Desafios 2006-2007: O Mercosul abastecendo a mesa
2006-12-28
Cereais, carnes, frutas, pescados, café, leite, açúcar, mel, sucos e até o bom vinho, tudo fornecido em quantidade e com qualidade pelos países do Mercosul e associados, que continuarão fornecendo apesar – e graças – à elevada e crescente demanda de gigantes como China e Índia. O boom agropecuário no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, os fundadores, em 1991, do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e também seus associados mais antigos, Chile e Bolívia explica-se por suas conhecidas condições naturais, porém, mais pelos investimentos em tecnologia e infra-estrutura e pelas melhorias sanitárias incorporadas nos últimos tempos.
Esse avanço na produção e no valor agregado do setor de alimentos permitiu à região atender com eficácia as exigências de compra em expansão que elevam os preços internacionais. Analistas consultados pela IPS prevêem que, apesar de algumas dificuldades internas, as boas perspectivas da oferta e da demanda se manterão pelo menos nos próximos três anos. Entretanto, alguns aconselham maior investimento e diversificação dos mercados para que o comércio contribua para o desenvolvimento do bloco e dos produtores.
“Nossos países são exportadores de alimentos há séculos por causa de suas vantagens naturais, mas nos últimos cinco anos o desempenho da região foi extraordinário”, destacou à IPS o representante na Argentina do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), Benedito Rosa do Espírito Santo. “A pressão da demanda da China e de seus vizinhos nesses anos foi tão grande que reverteu uma tendência decrescente de preços que se arrastava há uma década. Além disso, mudou a balança de pagamentos a ponto de favorecer o fim do endividamento”, disse o especialista se referindo às políticas aplicadas no Brasil, Argentina e Uruguai, que cancelaram suas dívidas com o Fundo Monetário Internacional.
Espírito Santo entende que a China incorpora mais de 20 milhões de consumidores por ano, e isso garantirá o mercado em crescimento “por muitos anos”. Na região, os que têm mais possibilidades de responder a essa necessidade com um aumento da oferta são Brasil e Argentina, as maiores economias do Mercosul, acrescentou. A Argentina o faz mediante investimentos em infra-estrutura e tecnologia para manufatura de produtos agropecuários, explicou o especialista. Mas também através de uma diversidade maior de oferta, que move as economias do interior do país com a produção de frutas variadas, vinhos, mel, pescado e frutos do mar.
Por sua vez, o Brasil, com mais vantagem para expandir a área semeada do que seus vizinhos, deverá investir em estradas e portos e melhorar a gestão do negócio, afirmou o representante do IICA. Além disso, o País tem a desvantagem de uma taxa de juros não competitiva e uma carga tributária maior do que no restante da região, alertou Espírito Santo. Apesar disso, este ano o Brasil será o maior exportador mundial de carne bovina em volume e dinheiro, e já é líder na venda de carnes suína e de ave, além de produzir em grande escala soja, cana-de-açúcar, sucos e café. Entre 2000 e 2006, as exportações brasileiras passaram de US$ 20 bilhões para US$ 50 bilhões.
O bom desempenho brasileiro se deve “ao aumento da produtividade” por meio de melhor capacitação do agricultor, melhores sementes e melhores técnicas de cultivo, e, ainda, “à expansão da área semeada”, disse à IPS Paulo Molinari, consultor de Safras e Mercados, analista do setor. Mas a respeito da rentabilidade, Molinari admitiu que o setor agropecuário enfrenta uma grave crise devido à valorização do real em relação ao dólar. “É um fator que afeta todos os produtores” voltados à exportação, lamentou. Nesse sentido, os protestos dos atores da área se fizeram ouvir com força este ano nos escritórios dos responsáveis pela política financeira do Brasil. Entretanto, Molinari acredita que o problema “tocou fundo” e que a recuperação pode começar no próximo ano.
Na Argentina, em 2007 a área semeada será a maior de sua história, com plantações de soja, girassol, amendoim, milho, trigo e cevada, entre outros cultivos. As vendas de carne bovina, apesar das restrições governamentais para garantir a demanda interna, colocarão o país no terceiro lugar da lista dos maiores exportadores do mundo. “Os investimentos em máquinas, fertilizantes e em biotecnologia na última década nos permitiram dar um salto de produtividade e começar a fazê-lo em grande escala, com bom manejo empresarial e colheitas cada vez maiores”, disse à IPS Ernesto Ambrosetti, da Sociedade Rural Argentina.
Para este economista da tradicional associação de empresários agropecuários, os bons preços internacionais, embora sem superar as marcas de 1996-1997, estimularam o investimento. Ambrosetti atribui essa alta de valores à sustentada demanda por parte da Ásia. Estas necessidades se manterão pelo lado dos alimentos e do mercado das energias renováveis, previu. Enquanto a indústria da alimentação cresce, diversos produtos do campo também terão um novo destino. O milho servirá para a produção de etanol e o óleo de soja para produzir combustível para motores a diesel. O mesmo destacou o especialista Molinari. O maior uso de combustível alternativo favorecerá as vendas de Brasil, Argentina e Uruguai.
Embora o último panorama da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) indique que os aumentos de preços dos produtos agropecuários, que respondem por um forte desenvolvimento da região, estão desacelerando, os especialistas consultados pela IPS acreditam que o horizonte continua alentador. No Uruguai, a produção agropecuária cresceu 6% este ano, em relação a 2005. A exportação total de carne bovina não tem precedentes por sua magnitude em valor e, além disso, este pequeno país de apenas 3,2 milhões de habitantes se consolidou como o sexto produtor mundial de arroz, com 4% da produção do planeta.
“É um período histórico de bonança por causa de uma conjuntura internacional favorável, com a melhora nos preços por causa do aumento da demanda asiática e pela necessidade de grãos para os combustíveis alternativos”, explicou à IPS Daniela Alfaro, assessora da Associação Rural do Uruguai. Nos últimos quatro anos, o setor agropecuário da menor economia do Mercosul cresceu mais do que nos 30 anos anteriores. Também neste caso, os investimentos em tecnologia, feitos nos últimos anos nos setores lácteo, de carnes, grãos e arroz estão empurrando para cima.
O Paraguai, e em menor medida a Bolívia, continua aumentando suas exportações de soja e outros produtos rurais, embora com limites. É que em La Paz não há vontade política de avançar com um programa de expansão da soja, enquanto o Paraguai está no limite de sua capacidade por falta de investimentos, disse Espírito Santo. Por sua vez, o Chile, livre de problemas sanitários, se destaca por suas colocações de pescados, frutas e vinhos. “É como uma ilha, isso favorece sua competitividade”, afirmou a fonte se referindo à imensa cordilheira dos Andes que separa esse país de seus vizinhos do Mercosul, do qual a Venezuela passou a ser membro pleno.
(Por Marcela Valente, IPS, 27/12/2006)
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