Retrospectiva: Os fatos que marcaram a conservação da natureza em 2006
2007-01-05
A Fundação Boticário de Proteção à Natureza (FBPN) destaca fatos importantes
para a conservação da natureza brasileira ocorridos em 2006, a partir de
depoimentos de representantes do governo e de organizações
não-governamentais, de profissionais e de empresários.
O Brasil foi palco de evento mundial sobre meio ambiente, em 2006. No mês de
março, a cidade de Curitiba (PR) sediou a 8ª Conferência das Partes (COP 8)
da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). “Esse foi o maior evento
ambiental do ano”, destaca o empresário do Ceará Roberto Macêdo.
Para o gerente do Programa Nacional de Conservação da Biodiversidade do
Ministério do Meio Ambiente (MMA), Bráulio Dias, a COP 8 foi importante por
envolver representantes oficiais dos 188 países membros da CDB e diferentes
setores da sociedade na discussão sobre conservação da natureza. Um dos
principais temas abordados foi a acelerada perda de biodiversidade que o
mundo enfrenta, a mais grave desde as últimas cinco décadas, conforme
relatório divulgado durante o evento.
O relatório indica o estabelecimento de áreas protegidas como uma estratégia
fundamental para controlar a ameaça aos ecossistemas e espécies. Em 2006, o
governo federal criou 22 novas unidades de conservação no Brasil, como o
Parque Nacional dos Campos Amazônicos, nos estados do Amazonas, Mato Grosso
e Rondônia; e o Parque Nacional do Juruena, nos estados do Amazonas e Mato
Grosso. Este último foi criado numa das regiões de maior pressão de
madeireiras e produtores de soja do Brasil, o que é considerado uma vitória
por especialistas em áreas protegidas.
Na esfera estadual, o governo do Pará criou sete unidades de conservação,
que somam 15 milhões de hectares. “Este foi o maior ato de criação
simultânea de unidades de conservação no mundo, o que elevou em quase quatro
por cento a porção protegida da Amazônia”, comemora o pesquisador sênior do
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Adalberto
Veríssimo.
Duas dessas áreas são de proteção integral: Reserva Biológica Maicuru, com
1,2 milhão de hectare, e a Estação Ecológica do Grão-Pará, com 4,3 milhões
de hectares. Esta última é a maior unidade de conservação em floresta
tropical do mundo. As outras cinco áreas criadas são de uso sustentável –
quatro florestas estaduais e uma área de proteção ambiental.
A ampliação de unidades de conservação na Amazônia também foi um dos pontos
destacados pelo gerente do Programa Nacional de Conservação da
Biodiversidade do MMA. Dias admite, porém, que os outros biomas precisam de
um esforço maior: “A meta do governo federal é proteger, até o ano de 2010,
ao menos dez por cento de todos os biomas”.
“Um esforço maior deve ser feito para a zona costeira”, afirma Dias. Apenas
0,5% da superfície marinha mundial e 0,39% da nacional têm algum tipo de
proteção. O consultor ambiental Fábio Olmos defende também uma visão mais
conservacionista dos recursos pesqueiros: “Peixe deve ser encarado como
fauna – e não apenas como recurso – e ter manejo conservacionista”. Segundo
a Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), 80% da
biomassa marinha já foi capturada e os 20% restantes continuam a ser
explorados. “Várias espécies já declinaram em 90% e a pesca no Brasil nem
passa pelo licenciamento ambiental”, acrescenta Olmos.
Incentivos para a conservação da natureza
O Brasil ocupa a quarta posição na lista dos maiores poluidores do planeta.
Dados recentes do Ministério da Ciência e Tecnologia apontam que três
quatros das emissões brasileiras de gases do efeito estufa são resultado do
desmatamento da Amazônia. O bioma perdeu mais de 17% de cobertura florestal
original, principalmente nos últimos 50 anos. Uma das causas é a conversão
de áreas naturais para o plantio de soja.
O gerente do Programa Nacional de Conservação da Biodiversidade do
Ministério do MMA aponta como um dos fatos de destaque em 2006 a redução do
desmatamento na Amazônia entre agosto de 2005 e agosto de 2006, em relação
ao período anterior (2004-2005). Essa opinião é compartilhada pelo diretor
de Fauna e Recursos Pesqueiros do Ibama, Rômulo Mello. “Agora, precisamos
estabelecer políticas para consolidar a redução e assegurar uma taxa ainda
mais baixa”, diz Mello.
Olmos ressalta a necessidade de existirem instrumentos econômicos para
reduzir o desmatamento, juntamente com a fiscalização e criação de unidades
de conservação. “É muito claro que o ‘incentivo’ econômico – inclusive o
governamental – está por trás do desmatamento. Repensar esses incentivos é
uma ferramenta para reduzir o desmatamento”, afirma Olmos.
A jornalista ambiental e editora da Revista Terra da Gente, Liana John,
considera negativa a postura do Governo Federal. “O objetivo é alcançar o
crescimento econômico a qualquer custo, sem calcular os danos ambientais.
Isso deixa para 2007 uma preocupação muito grande”, diz John. A meta do
governo é alcançar crescimento de cinco por cento, mas o previsto está entre
dois e três por cento. A jornalista acredita que, para atingir a projeção
inicial, o governo vai abrir mão da conservação.
Entretanto, “crescimento econômico não é necessariamente sinônimo de
desenvolvimento”, adverte o diretor executivo da ONG Sociedade de Pesquisa
em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges. Ele ressalta
que é preciso considerar que a conservação da natureza é um desafio social
sério e cita como exemplo negativo o Paraná. O estado ocupa a terceira
posição no ranking dos que mais devastaram percentualmente a Mata Atlântica
entre os anos de 2000 e 2005, segundo o Atlas dos Remanescentes Florestais
de Mata Atlântica, divulgado em dezembro. O Atlas mostra que 77% do total de
vegetação nativa suprimida no período pesquisado está concentrado em
territórios paranaense e catarinense.
O diretor executivo da SPVS considera que o desmatamento de Mata Atlântica
paranaense é resultado de uma somatória de políticas e estratégias que
negligenciaram a importância da conservação da biodiversidade. “Os
governantes devem ter respeito pela sociedade e esta deve se indignar mais”,
diz Borges.
John acredita ser necessário esforço por parte dos pesquisadores, dos
ambientalistas e da mídia para informar a população sobre o significado
dessa postura dos governos e os riscos à conservação. De acordo com um
levantamento da World Wildlife Fund (WWF-Brasil) encomendado ao Ibope e
divulgado em dezembro, 64% das pessoas acreditam ser possível conciliar
desenvolvimento com proteção dos recursos naturais; apenas 10% disseram
acreditar que é impossível crescer sem degradar. A maioria (62%) dos
entrevistados considera que o que realmente trava o desenvolvimento é a
corrupção. Também foram mencionados os “entraves” dos juros e da burocracia;
em último lugar, está a restrição ambiental, com sete por cento.
Outro fato positivo de 2006 foi a aprovação, em dezembro, da Lei da Mata
Atlântica (Projeto de Lei nº 3.285), que cria regras para a preservação e o
uso sustentável deste bioma. “Foram 14 anos para discutir uma lei que só
deveria reforçar um decreto já em vigor”, diz John. Olmos afirma que, com a
lei, há expectativa que surjam mecanismos financeiros que tornem mais
interessante aos proprietários de terras conservar suas porções de áreas
naturais em vez de destruí-las para fins comerciais. “Também é um
instrumento mais forte para evitar assentamentos de sem-terra em
remanescentes florestais”, diz Olmos.
(Fundação O Boticário/Envolverde, 03/01/2007)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=26289&edt=2