O que é desenvolvimento, como e onde se aplica e quais as políticas mais adequadas para atender às demandas do país são pontos sobre os quais pairam visões e análises diferentes, principalmente no que tange à sua instrumentalização. Mesmo que as metas – crescimento econômico, diminuição da desigualdade, justiça e bem estar social – sejam comuns a todos os analistas, os métodos para alcançá-las nem sempre são consensuais.
Este quadro ficou claro no debate promovido pela Carta Maior no último dia 21 sobre o tema “Política Econômica e Desenvolvimento”, com a participação de Sergio Leitão, diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, do economista e cientista político Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP, da professora do Departamento de Urbanismo da USP e ex-secretária executiva do Ministério das Cidades, Ermínia Maricato, e de Bernardo Kucinski, professor de jornalismo da USP e editor associado da Carta Maior.
Para Sergio Leitão, num momento em que o desequilíbrio global do planeta tem afetado populações e economias do mundo todo, uma mudança de paradigma do desenvolvimento passa a ser fundamental. Para o ambientalista, “estamos serrando o galho onde estamos sentados”, quando a produção econômica assume uma hegemonia incontestada sobre o frágil equilíbrio ambiental, situação agravada quando os governos não incluem a variável ambiental em seu projeto político.
Já Bernardo Kucinski acredita que, uma vez sendo o Brasil um país capitalista – e muito rico, grande exportador e com uma indústria avançada –, é preciso buscar um novo sistema de gestão das riquezas nacionais para que possam atender também às necessidades básicas da população: “O problema do país é o contraste entre a geração de um grande volume de riquezas e a miséria existente”.
Sustentabilidade, defende Kucinski, não é apenas pensar no bem-estar das gerações futuras, mas do presente também. Nesse sentido, fez uma crítica ácida aos movimentos que têm procurado barrar os grandes projetos de infra-estrutura, como a transposição do São Francisco e as usinas hidrelétricas. “Os ambientalistas não trabalham com desenvolvimento sustentável, demonizam o capital em tudo que é grande”, afirma, atacando também o Ministério Público Federal como principal agente de obstrução dos grandes projetos. “Há um movimento de auto-afirmação dos procuradores, que usurpam o papel das agências reguladoras e, aproveitando qualquer tecnicidade, travam os processos”.
Para Leitão, porém, passa a ser função da sociedade contestar políticas e projetos governamentais que não considerem os passivos socioambientais em nome de um modelo de crescimento insustentável. Exemplo disso seriam os grandes projetos de hidrelétricas, quando a pergunta “energia para quem e para quê?” não é feita da perspectiva das necessidades ambientais ou da população, mas do fomento de um modelo de exploração dos recursos naturais que não distribui renda nem beneficia um espectro mais amplo da sociedade.
“A desmoralização dos que atuam nos conflitos, dos que resistem, ocorre quando os incomodados não se retiram. Quando indígenas, quilombolas, ribeirinhos exigem do governo negociações a partir de suas perspectivas e demandas”, explica o ambientalista.
Antes mesmo de aprofundar a discussão sobre o conceito de desenvolvimento, Dowbor atentou para o fato de que o principal índice utilizado para medir o crescimento do país, o PIB (Produto Interno Bruto), avalia a realidade de uma forma distorcida, uma vez que mede apenas a movimentação financeira.
“Quando a Pastoral da Criança consegue diminuir o índice de internações e de adoecimento infantil, o PIB tem uma queda porque diminui o consumo de medicamentos e as hospitalizações. Temos que calcular de outra forma o que acontece, temos que ter outras medidas fora o PIB para avaliar o desenvolvimento do país, sem isso as coisas se tornam impossíveis”, explica Dowbor.
Tanto ele quanto Ermínia Maricato defendem que, antes de tudo, o país precisa de grandes investimentos nas estruturas locais, de forma descentralizada e de acordo com as demandas municipais, aperfeiçoando a infra-estrutura de saneamento, habitação, transporte e demais aspectos que não apenas apontam para o bem-estar social, mas também levam à diminuição de gastos públicos no combate a problemas advindos da falta destes pré-requisitos básicos da estrutura urbana.
Em concordância com esta tese, Kucinski propõe que qualquer solução seja buscada na quadra do capitalismo, instituindo-se padrões mínimos de saúde, educação, transporte, etc, processo facilitado substancialmente se houver crescimento econômico.
Segundo Maricato, porém, também aqui há que se trabalhar um outro paradigma, que se contraponha ao modelo neoliberal de administração da coisa pública, principalmente invertendo-se a conceituação da alocação de recursos públicos de gasto para investimento. Neste sentido, acrescenta Dowbor, seria importante que o Brasil rompesse com a bipolaridade social que divide ricos e pobres e adotasse, como nos países escandinavos, por exemplo, uma economia negociada entre os vários setores sociais.
Em todo caso, defende Leitão, o governo sob o presidente Lula não pode andar para traz na questão ambiental. O movimento socioambiental nunca foi uma trava para o país, defende ele, ponderando que “quem dera os ambientalistas tivessem o poder de travar alguma coisa”, no que é apoiado por Dowbor. “O maior entrave do país é o juro alto. É certo que no primeiro mandato, as políticas sociais fizeram de Lula o melhor candidato disponível. Neste segundo mandato, porém, há que se passar da política social-distributiva para a política de inclusão produtiva”.
(Por Verena Glass,
Agência Carta Maior, 27/12/2006)