O limite Sul dos mangues extratropicais na costa atlântica começa a dar sinais de morte gradativa. Do Norte de Santa Catarina até a última faixa desse tipo de ecossistema, na região de Laguna, o descaso preocupa estudiosos. O principal problema está na ocupação irregular dessas áreas, consideradas de proteção permanente pela Constituição Federal.
Somente na Ilha de Santa Catarina, os manguesais perderam cerca de 40% de suas extensões nos últimos anos, avalia o doutor em ecologia de ecossistema, Juan Soriano Sierra. A análise toma por base na invasão urbana em bairros como Itacorubi (região central) e Tapera (Sul).
O alerta dos especialistas pretende chamar a atenção e conscientizar para a preservação dos mangues, que, em Florianópolis, mantêm um tamanho equivalente a 1,9 mil campos de futebol.
Professor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Sierra diz que graças aos manguesais as baías da Grande Florianópolis são ricas na diversidade de peixes. Ele lamenta, porém, que as espécies estejam diminuindo por causa do comprometimento das águas por dejetos de todo tipo.
A principal responsável pelo quadro nada alentador é a poluição por coliformes fecais, que aumenta com a expansão imobiliária irregular. Construídas em sua maioria sobre lotes aterrados, residências próximas aos mangues ainda não contam com tratamento de esgoto.
É uma realidade vivida por André Teixeira, 70 anos, que há quase quatro décadas mora na região do Rio Tavares, no Sul de Florianópolis. Ele conta que é impossível abrir valas em seu terreno porque ao cavar pouco mais de meio metro a lama aparece. Assim, a saída é despejar o esgoto diretamente no mangue.
- É uma vergonha acompanhar o crescimento da construção civil, sem conter o domínio da poluição - lamenta ele, mesmo admitindo que integra uma legião de moradores que contribui para a morte gradativa dos mangues.
Degradação atinge Grande Florianópolis
Em outras cidades da Grande Florianópolis, como Palhoça, as áreas de mangue também cedem lugar à ocupação urbana desordenada.
Osvaldo Tinoco, que todos os dias tira um tempo para juntar garrafas de plástico do meio dos mangues de Palhoça, afirma que cerca de 50% da população de Palhoça construiu sua casa em área de preservação.
- Meu pai sempre conta que antigamente os caranguejos apareciam aqui aos montes. Agora raramente eles saem. Os cuidados não são mais os mesmos - avalia.
Para o cartógrafo argentino e doutor em ambientes marinhos, Roque Dalotto, os grandes contrastes entre áreas planas e acidentadas do relevo brasileiro são agravantes para a ocupação dos mangues, a exemplo do ocorre na região de Palhoça.
- O local é um grande exemplo de uma área crítica, onde a região central cresceu para essas áreas - diz Dalloto, professor do curso de engenharia ambiental da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).
De acordo com o especialista, apesar de os mangues não serem tão frágeis quanto pareçam, nada justifica a ocupação e degradação de seu meio, já que é um berçário de procriação de espécies animais, além da biodiversidade que representa.
Preservação não tem regra bem definida
O presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf), Ildo Rosa, diz que os mangues contam com uma área de preservação dominante na Capital. Mas concorda que as autoridades ainda não têm claro qual a definição da extensão a ser preservada.
Rosa estima que até o primeiro semestre de 2007 o Ipuf, em parceria com a UFSC, vai apresentar uma definição técnica em relação as áreas de preservação, seja de mangues ou dunas.
- Sabemos que a cidade se expande para essas áreas - avalia.
Com o documento, muitas áreas já construídas poderão voltar ao poder público, comunica. Cita como exemplo o manguesal do Itacorubi, no Bairro Santa Mônica, região central da Capital. Os proprietário das construções em torno dessa área deverão passar por uma termo de ajustamento de conduta.
- Nos locais de edificações consolidadas em áreas de preservação, a saída vai ser aplicar o ajustamento de conduta e investir o dinheiro arrecadado com esse acordo em saneamento para a própria região danificada - antecipa Rosa.
As novas medidas de construção em mangues constarão no novo plano diretor de Florianópolis, que estará pronto no segundo semestre de 2007.
Carijós resiste ao crescimento
Biólogo do Ibama, Marcelo Kammern destaca que, numa observação rápida no manguesal de Carijós, na Capital, é possível identificar mais de 30 espécies de aves. Mas segundo ele, em todo o Brasil essas locais contam com um pouco de poluição.
Os mais poluídos estão em áreas urbanizadas. No Rio de Janeiro, o problema é nítido na Baía de Guanabara. Em São Paulo, a poluição fica estampada em Cubatão. Já em Santa Catarina, além da ocupação de Florianópolis e Palhoça, Joinville, Norte do Estado, não escapa dos problemas, segundo Kammern.
O biólogo informa que apesar de não haver estudo algum sobre o assunto, pior do que comer um caranguejo contaminado pela poluição orgânica é ingerir um que vive em locais com poluição química, como em Joinville.
Soriano Sierra, doutor em ecologia de ecossistema, é rápido em afirmar que comeria tranqüilamente um caranguejo retirado do manguesal de Ratones (Norte da Ilha), na reserva ecológica de Carijós. Mas jamais provaria o crustáceo retirado da região de Itacorubi.
(Por Ariadne Niero,
Diário Catarinense, 27/12/2006)