira pesquisa que se faz é a causa do derrame, se há um tumor. Sendo maligno, vão constatar se é um câncer de pulmão que causou aquele tipo de doença.

ABr: Que conselho a senhora daria às pessoas indiretamente afetadas?
Giannasi: Em primeiro lugar, aqueles que já tem isso instalado como um telhado sem qualquer forro ou proteção, evitar varrê-lo. Procurar instalar um forro, alguma proteção que evite que aquele farelo caia das telhas, principalmente com a umidade e o bolor. O mesmo cuidado com a caixa d’água. Se ela estiver muito danificada procurar substituí-la; evitar usar escova de aço na limpeza e, principalmente produtos agressivos, como a água sanitária. Deve-se tampar a caixa d’água para evitar que ela se suje muito. O ideal, com o tempo, é substituí-la. Nós estamos, com a prefeitura de São Paulo, fazendo uma campanha de esclarecimento junto à população. Essa campanha, Amianto Mata, está no site da Abrea.

ABr: Muita gente, principalmente no interior, quando derruba alguma construção, aproveita o entulho para tapar buracos de estradas, utilizar no aterramento de outras construções. Outros jogam em qualquer lugar. Tendo pedaços de telhas de amianto, esses entulhos trazem algum risco?
Giannasi: Quando mexemos com esse material, especialmente a seco, geramos poeira. Nela temos as fibras cancerígenas, que no caso mais grave são tão pequenas que não enxergamos. O Ministério do Meio Ambiente, por meio do Conselho Nacional de Meio Ambiente [Conama], já baixou uma resolução, a de número 348, que classifica esse resíduo como perigoso e determina que não seja reutilizado. Espero que a Justiça não cometa a injustiça de revogá-la.
(Por Marcos Chagas, Agência Brasil, 07/01/2007)
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/01/07/materia.2007-01-07.1919909507/view

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