Na manhã do dia 14 de dezembro era possível ver, da vila de Abraão, um
transatlântico ancorado na Baía de Ilha Grande, no sul do estado do Rio. Não
era uma cena comum. Afinal, apenas uma vez, em novembro de 2005, um navio
como esse fez escala na ilha, com 600 passageiros a bordo. Este ano, poucos
minutos após a aparição do transatlântico, começaram a chegar lanchas que
faziam dezenas de viagens levando os turistas para a região insular. Uma
horda. No desembarque, foram recebidos com caipirinhas grátis, lotaram os
bares, fizeram compras, abarrotaram as pequenas praias da enseada do
Abraaão. No fim da tarde, voltaram ao navio.
De janeiro a março, um outro navio, o Island Star, já tem pelo menos três
paradas agendadas em Ilha Grande. Com 208 metros de extensão e capacidade
para 1.875 passageiros, fora os 500 tripulantes, o transatlântico obteve a
permissão da Capitania dos Portos para permenecer entre 10h e 20h parado na
Baía de Ilha Grande. De acordo com o empresário Eduardo Galante, que é
conhecido como a pessoa que conseguiu levar esse nicho do turismo para a
ilha, os próximos navios poderão ancorar dentro da enseada, a apenas mil
metros do pequeno cais de Abraão.
Para os comerciantes o desembarque dos turistas significa muito dinheiro.
“Em mais ou menos oito horas de permanência na vila, estimamos que as
pessoas deixem, no mínimo, 45 mil reais”, comemora Galante, presidente do
Ilha Grande Convention & Visitors Bureau. “Espero que no Island Star mais
pessoas desçam. É fome de gastar”, diz.
Galante só vê vantagens na visita de transatlânticos à Ilha Grande – que não
tem resorts, grandes hotéis ou estrutura para absorver turismo de luxo,
embora os preços dos serviços oferecidos em Abraão sejam sempre muito altos
em função da presença quase majoritária de estrangeiros. Questionado sobre
os impactos de tanta gente consumindo tudo que pode e abarrotando as praias
em um curto espaço de tempo, o empresário assegura que a ilha comporta, e
com folga, esse movimento. “Isso não é nada. A ilha recebe pelo menos duas
barcas com capacidade para duas mil pessoas todos os dias. Quando os 1.700
passageiros do navio desembarcam em Abraão, eles praticamente somem”.
Mas isso pode ser muita gente se somado ao movimento de cercade 12 mil
pessoas em Abraão na época de Carnaval e Réveillon. São campistas e turistas
de todas as classes sociais em busca de praias de águas límpidas, mas que há
muito, nesses períodos, deixaram de ser aprazíveis. E, quando Galante lembra
disso, diz que não quer ver a ilha superlotada. “O público de transatlântico
é mais seleto, mais civilizado. Como há regras a serem seguidas dentro do
navio, as pessoas sofrem uma 'educação interna' por lá”, diz. Diferente de
quando desembarcam nas praias, onde nem sempre seguem esse tipo de conduta.
Despreparo
Até o fechamento desta edição, os policiais militares do Batalhão Florestal
lotados em Ilha Grande e em Angra dos Reis não sabiam informar que tipo de
atividades estão planejadas para o período de Natal e Ano Novo na ilha. Se
acontecer como em anos anteriores, Abraão -- a maior vila, com cerca de 140
pousadas e principal ponto de chegada e saída de turistas -- corre o risco
de ficar despatrulhada. Policiais contam que nesta época do ano costumam ser
transferidos à cidade do Rio de Janeiro para reforçar a segurança durante o
Réveillon em Copacabana, deixando Abraão totalmente desguarnecido.
Segundo um policial que não quis se identificar, o Batalhão Florestal conta
com no máximo quatro homens e em esquema de revezamento para patrulhar os
193 quilômetros quadrados de Ilha Grande. E, pelo andar da carruagem, pode
ser que em mais este fim de ano reste apenas um em Abraão. “Essa é a época
em que a ilha mais recebe gente. Ficamos sem controle”, diz. Sem barcos ou
quaisquer veículos motores. É a pé que eles costumam fazer vistorias, sendo
que hoje nem autuar crimes ambientais podem mais. Segundo ele, havia um
convênio com o Ibama, que fornecia blocos de autuações, mas isso acabou e
agora eles ficam de mãos atadas. Ou melhor, vazias.
O assessor de imprensa e tenente coronel Leonardo, da Polícia Militar, diz
que o convênio com o Ibama terminou e que é o órgão que deve apresentar uma
nova proposta à Secretaria de Segurança Pública para ser reiniciado. O
tenente coronel restringiu-se a dizer que o número de policiais militares na
ilha é suficiente, e não quis responder à reportagem quantos homens estão
lotados por lá. Também negou que os policiais sejam remanejados em ocasiões
especiais. “Haverá um incremento principalmente no período entre o dia 26 de
dezembro e 8 de janeiro, inclusive com a instalação de um posto ambiental na
praia do Aventureiro”, informou.
Tempo limitado
A praia do Aventureiro é uma das mais procuradas por campistas e surfistas.
É possível alcançá-la a pé, por longas trilhas, ou de barco, enfrentando mar
aberto. Este ano há ainda uma situação inusitada. Ilegal desde que foi
decretada a Reserva Biológica da Praia do Sul, em 1981, o camping na praia
do Aventureiro está autorizado para 560 pessoas. O que ninguém sabe é de que
maneira vão limitar o acesso dessas 560 pessoas - e não 570, 600, mil ou
três mil pessoas - nesta pequena praia do lado oceânico da ilha, como por
várias vezes já se constatou. A bióloga da Feema responsável pela reserva
biológica, Norma Crud Maciel, ficou surpresa com o fato de o Ministério
Público Estadual de Angra dos Reis estar obrigando a institutição a permitir
camping numa unidade de conservação como aquela. “Pela primeira vez eu o
vejo passando por cima do Snuc [Sistema Nacional de Unidades de
Conservação]”, reclama. “Eu esperava que o MP viesse violentamente em cima
de nós, nos obrigando a desafetar a praia do Aventureiro da reserva. E nós
responderíamos que é o Instituito Estadual de Florestas que pediu vistas ao
processo e o mantém parado por um ano e meio”, explica a bióloga.
Enquanto esse processo não anda por causa de uma outra proposta em curso
para transformação da pequena praia de Aventureiro em Reserva de
Desenvolvimento Sustentável (RDS), os problemas ambientais continuam
correndo em ritmo acelerado. “Houve um crescimento desordenado terrivel de
bares. Aquilo lá está ficando um favelão”, explica Norma. E pelas mãos dos
próprios moradores de Aventureiro que se dizem caiçaras e merecedores da
RDS. “Caiçaras eles não são mais. Eu tenho uma lista com 12 casas que eles
venderam, onde pessoas que não são da comunidade já estão morando. Vinte e
dois deles têm residência em Angra, com geladeira, fogão, televisor,
celular, como qualquer um de nós, e usam o terreno de Aventureiro para
alugar a campistas”, diz.
Procurada pela reportagem, a secretária de meio ambiente de Angra dos Reis,
responsável pela região, não foi encontrada. Seu substituto, Leonardo
Maltaroli, esquivou-se e pediu desculpas por não saber responder nenhuma
pergunta sobre Ilha Grande porque está há apenas uma semana no cargo.
(Por Andreia Fanzeres,
OEco, 21/12/2006)