O debate sobre o plantio de transgênicos é um dos pontos mais mal resolvidos
deste primeiro mandato do governo Lula. Prova disso foi o espetáculo dado
pelos deputados nesta quarta-feira na Câmara. O plenário aproveitando-se da
Medida Provisória 327 emitida no dia 31 de outubro, conseguiu aprovar
emendas que facilitaram a liberação de plantações comerciais de organismos
geneticamente modificados (OGMs).
A Medida Provisória original, editada pela presidência a pedido do
Ministério do Meio Ambiente, da Casa Civil e do Ministério da Justiça,
derrubou o veto de plantio de soja transgênica no entorno das unidades de
conservação. Por outro lado, a medida alterou o artigo 57 da Lei do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9985/2000) e definiu que o uso de
OGMs nas proximidades de unidade de conservação só poderá ser liberado com
estudos e o plano de manejo de cada parque ou reserva.
O diretor de Ecossistemas do Ibama, Valmir Ortega, explicou, antes da
aprovação da MP 327 e suas emendas na Câmara, que a medida era “boa”. Por um
lado, a 327 acabava com uma “injustiça” com soja transgênica, que não teria
parentes silvestres na flora brasileira, portanto não oferecia riscos de
contaminação. Por outro, dava mais poder às unidades de conservação para
decidir, através de seus planos de manejo, o que ocorreria com o milho ou
algodão transgênico, ou quaisquer espécies com maior potencial para
contaminar as nativas. “Ao meu ver essa é uma medida muito positiva, dá
autonomia às unidades de conservação”, avaliou Ortega
Mas ao que tudo indica, o Ministério do Meio Ambiente deu uma cartada
ingênua com a MP 327. Quando ela chegou ao Congresso, 19 emendas foram
feitas. Quase todas pediam maior liberalidade na apreciação de pedidos de
plantio comercial de transgênicos. O relator da Medida Provisória, o
deputado petista Paulo Pimenta, que fora a favor da liberação de soja
plantada ilegalmente em dois anos seguidos, acolheu duas emendas. Uma altera
o quórum necessário para a aprovação de pedidos comerciais na Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), e outra anistia fazendeiros que
plantaram ilegalmente algodão transgênico.
Mais uma vez a política do fato consumado prevaleceu. Os deputados aprovaram
o abrandamento de restrições penais aos plantadores de algodão, o que na
prática deve pressionar pela comercialização do produto no mercado interno.
Já na questão da CTNBio, o plantio comercial não precisará mais de dois
terços de votos de seus membros, agora poderá ser aprovado com maioria
absoluta, ou seja 50% mais 1 voto. O projeto de lei que foi elaborado pelo
relator Paulo Pimenta sobre a MP 327 segue ainda para votação no Senado. Se
for aprovado sem modificações vai para a sanção de Lula.
Sem consulta
A coordenadora da campanha de Engenharia Genética do Greenpeace, Gabriela
Vuolo, critica não apenas as emendas passadas na Câmara mas também a forma
como a MP 327 foi editada: sem nenhuma consulta pública. “Sem consultar a
sociedade civil, o governo passou por cima do princípio da precaução e abriu
precedente que fragiliza as unidades de conservação”, disse ela em um artigo
publicado nesta quarta-feira no Correio Braziliense. Segundo Vuolo, permitir
o plantio de transgênicos no entorno de unidades de conservação já era uma
medida polêmica o suficiente, mas como os deputados se aproveitaram de
brechas para facilitar outras questões, a MP 327 se tornou uma tragédia
completa. “Foi um tratoraço”, lamentou depois de terminada a votação no
Congresso.
Ontem, as ONGs alertaram o Ministério do Meio Ambiente sobre o risco que
representavam as emendas à MP. O secretário de Biodiversidade e Florestas,
João Paulo Capobianco, garantiu que um acordo havia sido fechado com a base
do governo para votar contra as mudanças no texto original. Mas como mostra
a história, em assuntos de biossegurança, o Meio Ambiente sempre sai
perdendo, para não dizer que é traído.
A base do governo votou a favor do projeto, com direito a discursos
memoráveis dos parlamentares. O deputado Ricardo Barros (PP-PR), por
exemplo, defendeu a questão dizendo que se o país não se “livrasse” dos
entraves ambientais não iria crescer 5% ao ano, “como pediu o presidente
Lula”. Já o Darcísio Perondi, do mais novo aliado do governo, o PMDB, disse
que a CTNBio era o “palanque do atraso” e elogiou o relator Paulo Pimenta
por ter acolhido as emendas.
O PT não votou em favor do parecer de seu deputado Paulo Pimenta. Muitos
inclusive o criticaram. Histriônico, Pimeta afirmou que seria um absurdo não
liberar o comércio do algodão transgênico, pois o Brasil teria que importar
a matéria-prima de outros países. O PV e PSOL também votaram contra o
parecer. Sarney Filho e Fernando Gabeira, ambos do PV, fizeram alguns
discursos inflamados. Pediram maior cuidado com a biodiversidade do país e
com os serviços ambientais prestados por ela. Não teve acordo. A porteira
abriu e a boiada não bobeou.
(Por Gustavo Faleiros,
OEco, 20/12/2006)