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2006-12-26
O ano de 2006 começou, para o lado produtor, com a expectativa de legalização da soja transgênica no Brasil, depois que, em novembro de 2005, o governo finalmente regulamentou a Lei de Biossegurança (Lei 11.105), que havia sido sancionada em março de 2005 pelo presidente Lula.

JANEIRO

Em janeiro, o governo brasileiro passou a defender o uso obrigatório da inscrição “Pode Conter OVMs - Organismos Vivos Modificados” - o mesmo que OGM - Organismos Geneticamente Modificados - nas notas fiscais dos produtos, situação que admitiria a presença de até 1% de transgênicos sem a necessidade de certificação. A exceção era o Paraná, autodeclarado uma ilha de soja convencional num país que liberou os transgênicos.

As principais discussões acerca das políticas socioambientais no país gravitaram em torno de duas reuniões internacionais ocorridas em Curitiba, que estavam para ocorrer em março: a Oitava Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (COP-8) e o Terceiro Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3).

Brasil dobrou o cultivo
Ainda em janeiro, o Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agro-biotech (ISAAA) constatou que o Brasil já estava cultivando quase o dobro da área de soja transgênica: 9,4 milhões de hectares plantados com as sementes geneticamente modificadas, ou 88% mais do que em 2004. Com isto, passava a ser o terceiro maior produtor de transgênicos do mundo. A taxa é muito maior que a do crescimento da área mundial, que foi de 11% em 2005. Mas a rejeição popular aos OGMs também estava em alta: “Se fizermos um cruzamento de dados, haverá uma grande contradição: há uma expansão da área cultivada e, por outro lado, há o aumento da rejeição dos consumidores aos transgênicos”, observou Gabriel Fernandes, assessor técnico e agrônomo da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA).

FEVEREIRO

Europa rejeita OGM
Em fevereiro, o governo francês lançou seu projeto de lei sobre os OGMs para regulamentar a experimentação, produção e comercialização destes polêmicos produtos. Mas, ao mesmo tempo, a União Européia (UE) afirmava que não iria afrouxar mais suas restrições aos alimentos transgênicos, rejeitando os apelos dos Estados Unidos por uma maior abertura do mercado europeu, em resposta a determinação da Organização Mundial de Comércio.

No Brasil, o médico bioquímico Walter Colli, do Departamento de Bioquímica da USP, foi eleito o novo presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A nomeação de Colli pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, a partir de uma lista tríplice encaminhada pelos membros da comissão, gerou reação de ONGs, que ameaçaram ingressar na Justiça, pedindo a nulidade da indicação. O mês de fevereiro terminou com o Ibama interditando 13 lavouras de soja transgênica no entorno do Parque Nacional do Iguaçu (PR).

MARÇO

Via Campesina protesta
O ponto alto dos acontecimentos envolvendo transgênicos em 2006 ocorreu, sem dúvida, no dia 8 de março, quando dois mil militantes ligados à Via Campesina e ao MST, a maioria mulheres, invadiram o Horto Florestal Barba Negra, pertencente à Aracruz Celulose, e destruíram estufas, inutilizando pelo menos 1 milhão de mudas de eucaliptos e um laboratório de melhoramento genético. A ação ocorreu em Barra da Ribeiro, a 60 quilômetros de Porto Alegre. O ato causou o rompimento de relações entre o governo do Estado do Rio Grande do Sul e a Via Campesina.

Em meados do mês, em Curitiba, a rotulagem de organismos vivos modificados (OVMs) foi o tema mais polêmico da 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3). Participaram da reunião 97 países com direito a tomarem decisões e outros 13 que assinaram a convenção, mas não a ratificaram, como os Estados Unidos, a Argentina e o Canadá. A proposta final foi aceita por 92 países, exceto pelo Paraguai, México, Canadá, Estados Unidos e Argentina.

