Plano energético da União Européia prevê redução radical de emissões de poluentes
2007-01-04
A Comissão Européia desenvolveu um plano de política energética para os próximos anos. Entre os seus pontos principais estão ambiciosas metas referentes à proteção climática, à promoção de maior concorrência nos mercados de energia e a uma possível reabilitação da energia nuclear, que não emite gases poluentes. O documento produzido pela Comissão Européia traz o título direto: "Uma Política de Energia para a Europa". A palavra "Confidencial" está estampada em cada uma das suas 25 páginas.
Existem bons motivos para isso. Um pequeno grupo de especialistas na sede da União Européia, em Bruxelas, passou meses desenvolvendo aquilo que é um verdadeiro plano mestre para a futura política energética da Europa. O documento preconiza medidas bastante específicas no que diz respeito à política de proteção climática, à segurança energética e à criação de um sistema competitivo e funcional nos mercados de eletricidade e gás natural do continente.
Por mais discreto que esse documento possa parecer, ele poderá modificar fundamentalmente o suprimento de energia para a Europa. A comissão chegou ao ponto de caracterizar o seu plano como o marco do alvorecer de uma "nova revolução industrial".
Um "Grupo de Alto Nível" ainda está trabalhando febrilmente nos ajustes dos últimos detalhes do conceito abrangente que o presidente da comissão, José Manuel Barroso, pretende divulgar em 10 de janeiro de 2007. Mas, deixando de lado os detalhes, já está claro que as companhias européias de energia podem esperar mudanças que estão vindo em sua direção em uma escala sem precedentes. Especialmente o mercado alemão e as suas quatro empresas dominantes do setor energético enfrentarão desafios imensos com sérias conseqüências para os investimentos, os preços da energia e a confiabilidade do suprimento de energia.
Especificamente, a Comissão Européia pretende:
a. Expandir drasticamente as metas de proteção climática. Superando os níveis superiores estabelecidos pelos atuais acordos, o plano prevê uma redução de 35% das emissões na União Européia até 2035, e de 50% até 2050.
b. Promover as energias renováveis, que responderiam por até 20% do consumo primário de energia na União Européia até 2020, com um aumento de 10% do consumo dos biocombustíveis.
c. Implementar um sistema de mercado aberto de comércio de eletricidade e gás, que possibilitaria que os consumidores individuais selecionassem os seus próprios fornecedores no âmbito da União Européia.
d. Encorajar as grandes companhias distribuidoras de energia a vender as suas amplas redes de eletricidade e gás natural, garantindo dessa maneira uma competição efetiva.
A data para ratificação final desse conceito é março de 2007, durante o encontro de cúpula dos chefes de Estado da União Européia - sob a liderança da chanceler alemã Angela Merkel, depois que a Alemanha assumir a rotação da presidência da União Européia.
Isso coloca Merkel em uma posição difícil. Por um lado, ela deixou claro que a proteção climática será uma das metas da sua presidência da União Européia. Por outro, as propostas da comissão de Barroso terão um impacto especialmente forte sobre a indústria alemã.
Práticas dúbias
De acordo com documento interno de 1º de dezembro, grandes companhias distribuidoras como as alemãs RWE e E.on e a sueca Vattenfall teriam que vender as suas redes de eletricidade e gás natural, que valem bilhões de euros. Neelie Kroes, o Comissário Europeu para Questões de Competição, acredita que os novos atores no mercado só serão capazes de se estabelecer caso haja uma separação nítida entre a produção e a distribuição de energia através da malha energética. A fim de embasar a sua teoria, Kroes passou meses coletando evidências de práticas competitivas questionáveis por parte dos gigantes de energia da Europa.
A comissão pretende ainda eliminar gargalos artificiais no suprimento de energia entre os respectivos Estados membros, investindo pesadamente em redes que atravessam fronteiras internacionais. No passado, empresas monopolistas foram capazes de restringir o comércio de eletricidade e gás entre diferentes países ao manter diminuta dimensão das linhas de produção de energia elétrica e de gás, impedindo efetivamente que os competidores estrangeiros tivessem acesso aos mercados domésticos.
Uma agência reguladora da União Européia com poderes extensos monitoraria o novo sistema, garantindo que os preços da energia se baseassem na oferta e na demanda, e que os governos nacionais fossem impedidos de intervir.
As conseqüências desta parte do plano energético da União Européia seriam vastas, especialmente para a Alemanha. Enquanto a maior parte dos outros países da União Européia, tais como o Reino Unido, separaram as redes de distribuição das usinas de produção há muitos anos, as grandes companhias de energia ainda controlam as dispendiosas redes de distribuição de eletricidade da Alemanha.
Na Alemanha, a Agência da Rede Federal, com sede em Bonn, atualmente garante que os oligopólios não se aproveitem de suas posições de poder para lançarem mão de práticas competitivas injustas. Mas se o novo plano da União Européia se materializar, todo o sistema da Alemanha terá que ser modificado.
Partindo para a briga
Já está claro que as principais empresas de energia elétrica não aceitarão tais mudanças radicais sem partir para a briga. Faz semanas que elas vêm advertindo o governo alemão que uma ordem governamental no sentido de venderem o seu patrimônio na área de distribuição beiraria à inconstitucionalidade. A indústria deixou bem claro que combaterá tais medidas com "todos os meios" à sua disposição.
