O projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, idealizado pela primeira vez no século 19, tem frustrado sucessivamente os governantes brasileiros. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tentou sem sucesso realizar as obras durante todo o seu governo, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou seu primeiro mandato sem conseguir realizar o feito.
A transposição foi o centro de debates durante todo o ano de 2005. Em setembro daquele ano o Ibama concedeu a licença ambiental para o início das obras e desencadeou um dos fatos mais emblemáticos da história do projeto: o bispo da Barra (BA), Dom Luiz Flávio Cappio, iniciou uma greve de fome contra o projeto de transposição que durou 12 dias e só foi interrompida por causa de uma carta do presidente Lula prometendo priorizar a revitalização do rio e o saneamento básico para a região. No final do ano a licitação para as obras foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.
Para o Governo, a obra, avaliada em R$ 4,5 bilhões e com prazo de execução de dois anos, seria “um investimento público enorme e estratégico”, e a promessa de água para milhões de famílias da região nordeste do país. O projeto prevê a construção de dois canais de concreto, num total de 662 quilômetros. O canal Leste, com 220 quilômetros, levará água para Pernambuco e Paraíba. O Norte, com 402 quilômetros, passará pelo Ceará, pela Paraíba, pelo Rio Grande do Norte e por Pernambuco. Porém, os contrários à proposta argumentam que ela beneficiaria apenas os grandes produtores e a monocultura voltada para exportação, com o uso da água para irrigação.
Em 2006, o embate foi travado na esfera judicial. O discurso do governo tornou-se mais ácido, com a promessa de realizar a obra a qualquer custo. Passadas as campanhas eleitorais, dezenas de discussões e reavaliações no projeto, o Velho Chico continua onde está. Acompanhe os passos da transposição em 2006:
JANEIRO
À espera do STF
O Palácio do Planalto espera a palavra do Supremo Tribunal Federal (STF) para começar a transposição do Rio São Francisco. Duas liminares oriundas da Bahia tentam impedir a obra.
Mais de 60% do orçamento do Ministério da Integração para o ano de 2006 são destinados ao projeto de Transposição do Rio São Francisco. Mesmo sabendo das dificuldades burocráticas para iniciar as obras ainda em 2006, por causa da determinação constitucional de que todos os gastos públicos precisam estar empenhados até seis meses antes da eleição de 15 de outubro, o ministro interino da Integração, Pedro Brito, acredita que será iniciada.
O Governo defende que cumpriu a promessa feita a Dom Luiz Cappio, ao abrir o debate em torno do projeto em troca do fim da sua greve de fome, mas afirma que o projeto não foi alterado porque,
segundo o ministro interino “até agora não surgiu nada de interessante que justificasse uma mudança".
No dia 11 de janeiro, o STF
suspende ação judicial que impedia a transposição, atendendo ao pedido de liminar da União. Mas
outras duas liminares impedem o início das obras, então a decisão divulgada pelo governo federal como um avanço para o início das obras, na prática, não representa qualquer ameaça para quem defende a preservação do São Francisco. As ações contestam o estudo de impacto ambiental feito pelo Ibama e os estudos que subsidiaram a autorização de uso do projeto realizada pela ANA.
No dia 18, reúne-se a Comissão Especial criada para analisar a PEC 525/02, que cria um fundo para a revitalização da bacia do São Francisco. O relator-geral da proposta orçamentária para 2006, Carlito Merss
defende mais recursos para revitalização do rio. Segundo ele, as populações dos mais de 500 municípios que integram a bacia do São Francisco vão precisar de obras de saneamento e da recuperação da mata ciliar. O líder do PV, deputado Sarney Filho (PV-MA), lamentou que a proposta orçamentária encaminhada pelo governo destine para a revitalização da bacia do São Francisco apenas R$ 70 milhões, enquanto as obras de transposição terão R$ 800 milhões.
No dia 19, relatório que engloba os orçamentos dos ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente
destina R$ 437,4 milhões à transposição do Rio São Francisco. O valor reservado é inferior ao que consta no projeto de lei orçamentária encaminhado pelo governo, que propôs R$ 867 milhões para a obra. Autor do relatório, o deputado José Chaves (PTB-PE) explica que o corte foi feito porque o cronograma das obras está atrasado devido a problemas de ordem legal. Além dos R$ 437,4 milhões, o projeto de integração receberá R$ 99,4 milhões para ações de revitalização do São Francisco, como reflorestamento de nascentes, controle de erosões na bacia e monitoramento da qualidade da água do rio. O relator também separou R$ 22,2 milhões para o reassentamento das populações afetadas pela transposição.