Ficou acordado que, até 2012, os países que já tem capacidade técnica e econômica devem informar a presença de transgênicos e adotar a expressão "contém", e os que ainda não estão capacitados para essa rotulagem receberão ajuda pra implementar as regras e adotarão o temo "pode conter" para exportações e importações de produtos geneticamente modificados.

Para a ativista Gabriela Couto, coordenadora da Campanha de Engenharia Genética do Greenpeace, a decisão foi positiva para o Brasil, já que o país possui uma legislação nacional que garante que qualquer variedade importada transgênica deve conter autorização, informação da carga e outras. Mas na opinião da ambientalista Marijane Lisboa, consultora da Associação de Agricultura Orgânica (AAO) e professora de relações internacionais da PUC-SP, o resultado foi decepcionante. "O que se esperava é que agora fosse obrigatório que todo o movimento de transgênicos fosse claramente identificado, e o que se fez foi adiar tudo isso para 2012, ou seja, durante esse período vamos ter muita contaminação por transgênicos em muitos países do mundo", criticou.

ABRIL

Ação forte do Judiciário
O mês de abril começou com o impacto da ação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região de Porto Alegre, que no final de março cassou a liminar que liberava o embarque e a exportação de soja transgênica pelo Porto de Paranaguá. No dia 10 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido do governo do Paraná e determinou que o porto de Paranaguá permita o embarque de soja transgênica. Pela decisão, o porto terá que permitir a exportação de soja modificada, contrariando a vontade do governador Roberto Requião (PMDB).

Em Trebes, na França, o militante antiglobalização francês José Bové foi preso e libertado no dia 13, após participar de uma manifestação que reuniu integrantes da Confederação Camponesa e do Greenpeace na entrada da multinacional produtora de sementes Monsanto.

MAIO

Coolméia, símbolo anti-OGM, fecha as portas no Bom Fim
Maio começou com uma notícia triste para os opositores aos transgênicos e amigos da agricultura orgânica. Endividada, a Cooperativa Coolméia ainda passou por dois arrombamentos num período de três semanas e acabou fechando sua loja de produtos orgânicos, na Avenida Osvaldo Aranha.

No Paraná, o governador Roberto Requião deu prazo até o final do mês para que as indústrias de alimentos se adaptassem à lei de rotulagem de transgênicos. A lei determina que uma identificação e o símbolo da transgenia deverão constar no rótulo da embalagem de alimentos e de ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados (OGM). Mas, no último dia de maio, o STF declarou a inconstitucionalidade da Lei 14861/2005 e do Decreto 6253/2006, ambos do Estado do Paraná. A lei previa o direito à informação quanto aos alimentos e ingredientes alimentares que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados (OGMs) e o decreto a regulamentava. A decisão do STF baseou-se na Ação de Direta de Inconstitucionalidade contra a lei estadual, impetrada pelo Partido da Frente Liberal. O PFL questionava a possibilidade de uma lei estadual tratar da rotulagem. O partido defendia a tese de que apenas a União poderia tratar dessa questão.

JUNHO

Paraná fiscaliza
Apesar da decisão do STF, em junho, o governo do Estado do Paraná começou a fiscalizar produtos que contêm mais de 1% de transgênicos na composição começa. A Secretaria de Saúde do Estado passou a recolher amostras de produtos suspeitos nos supermercados com ênfase para bebidas e laticínios à base de soja, proteína texturizada de soja, alimentos com lecitina de soja, farelo, farinha e sementes de soja.

No âmbito da CTNBio, a adoção de um mecanismo de acompanhamento dos trabalhos previsto na Constituição causou atrito entre o Ministério Público Federal e o novo presidente o órgão, Walter Colli. Por decisão da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal, a procuradora Maria Soares Cordioli foi designada para acompanhar e fiscalizar os trabalhos da comissão. “Estou contrariado com sua presença”, disse Colli para a representante do MPF. Ela foi tachada de “aliada do atraso”, “cerceadora do desenvolvimento científico” ou “vinda dos tempos da ditadura militar”.

