A aprovação da lei que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico foi apenas o início de um processo, possivelmente longo, de montagem da estrutura regulatória do setor. A nova lei federal, que aguarda sanção do Presidente da República, demandará mudanças legais e providências também de Estados e Municípios. Uma das principais é a criação e designação de agências reguladoras para fiscalizar os serviços e autorizar reajustes e revisões de tarifa com base em normas contratuais. Já existem algumas em funcionamento, mas a estrutura atual ainda é incipiente.
O texto aprovado pelo Congresso exige que todo o serviço de saneamento seja regulado e fiscalizado por orgão técnico com independência decisória e autonomia administrativa e financeira. Não importa se o prestador contratado pelo município é uma empresa privada ou uma companhia estatal. A vigilância do cumprimento dos contratos e planos de saneamento por orgãos em tese livres de pressão política é um dos pilares da lei, lembra o presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Carlos Henrique da Cruz Lima.
A exigência aplica-se inclusive a serviços prestados pelos próprios orgãos municipais, no caso de municípios que preferem não os delegar. Delegando ou não, todo o ente público titular dos serviços - que pode ser o Estado em regiões metropolitanas - terá que atribuir a fiscalização e a regulação infralegal a uma agência reguladora que seja criada para tal finalidade ou a alguma já existente, de sua escolha.
O superintendente-executivo da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Walder Suriani, diz que a maioria dos 5.562 municípios brasileiros não tem condições nem financeiras nem técnicas de criar e manter agências reguladoras próprias. Como a lei permite, por uma questão de custo, a tendência das prefeituras será entregar a tarefa a agências estaduais ou regionais, criadas por Estados ou por consórcios de municípios, acredita Suriani.
Já existem, no país, agências reguladoras de serviços de saneamento. Mas, como elas não estão presentes em todas as unidades da Federação, novas ainda deverão surgir. Das já existentes, a maioria foi criada pelos Estados, antecipando-se ao marco regulatório. São elas a Arce, do Ceará, a Arpe, de Pernambuco, a Agesan, de Tocantins, a AGR, de Goiás, a Agergs, do Rio Grande do Sul, e a Adasa, do Distrito Federal. As seis fiscalizam as respectivas companhias estatais de água e esgoto.
Há ainda duas agências estaduais que fiscalizam prestadoras privadas. Uma é a Arsam, que fiscaliza a Águas do Amazonas, abastecedora da capital Manaus. A outra é a Agenersa, do Rio de Janeiro, que fiscaliza a Prolagos e a Juturnaíba. A primeira empresa abastece cidades da Região dos Lagos, no norte fluminense, e a segunda, Saquarema, Araruama e Silva Jardim. A companhia estadual Cedae, que distribuiu água a parte da população do Rio, não é atualmente submetida a nenhuma agência reguladora.
Walder Suriani, da Aesbe, destaca que alguns outros Estados já possuem agências com competência legal para regular saneamento, mas que ainda não o fazem, pois, por enquanto, só cuidam de outros serviços. É o caso de Alagoas, com a Arsal, da Paraíba, com a ARPB, de Mato Grosso do Sul, com a Agepan, e do Pará, com a Arcon.
A lei aprovada permite tanto agências estaduais fiscalizando serviços locais quanto agências locais fiscalizando empresas estaduais ou regionais. Um exemplo já em funcionamento desse segundo arranjo de estrutura regulatória é a Arsban, do município de Natal, agência encarregada da regulação e fiscalização, no âmbito da capital, dos serviços prestados pela Caern, companhia pertencente ao Estado do Rio Grande do Norte.
Em Campo Grande (MS), Cachoeiro do Itapemirim (ES) e Joinville (SC), também foram criadas agências municipais - respectivamente ARCG, Agersa e Amae - , mas em função de operadores locais.
Os contratos que forem firmados ou renovados a partir da entrada em vigor do novo marco regulatório entre os municípios e as empresas prestadoras de serviço se sujeitam, sem dúvida, à exigência de fiscalização e regulação de tarifas por agência reguladora independente. Mas há controvérsias sobre como fica a situação naqueles municípios cujos contratos ainda estão longe de vencer.
"Não há norma de transição prevista, o que pode gerar dúvidas sobre prazos de implementação e implicações sobre situações contratuais já existentes", alerta o superintendente da Aesbe.
Carlos Henrique da Cruz Lima, presidente da Abcon, acha que a estruturação e designação de agências reguladoras onde elas ainda não atuam deve ocorrer o mais rápido possível. Principalmente onde há contratos precários com companhias estaduais, "esse será um clamor da sociedade". Na sua opinião, os contratos podem ser adaptados para prever a atuação das agências, sem que necessariamente se alterem demais normas pactuadas.
Diferente dele pensa Ricardo Simões, diretor financeiro da Copasa, companhia de saneamento controlada pelo Estado de Minas Gerais. "Não há razão para fazer qualquer alteração nos contratos", diz Simões. Para ele, o fato de não haver intervenção de agência reguladora não significa que não haverá fiscalização do cumprimento dos contratos por ambas as partes.
A Abcon quer pressa na montagem da estrutura de regulação, pois entende que isso é fundamental para criar um ambiente mais seguro a expansão dos investimentos privados em saneamento. As operadoras privadas detêm, atualmente, 65 concessões para abastecimento d'água e coleta de esgoto em cerca de 80 municípios, o que representa 5% do mercado atendido. A Abcon estima que essa fatia possa chegar a 30% na medida em que a nova e mais forte estrutura regulatória for implementada.
Uma parte desse crescimento será buscada em municípios que ainda não delegam os serviços. Mas também haverá disputa de espaço com as companhias estaduais, hoje presentes em aproximadamente 3,9 mil municípios do país. Cruz Lima lembra que, em cerca de 1,5 mil deles, os contratos com as estatais "já venceram ou vão vencer nos próximos dois ou três anos". Ele espera que parte dessas concessões sejam conquistadas pelas empresas privadas.
(Por Mônica Izaguirre,
Valor Econômico, 29/12/2006)