Estudo divulgado pelo Hadley Centre, da Grã-Bretanha, uma das mais conceituadas instituições de pesquisas do clima no mundo, informa que
as mudanças climáticas colocam dúvidas sobre transposição do Rio São Francisco. Ao contrário da tendência mundial, os estudos para implantação da transposição deram pouca ou nenhuma importância, até agora, para como vai ser o clima na região nas próximas décadas. Segundo o estudo, ao longo do século 21, a descarga fluvial vai intensificar-se em várias regiões, entre elas no Nordeste brasileiro, onde crescerá entre 25% e 150%. A vazão vai diminuir em muitas outras; entre elas, na Amazônia e no Pantanal mato-grossense, onde a redução poderá ser de 25% a 50%.
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FEVEREIRO
OAB rejeita proposta
Reunião da comissão que cria fundo de revitalização do rio São Francisco
termina sem consenso. Os deputados Zezéu Ribeiro (PT-BA) e Marcondes Gadelha (PSB-PB) criticaram a proposta do deputado Júlio Cesar (PFL-PI) de incluir a Bacia do Rio Parnaíba entre os beneficiários do fundo. Também reclamaram da sugestão apresentada pelo deputado José Carlos Machado (PFL-SE) de incluir o Rio Jequitinhonha. Segundo Zezéu e Gadelha, a idéia da PEC é revitalizar o São Francisco; outras bacias hidrográficas, acrescentaram, devem ser contempladas em outras proposições.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifesta-se, no dia 6,
pela rejeição do projeto do governo federal que prevê a transposição das águas do Rio São Francisco. A entidade, segundo nota divulgada por sua assessoria, entende que os canais de transposição atravessam terras indígenas, o que exige a aprovação prévia para início das obras pelo Congresso Nacional.
No dia 8, a
comissão aprova Fundo de Revitalização do São Francisco. A aprovação, unânime, foi possível depois que o deputado Júlio Cesar (PFL-PI) concordou em retirar da pauta proposta que incluía a bacia do rio Parnaíba como beneficiária do fundo. A PEC 524/02 destina R$ 300 milhões por ano ao Fundo de Revitalização da Bacia do Rio São Francisco, com a participação da União, estados e municípios. O objetivo é financiar, durante 20 anos, projetos de reflorestamento das margens do rio, recuperação do leito e combate à erosão e ao assoreamento. Também estão previstas obras de saneamento, tratamento de esgotos e projetos de desenvolvimento sustentável para atender às populações ribeirinhas.
No dia 23, o bispo da Barra, Dom Luiz Flávio Cappio,
protocolou no Palácio do Planalto ofício endereçado a Lula, no qual relembra o encontro de 2005 e afirma que continua esperando "que seja efetivamente realizado amplo e verdadeiro debate" para a busca de "alternativas reais de acesso a água e desenvolvimento para toda a população do semi-árido". O ofício cobrou o cumprimento da promessa de um amplo debate sobre o assunto, feita em 15 de dezembro pelo presidente, e até então nem sequer havia sido definida uma agenda para o debate.
MARÇO
Igrejas cristãs protestam
No dia 30, setenta e seis bispos e pastores de quatro igrejas cristãs diferentes
lançaram um documento com críticas e propostas sobre a questão da terra no Brasil. Um dos pontos do documento, de 15 páginas, é a obra de integração do Rio São Francisco a outras bacias. O texto acusa o governo federal de querer "beneficiar políticos" por meio do projeto. Dom Luis Cappio é um dos 76 bispos que assina o documento que "se posiciona contra a transposição do Rio São Francisco".
ABRIL
Governo prepara-se para a primeira etapa o projeto
Educadores ambientais
propõem criação de rede para o São Francisco, durante o V Congresso Ibero-Americano de Educação Ambiental, em Joinville.
Pedro Britto substitui Ciro Gomes no Ministério da Integração Nacional, que deixou o cargo para disputar as eleições.
Britto diz que até o fim de 2008 a obra será inaugurada. O governo prepara-se para colocar o Batalhão de Engenharia do Exército em ação para começar a primeira etapa do projeto, agora chamado de revitalização e integração de bacias do São Francisco, tão logo o saia a decisão do STF. Segundo Britto, R$ 100 milhões foram repassados para o Ministério da Defesa para a primeira etapa da obra, que consumirá pelo menos seis meses.