JULHO

Ilegalidade aumenta
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a CTNBio iniciaram, em julho, uma ofensiva contra a produção ilegal de algodão transgênico no Brasil. O Mapa chegou a abrir 25 processos contra produtores de algodão transgênico ilegal, cujas produções estão apreendidas. No Mato Grosso, foram autuadas dez propriedades devido ao plantio de algodão geneticamente modificado e alguns cotonicultores receberam notificações por terem desrespeitado a lei que trata das normas de segurança e mecanismos de fiscalização das atividades com organismos transgênicos.

Nas Filipinas, o governo preparava-se para tornar-se um grande produtor de safras biotecnológicas em cerca de cinco anos com a esperada aprovação de safras geneticamente modificadas, enquanto que, em Mali, agricultores lutavam pela não utilização de OGMs no país. Ao mesmo tempo, pesquisas constatavam o crescimento nas vendas de produtos orgânicos, só nos Estados Unidos. A elevação tem sido entre 15% e 21% a cada ano, comparativamente a 2% a 4% para as vendas totais de alimentos.

AGOSTO

Congresso acena com lei de monitoramento
No início de agosto, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara Federal colocou em pauta o Projeto de Lei 4809/05, de autoria do deputado Edson Duarte (PV-BA). O PL torna obrigatório o monitoramento dos efeitos de alimentos e produtos geneticamente modificados, mesmo quando já liberados para consumo.

Enquanto isso, o governo reuniu o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), composto por 11 ministros, e ordenou um "esforço concentrado" do colegiado para "limpar" a pauta de 96 processos sobre OGMs que estavam sob análise até então.

O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, garantiu que a decisão sobre transgênico sairia nesse mandato presidencial, e a CTNBio aprovou 42 projetos de pesquisa para avaliar, em campo, a segurança de organismos geneticamente modificados.

No Peru, houve acirramento de debate em torno da aprovação ou não do cultivo de batata transgênica, enquanto a Europa e o Japão resistiam ao arroz transgênico dos Estados Unidos. Em Passo Fundo, agricultores do entorno da Floresta Nacional local decidiram plantar soja transgênica, mesmo sob a possibilidade de autuação.

SETEMBRO

Lista verde ganha mais duas empresas
A Mezzani, indústria de massas, e a Dauper, fabricante de biscoitos e salgadinhos, passaram, em setembro, a adotar uma política para garantir que seus produtos não contenham transgênicos. Com isso, elas pularam da lista vermelha (indústrias que não garantem produtos sem transgênicos) para a verde (empresas que dão garantias de uma produção livre de transgênicos) do Guia do Consumidor, do Greenpeace. Das 109 empresas que compunham o Guia, até então, 67 estavam na lista verde – entre elas Nestlé, Parmalat, Unilever, Sadia e Perdigão. Já outras gigantes como Bunge, Cargill e Vigor continuavam na lista vermelha.

Uma queda de braço surgiu entre os plantadores de algodão e a CTNBio. O diretor-executivo da Associação Brasileira de Plantadores de Algodão (Abrapa), Hélio Tollini, disse que a entidade recorreria ao Conselho Nacional de Biossegurança para assegurar o aproveitamento de fibras de algodão plantado irregularmente e apreendido em julho por fiscais do Ministério da Agricultura. A CTNBio já havia aprovado uma espécie de algodão transgênico, mas o plantio só estaria liberado para a próxima safra. O Greenpeace finalizou o mês promovendo uma O campanha contra transgênicos na Espanha.

OUTUBRO

MP libera plantio de OGMs em torno de unidades de conservação
Logo no início de outubro, a Organização Mundial do Comércio (OMC) publicou decisão que torna ilegais as normas impostas pela União Européia (UE), entre 1998 e 2004, para restringir a importação de transgênicos. Na Nicarágua, a Alianza Centroamericana de Protección a la Biodiversidad constatou que alimentos distribuídos pelo Programa Mundial de Alimentos estavam contaminados com transgênicos.