Merkel sentiu um gosto da ira das companhias energéticas na semana passada, quando elas e outras empresas alemãs bombardearam a chancelaria com cartas de linguagem dura protestando contra os planos de Bruxelas no sentido de exigir que a economia alemã reduza a sua meta anual de emissão de CO2 em 12 milhões de toneladas. A comissão determinou que as emissões da Alemanha no período 2008-2012 não poderão exceder 453 milhões de toneladas por ano, contra a proposta de Berlim de um máximo de 465 milhões de toneladas.
A despeito da indignação da indústria, essa redução é ridiculamente pequena quando comparada às metas da Comissão Européia para os anos vindouros, segundo o novo plano de energia. De acordo com o documento interno, a União Européia assumiria "um papel de liderança global na proteção climática" e no "desenvolvimento e uso de tecnologias energéticas eficientes". Em termos concretos, isso possibilita uma redução de 35% das reduções de CO2 em relação aos níveis de 1990 até 2035, e de 50% até 2050.
Isso excede em muito os patamares solicitados segundo os atuais acordos, e tais números seriam praticamente impossíveis de serem alcançados sem uma intervenção maciça no sistema existente - e sem aumentos de preços.
Uma ameaça à recuperação econômica?
Em uma carta dirigida ao presidente da comissão no final de novembro, Günter Verheugen, o comissário alemão de Indústrias e Negócios na União Européia, advertiu que as metas do novo plano poderiam ser muito ambiciosas, porque poderiam provocar um aumento de até 10% do preço da eletricidade na União Européia, com efeitos potencialmente adversos para a incipiente recuperação econômica do continente.
Muita coisa está em jogo, especialmente para os segmentos industriais que usam muita energia e para as companhias de eletricidade da Europa. Caso a vontade da comissão prevalecer, o preço cada vez maior dos certificados de CO2, segundo o esquema de comércio de direitos de emissão na União Européia, obrigariam as empresas de fornecimento de eletricidade a atualizar as suas antigas usinas de produção de energia elétrica movidas a carvão. Além disso, o plano prevê que só se concedam aprovações para a construção de novas usinas àquelas empresas com emissões zero do CO2, o gás que prejudica o clima global. A regulamentação se aplicaria até mesmo a usinas à base de gás e de carvão.
As metas do plano não são menos ambiciosas quando se trata da expansão das unidades baseadas em fontes de energias renováveis, como, por exemplo, a solar, a eólica e a biomassa, preconizando um aumento da fatia dessas fontes no mercado de consumo de energia primária do nível atual, que é de 7%, para 20% até 2020. Exigir-se-ia até mesmo que as companhias de eletricidade incrementassem o seu quociente de energia renovável para 34%. Como comparação, a comissão calcula que atualmente a Alemanha, com as suas várias turbinas eólicas, mal consegue atingir um quociente de 6% de energia renovável, o que já coloca o país entre os líderes europeus no uso de energias que não agridem o meio-ambiente.
Uma oportunidade econômica?
De acordo com o documento da comissão, o custo anual de uma mudança do sistema para atender às especificações seria de cerca de 18 bilhões de euros. Por mais impressionante que seja essa cifra, as autoridades da União Européia em Bruxelas estão convencidas de que esse seria um dinheiro bem empregado. Uma expansão em grande escala das unidades baseadas em energias renováveis possibilitaria à indústria européia reduzir a sua dependência das cada vez mais caras importações de petróleo. Ao mesmo tempo, os manufatores europeus de equipamentos dessa área poderiam enxergar oportunidades crescentes para vender com sucesso as suas novas tecnologias no mercado global.
Mas até mesmo essas medidas não seriam suficientes para que se alcançassem as metas climáticas estabelecidas para si própria, admite a comissão. Para compensar essa deficiência, o plano promoverá a economia de energia e a expansão da energia nuclear. Segundo o documento da comissão, a energia nuclear é um meio relativamente barato e pouco poluente de geração de energia elétrica, e por esse motivo seria difícil abrir mão das usinas nucleares, especialmente ao se ter em mente a meta de proteção do clima.
Embora a comissão pretenda deixar a cargo de cada Estado membro a decisão quanto a abandonar ou não essa fonte polêmica de energia, os países teriam que garantir que quando desativassem as suas usinas nucleares estas seriam substituídas por alternativas que não emitissem gases poluentes.
As companhias elétricas alemãs já se prepararam para esse cenário. Seguindo a iniciativa precursora da E.on na Grã-Bretanha, no futuro elas pretendem investir mais pesadamente em usinas nucleares no exterior. Essas empresas acreditam que tão logo o mercado energético da União Européia se torne totalmente desregulamentado, elas serão capazes de vender a eletricidade gerada por usinas nucleares no exterior aos seus clientes alemães. Como este é um cenário que não colide com a decisão do governo alemão de abandonar completamente a energia nuclear, nos próximos meses e semanas provavelmente haverá intensa discussões sobre o plano Barroso.
Em uma reunião dos chefes de Estado europeus duas semanas atrás, a chanceler Merkel indicou que não está disposta a aceitar na sua totalidade o conceito energético da União Européia. "Essas são questões delicadas, que giram em torno de fortes representações de interesses - também para a Alemanha", declarou Merkel.
(Por Frank Dohmen, Der Spiegel, 03/01/2007)
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