Além das ações na Justiça, o governo tem outro problema: a legislação eleitoral proíbe a assinatura de novos contratos a partir de 1º de julho. Portanto, o governo tem menos de três meses para reverter decisões judiciais, retomar o processo licitatório e assinar contratos com as empresas ou consórcios vencedores. Para o ministro da Integração, Pedro Britto, dificilmente os contratos serão assinados antes do início do processo eleitoral.
No dia 19, O presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP),
defendeu mudanças no processo de licenciamento ambiental de obras de infra-estrutura. Segundo ele, as obras devem “ser analisadas somente pelo Procurador da República e com prazo para ele decidir”. Segundo o deputado, em 2003, ele sugeriu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que enviasse um projeto de lei ao Congresso, alterando a legislação ambiental para a liberação de obras de infra-estrutura exatamente nesses dois pontos: o número de órgãos participantes no processo de licenciamento e a definição de prazos para as manifestações desses agentes.
MAIO
MPF pede condenação de dirigentes do Ibama
No dia 2, membros do Fórum de Defesa do Rio São Francisco – formado por mais de 60 entidades - se reuniram para traçar os rumos do movimento e decidir a participação do fórum no debate. Durante a reunião ficou definido que a prioridade de discussão será a criação de um projeto de desenvolvimento para o semi-árido e de revitalização do rio.
No dia 30, o Ministério Público Federal
pede condenação do presidente do Ibama por emitir licença do projeto de transposição. O MPF propôs ação de improbidade administrativa contra Marcus Luiz Barroso Barros, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e Luiz Felipe Kunz Júnior, diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do órgão. Para os procuradores da República Francisco Guilherme Vollstedt Bastos e Ana Paula Mantovani Siqueira, a licença prévia não poderia ter sido emitida, uma vez que a própria equipe técnica do Ibama constatou irregularidades, falhas e distorções no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no Relatório de Impacto Ambiental (Rima), produzidos pelo Ministério da Integração Nacional.
JUNHO
Pescadores denunciam desaparecimento de espécies
Pesquisa de opinião realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) com os participantes da II Conferência Nacional do Meio Ambiente
revela que 12% dos entrevistados consideram a transposição do Rio São Francisco um dos maiores erros do governo federal. Na ocasião foram entrevistados 1.141 delegados da conferência, o que equivale a 86% dos 1.337 delegados presentes ao encontro.
No dia 18, durante o I Encontro de Pescadores e Pescadoras da Bacia do São Francisco, trabalhadores denunciam que
os peixes estão desaparecendo do Velho Chico. De acordo com os pescadores, mais de 100 toneladas de peixe já morreram apenas no trecho que fica no município de Três Marias, Estado do Minas Gerais, em conseqüência da contaminação por produtos tóxicos lançados pelo processamento de zinco da Votorantim Metais. Os pescadores também criticam a construção de barragens, os projetos de fruticultura irrigada, que contribuem, segundo eles, para o agravamento do problema. O documento divulgado após o encontro dos pescadores inclui uma série de reivindicações para barrar o processo de degradação do rio. Entra elas, a suspensão dos projetos de novas barragens e do projeto de transposição de águas, o desenvolvimento de um programa de revitalização da Bacia do São Francisco.
A degradação também é causada pela silvicultura. Segundo denúncia do geógrafo da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, a monocultura de
eucalipto já secou mais de 4 mil nascentes do São Francisco.
Existem
15 ações no Supremo Tribunal Federal que impedem o início das obras. Do total, 14 estão com ministro Sepúlveda Pertence e uma com o ministro Joaquim Barbosa. Ainda não há data para o julgamento dessas ações, mas o assunto agora só poderá voltar à pauta do Supremo depois do recesso de julho do Judiciário. Entre as irregularidades apontadas nas ações estão a falta de estudos sobre a fauna e flora locais, além do desconhecimento do impacto da obra sobre as populações tradicionais.
No primeiro semestre do ano o governo federal não conseguiu aprovar nenhum dos 12 projetos de recuperação e preservação, apresentados de acordo com os planos definidos para a bacia do São Francisco.
JULHO
À espera do julgamento do STF
No dia 3, o ministro da Integração Nacional, Pedro Brito, disse
esperar para agosto o julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), da liminar contrária à integração da Bacia do Rio São Francisco com outras bacias nordestinas. Segundo Brito, o projeto, mais conhecido como transposição, já foi alvo de vinte liminares, todas elas derrubadas pelo STF.
Nove meses depois da promessa feita pelo presidente ao bispo Dom Luiz Cappio, no dia 7, foi realizada a
primeira oficina de trabalho sobre desenvolvimento do Semi-Árido, transposição e revitalização do Rio São Francisco.