No Paraná, a Organização Não-Governamental (ONG) Terra de Direitos entrou com uma ação criminal contra a Syngenta por causa do plantio de sementes geneticamente modificadas no Parque Nacional do Iguaçu (PR), área de preservação ambiental.

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) adiou a decisão sobre a liberação comercial de uma semente geneticamente modificada de milho, tolerante ao glufosinato de amônio, cujo pedido de registro foi feito em 1998. Ambientalistas do grupo vegetal-ambiental da CTNBio levantaram dúvidas sobre relatórios, o que impediu a decisão.

O mês terminou com um golpe contra os ecologistas: foi aprovada a Medida Provisória 327, editada pela presidência a pedido do Ministério do Meio Ambiente, da Casa Civil e do Ministério da Justiça. A MP derrubou o veto de plantio de soja transgênica no entorno das unidades de conservação.

NOVEMBRO

Stédile diz que posição do governo é ambígua
O mês de novembro começou com a notícia de que o governo federal estava estudando a revogação do artigo da lei que proíbe o plantio de transgênicos a menos de 10 quilômetros do entorno de unidades de conservação e de de áreas de proteção ambiental, o que causou reação em ambientalistas.

Em Porto Alegre, o líder do MST, João Pedro Stédile, esteve presente em um debate realizado na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS o qual tratou da reflexão sobre o papel da mídia no episódio de 8 de março, quando militantes da Via Campesina destruíram mudas e um laboratório de melhoramento genético na Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro (RS). O evento foi marcado pela crítica à forma de cobertura da grande imprensa ao episódio, considerada preconceituosa e voltada a dissuadir a sociedade da questão dos transgênicos. Stédile também criticou o governo federal por sua ambigüidade em relação aos transgênicos e garantiu que o 8 de março de 2007 será uma data dedicada a novos protestos contra os OGMs. Uma das possibilidades é que os protestos do próximo ano sejam realizados em supermercados, pois o alvo será a falta de rotulagem. O Ministério Público ameaçou ir à Justiça se a CTNBio autorizasse plantio de OGM sem licenciamento ambiental, como prevê a Constituição. Já no Paraná, o governador Roberto Requião desapropriou área da Syngenta, por plantio ilegal de transgênicos.

Na CTNBio, a confusão só aumentou. A composição e o funcionamento do órgão foram alterados por decreto presidencial. Foi aumentado o número de conselheiros e definido que a liberação para uso comercial de transgênicos precisa de dois terços dos votos. O presidente do conselho, Walter Colli, criticou a ampliação da CTNBio: “Do jeito que está não vai ter liberação comercial nenhuma”, disse.

DEZEMBRO

MP desagrada ambientalistas
Dezembro começou com a possibilidade de a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara votar o Projeto de Lei 5964/05, que autoriza a utilização de tecnologia genética para esterilizar a parte masculina ou feminina de um vegetal e permite a produção de plantas sem sementes. A iniciativa concretizou-se no dia 13.

Em Santa Catarina, o Ministério Público Estadual obrigou a Olvebra a rotular produtos contendo transgênicos.

Em Brasília, o plenário do Congresso Nacional, aproveitando-se da Medida Provisória 327, emitida no dia 31 de outubro, conseguiu aprovar emendas que facilitaram a liberação de plantações comerciais de organismos geneticamente modificados (OGMs).

A Medida Provisória original, editada pela presidência a pedido do Ministério do Meio Ambiente, da Casa Civil e do Ministério da Justiça, derrubou o veto de plantio de soja transgênica no entorno das unidades de conservação. Por outro lado, a medida alterou o artigo 57 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9985/2000) e definiu que o uso de OGMs nas proximidades de unidade de conservação só poderá ser liberado com estudos e o plano de manejo de cada parque ou reserva. Ambientalistas consideraram a MP “um descaso para com a população”.

A grande expectativa para 2007 fica por conta da reação dos movimentos sociais: o que será que a Via Campesina está preparando?
(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 26/12/2006)

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