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2006-12-29
Boa parte do dinheiro doado aos países da Ásia afetados pelo tsunami que há dois anos matou 220 mil pessoas acabou no bolso de particulares, e não em trabalhos de reconstrução, segundo especialistas. “Para onde foi o dinheiro do tsunami?” Foi a manchete do jornal tailandês The Nation no último dia 24. O jornal se referia a uma carta em que sete países ocidentais advertiam o governo de Bangcoc de que a ajuda financeira enviada para ajudar as vítimas da catástrofe natural de 26 de dezembro de 2004 “havia sido roubada”.

Por outro lado, o jornal de Sri Lanka The Island acusou na quarta-feira “elementos corruptos do setor público” de tirar proveito da onda de morte e destruição que assolou este país. “A falta de ações do governo para levar à justiça quem roubou os fundos do tsunami afetou severamente a confiança do público e dos doadores internacionais que responderam ao desesperado chamado de ajuda do Sri Lanka”, afirmou The Island. Por outro lado, advertiu, “a distribuição da ajuda foi seriamente desequilibrada”.

O governo da Índia teve de responder aos questionamentos da organização humanitária ActionAid, que reclamou pela construção de moradias prometida às vítimas. “Nas áreas afetadas pelo tsunami na Índia foram construídos apenas 28% das 98.447 casas necessárias. Nas ilhas de Andaman e Nicobar, onde são necessárias 9.174 moradias, a reconstrução chega a apenas 1%”, disse a ONG. O tsunami, originado por um terremoto com uma magnitude de 9,3 graus na escala Richter debaixo da água diante de Sumatra, arrasou as costas de 11 países do oceano Índico.

A província indonésia de Aceh figurou entre as regiões mais afeadas, com a perda de 165 mil vidas, seguida de Sri Lanka, com mais de 35 mil; o sul da Índia com 12.405; Tailândia com 8.212 e Maldivas com 82 mortes. A resposta do mundo à tragédia foi rápida e generosa. Os US$ 14 bilhões comprometidos superaram as expectativas. Foi o maior pacote de ajuda humanitária da história por uma única catástrofe.

Htoo Chit, que trabalhava com imigrantes birmaneses no litoral da Tailândia, é um bom exemplo entre os ativistas comunitários que conseguiram ajudar a reconstruir seus povoados devastados graças à ajuda internacional. O diretor do não-governamental Comitê Comunitário de Educação em Direitos Humanos e Desenvolvimento disse ter recebido “fundos suficientes” durante o ano posterior ao tsunami para realizar sua difícil tarefa. Cerca de dois mil birmaneses, radicados legal ou ilegalmente na Tailândia, morreram na manhã do dia 26 de dezembro.

“Ajudamos as famílias sobreviventes com apoio imediato. Atendemos suas necessidades de serviços sanitários, moradia de emergência e documentação. Mas desde 2006, necessitamos de mais dinheiro. Recebemos apenas a metade dos US$ 200 mil que nos prometeram para o segundo ano” dos programas de emergência, disse Htoo Chit à IPS. Está diferença entre compromissos e aportes efetivos também ficou evidente com uma operação cujo início estava previsto para meados de 2005, pouco depois da limpeza e preparação dos terrenos destinados a novas moradias.

Um informe publicado na semana passada pelo ex-presidente norte-americano Bill Clinton, na qualidade de enviado especial da Organização das Nações Unidas para atender as vítimas do tsunami, mostra grandes carências. Na Indonésia, onde 141mil moradias ficaram destruídas, foram construídas somente 43.400. No Sri Lanka, 58.384 de 103.836. Na Índia, 27.845 de 99.290. E nas Maldivas, 1.587 de 8.909. Estes números abonam os questionamentos sobre o manejo da ajuda internacional dirigidos aos governos, contratistas com transparentes antecedentes e, inclusive, destacadas organizações humanitárias como Oxfam e Save The Children.

Em meados deste ano, o Movimento Anticorrupção de Aceh fustigou empresas por utilizarem material de má qualidade na construção de casas financiadas por estas duas instituições e exigiu a demolição de 741. A Federação Internacional da Cruz Vermelha e da Meia Lua Vermelha recebeu US$ 2,2 bilhões para ajudar as vítimas do tsunami, mas em dois anos gastou apenas metade desse dinheiro.

A rede de rádio e televisão britânica BBC calculou que da construção de 50 mil moradias pela qual a Cruz Vermelha se comprometeu na Indonésia, Maldivas e Sri Lanka, apenas foram levantadas oito mil até este mês. O pesquisador de Sri Lanka Darini Rajasingham Senanayake, da Associação de Cientistas Sociais de Colombo, alertou que a Cruz Vermelha usou o dinheiro dos doadores mais para financiar uma burocracia de “especialistas internacionais” do que para ajudar as vítimas.

Trata-se de “183 voluntários estrangeiros com escassa experiência técnica, conhecimento sobre a sociedade, a política, a cultura, as línguas locais ou as estruturas sociais (do Sri Lanka), cada um dos quais custa mais de US$ 120 mil”. Mas a Cruz Vermelha, que já participou de programas semelhantes depois de terremotos e outros desastres naturais no Irã, Índia e América Central, tem uma versão diferente. “O programa de moradia no Sri Lanka se completará no próximo ano. Pensar que essas casas podem ser construídas em dois anos é pouco realista”, disse por telefone desde seu escritório em Genebra, Johan Schaar, representante especial da instituição humanitária para a operação.

No segundo aniversário do tsunami, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan, acusou o governo do Sri Lanka e os insurgentes Tigres para a Libertação da Pátria Tamil de escolher a violência para conseguir pontos políticos, enquanto está em vigor um cessar-fogo cada vez mais frágil, em lugar de assumir como prioridade a atenção às vítimas do tsunami.
(Por Marwaan Macan-Markar, IPS, 29/12/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=26215&edt=1

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