No dia 14,
cerca de seis mil romeiros participaram da 29ª Romaria da Terra e das Águas, em Bom Jesus da Lapa, um dos principais centros de peregrinação, localizado na Bahia. As manifestações tiveram como tema central a indagação "São Francisco Vivo. Como evitar a total destruição de um rio agonizante! O que fazer para revitalizá-lo?". Um jovem, representando o santo padroeiro da ecologia e que dá nome ao rio, pronunciou o decreto de preservação do São Francisco, que condena a transposição.
AGOSTO
STF concede liminar contra ambientalistas
No dia 14, o Ibama realizou o
Seminário Nacional de Fiscalização Ambiental Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Ao todo foram apresentadas nove propostas de projetos visando proteger os ecossistemas do entorno da bacia, como caatinga e cerrado, por todo o rio, como alto, médio, sub-médio e baixo São Francisco. Projetos como o “SOS São Francisco”, implementado em Lavras, Minas Gerais, e “Mata Nativa”, executado em Pernambuco, foram apresentados na seqüência, pelos resultados expressivos de revitalização alcançados até o momento.
No dia 15, uma
nova decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) beneficiou a transposição do Rio São Francisco. O ministro Sepúlveda Pertence concedeu liminar suspendendo o andamento do mandado de segurança impetrado pela Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA) na Justiça Federal do Distrito Federal.
SETEMBRO
Começam projetos de revitalização
A revitalização do Baixo São Francisco
começa em municípios de Alagoas e do Sergipe. Com o objetivo de recuperar matas ciliares, melhorar a qualidade da água e conscientizar a população a não despejar esgoto diretamente no rio, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), vinculada ao Ministério da Integração Nacional, iniciou as obras de recuperação nos perímetros irrigados de Cotinguiba/Pindoba e Betume, situados em municípios sergipanos.
No dia 4, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT)
abre inscrições para o recebimento de propostas de financiamento a projetos em apoio ao Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Os recursos estimados chegam a R$ 4,5 milhões, provenientes do Fundo Setorial de Recursos Hídricos (CT-Hidro), Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Integração Nacional.
OUTUBRO
Aniversário do rio: pouco a comemorar
Em 4 de outubro,
Dia de São Francisco e aniversário de 505 anos da descoberta do rio, pouco se tem a comemorar. Suas águas continuam recebendo esgotamento sanitário e industrial em centenas de municípios, suas matas ciliares sofrem com a degradação, a calha está cada vez mais assoreada e as lagoas, locais de reprodução de peixes, estão secando. A decisão sobre o que fazer com o desvio ainda tramita na Agência Nacional de Águas (ANA).
Durante a semana eleitoral, movimentos e organizações sociais da bacia do São Francisco
reúnem mais de 2 mil pessoas em manifestações, protestos e organizam ato pelo aniversário do rio, contra o projeto de transposição e marco de um ano da greve de fome do frei Dom Luiz Cáppio. Os movimentos denunciam que, com a transposição, 70% das águas servirão para irrigação e apenas 4% para distribuição entre a população difusa.
No dia 30,
a Justiça conclui que o Ibama não agiu com improbidade no licenciamento do rio São Francisco. O juiz rejeitou a ação civil pública contra os dirigentes do Ibama que foi proposta pelos Ministério Público Federal (MPF) e os Ministérios Públicos Estaduais (MPE) da Bahia, Pernambuco, Sergipe, Minas Gerais e de Goiás.
NOVEMBRO
Transposição custa caro
No dia 6, o Ministério da Integração Nacional afirmou que
os recursos disponíveis no Plano Plurianual 2004/2007 do governo federal são insuficientes para a revitalização da Bacia do São Francisco. Foram disponibilizados R$ 400 milhões nos ministérios da Integração e Meio Ambiente. Até agora menos da metade foram utilizados, R$ 190 milhões em sua maioria direcionados para ações de saneamento (cerca de 80%).
Governo envia ao Tribunal de Contas da União (TCU)
um novo edital para a transposição, no valor aproximado de R$ 90 milhões, para contratar os projetos executivos das obras e substituir a licitação aberta em 2005 - bem mais ampla, mas suspensa por uma liminar.
Nos últimos dois anos, apesar de a obra não ter saído do papel,
a transposição do Rio São Francisco já custou aos cofres públicos cerca de R$ 466 milhões, de acordo com o Siafi (sistema de acompanhamento dos gastos federais). A maior parte do dinheiro foi paga ao consórcio Logos-Concremat, que venceu licitação para administrar o projeto, a começar pelas licenças ambientais.
Passado o período eleitoral, a
transposição divide governadores eleitos. Em sete Estados da região onde há algum interesse no rio, quatro novos governadores são favoráveis (Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte) e dois são contra (Sergipe e Alagoas). Eleito na Bahia, que seria um dos Estados "doadores" de água no projeto, o petista Jaques Wagner mantém um discurso ambíguo, favorável à "revitalização" do rio, mas sem se opor fortemente ao projeto. No Estado onde o rio nasce, Minas Gerais, o governador reeleito Aécio Neves (PSDB) declara ser contrário à obra.
Relatório do TCU identifica
falhas no Projeto de transposição do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. Segundo auditoria, não há garantias de que o programa atenderá a uma população de nove milhões de pessoas no início da operação e nem de que dará segurança hídrica para as bacias receptoras. Segundo o relatório, a abrangência do programa é incerta, já que ainda não existe infra-estrutura nos Estados para atingir as 12 milhões de pessoas estimadas pelo Ministério da Integração e faltam obras complementares que não estão inseridas no valor do projeto. Também não há garantias de que a redução de custos do governo federal com ações emergenciais de combate à seca no Nordeste será proporcional aos recursos gastos para a implementação do programa.
No dia 24, o Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) aprovou o
lançamento de quatro novos editais para ampliar o projeto de revitalização da Bacia do Rio São Francisco. O primeiro deles será para ações de apoio para que os municípios estruturem as suas secretarias, montem seus conselhos e elaborem seus planos ambientais. O segundo edital será sobre educação ambiental, e o terceiro, sobre a recuperação de matas ciliares na bacia do São Francisco e nas sub-bacias. O quarto edital será voltado para o incentivo na área de gestão integrada de resíduos sólidos.
Entre os dias 21 e 24, durante o sexto encontro bianual da Articulação do Semi-Árido (ASA), 750 organizações
firmam posição contra a decisão do governo federal de levar à frente o projeto de transposição de águas do rio São Francisco.
DEZEMBRO
STF rejeita liminares contrárias à transposição
O ministro da Integração Nacional, Pedro Brito, diz que, se for necessário,
lançará mão de uma Medida Provisória para garantir os recursos necessários à transposição. A declaração foi feita em resposta ao corte de R$ 91 milhões do orçamento de R$ 129,8 milhões destinados ao projeto.
O relator setorial de Integração Nacional e Meio Ambiente, deputado Márcio Reinaldo Moreira (PP-MG),
defendeu os cortes. Ele argumentou que, nos exercícios de 2005 e 2006, só foram utilizados 10% da verba alocada para o projeto.
No dia 12 o STF
suspende o efeito das liminares concedidas que impediam o início das obras de transposição das águas do Rio São Francisco. A decisão do ministro Sepúlveda Pertence permitirá a retomada do projeto. O Ministro rejeitou dez pedidos de liminares feitos pelo Ministério Público, pela Ordem dos Advogados do Brasil e por entidades de defesa do meio ambiente, que alegaram não ser completo o estudo de impacto causado pelo projeto.
O ministro da Integração Nacional
prevê o início das obras para janeiro. Segundo ele, única pendência que resta é a liberação da licença de instalação concedida pelo Instituto de Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O Ministério da Defesa já recebeu os recursos para as obras, cerca de R$ 100 milhões, e o Exército ficará responsável pela construção dos canais de aproximação, tanto na região Leste quanto na Norte, e de duas barragens, que depois receberão os equipamentos de bombeamento de água.
Essa primeira parte da obra, de acordo com o Pedro Britto, deve durar de oito meses a um ano. A previsão é de que em 2007 sejam avaliados os processos licitatórios, enquanto ocorre a obra nos 14 lotes existentes. Quanto ao orçamento, ele enfatizou que serão gastos R$ 4,5 bilhões, parcelados em quatro anos.
No dia 20, a Marina Silva confirmou que o
Ibama retomará análise do projeto de integração do São Francisco. Segundo ela, o próximo passo agora será, por meio do Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), tomar as providências cabíveis no âmbito do processo de licenciamento ambiental que estava impedido pelas liminares. O órgão já havia concedido licença prévia ao projeto, por considerá-lo ambientalmente viável.
O Comitê de Bacia do Rio São Franscisco
planeja reação à cassação de liminares contra projeto de transposição. O vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Luis Carlos Fontes, afirmou que as entidades que possuem uma avaliação negativa da transposição e que defendem outros investimentos prioritários para o rio – por exemplo, para sua revitalização e para obras de saneamento – já começaram a se articular para discutir os impactos da decisão do STF e como reagir a ela.
(Por Francis França, AmbienteJÁ, 28/12/2006)