No melhor estilo do toma-lá-dá-cá, os deputados da Assembléia Legislativa de
Mato Grosso unificaram os Parques Estaduais do Cristalino I e II na
segunda-feira, mas em compensação reduziram a área total da unidade de
conservação em 27 mil hectares. Esta área é considerada por ambientalistas e
técnicos da Secretaria do Meio Ambiente do estado importante para a
conservação - apesar de nos últimos anos ter sido alvo de grilagens, algumas
envolvendo políticos locais.
Vinte e quatro horas depois, os deputados se reuniram novamente para votar,
já em segunda instância, a criação de um novo Parque Estadual do Cristalino
I, com 7,2 mil hectares e incluindo a desapropriação da RPPN (Reserva
Particular de Patrimônio Natural) Cristalino. A área tem 700 hectares e é
mantida pela empresária Vitória da Riva, que corre o risco de perder para o
estado outros 7 mil hectares que também lhe pertencem e que está em processo
de se tornar RPPN. A lei, formulada sem nenhum embasamento técnico, vai para
sanção ou veto do governador Blairo Maggi – que na semana passada vetou a
redução do Parque do Cristalino, mas nada adiantou.
Ao fim das votações, o clima entre Ongs e órgãos do governo envolvidos com o
Parque do Cristalino era de tristeza e desabaratamento. A superintendente de
biodiversidade da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso
(Sema), Eliane Fachim, disse à tarde, antes de ter acesso a um mapa que
localizasse com precisão a nova área, que não entendia qual a intenção dos
deputados. “Se a idéia é incluir no parque áreas que são importantes do
ponto de vista ambiental, a Sema também quer acrescentar algumas”, diz ela.
Também a secretaria foi pega de surpresa. O projeto não leva em conta as
informações levantadas pelos seus técnicos, que divulgaram pareceres
contrários à diminuição do Parque.
Retaliação
Revoltada com a medida, Dona Vitória da Riva acredita que se trate de uma
retaliação pessoal dos deputados contra ela. “É inacreditável o que essa
Assembléia é capaz”, diz. “Eles estão com raiva por causa da força que
demonstramos nas campanhas que fizemos contra a diminuição do parque”. Não é
a primeira vez que os deputados de Mato Grosso tentam desapropriar a RPPN
Cristalino. O projeto de lei que diminuía e unificava os Parques do
Cristalino I e II também previa a anexação da área. Mas o trecho foi
retirado na segunda votação, depois de forte mobilização contrária do setor
de turismo.
Dona Vitória lembra que em 2007 o governo federal fará uma campanha de
estímulo às RPPNs. “Que incentivo você vai dar para o proprietário
particular, se os deputados de Mato Grosso podem fazer isso?”, questiona.
Sérgio Guimarães, coordenador do Instituto Centro de Vida (ICV), diz que a
Ong considera essa lei “de curta duração”. O Ministério Público, afirma,
deve entrar com ações judiciais para impedir sua vigoração, uma vez que
tanto a criação como a diminuição de unidades de conservação dependem de
estudos técnicos, que não foram feitos. O procurador do Ministério Público
Estadual de Mato Grosso responsável pela área ambiental, Gerson Barbosa,
disse que aguarda receber cópia dos projetos para estudar medidas.
Dinheiro público
Segundo a assessoria de comunicação da Assembléia Legislativa, o novo parque
é um “dente” entre o parque e o rio Cristalino, deixado de lado até o
momento justamente por causa da pousada de Dona Vitória. Para a assembléia,
a decisão faz todo o sentido. A área, afirma, é bem conservada, ao contrário
dos 30 mil hectares excluídos na revisão anterior dos limites. Para a
assessoria, tem mais lógica e bom senso incluí-la do que as outras áreas,
que criaram tanta polêmica, mas que tinham famílias, igrejas e escolas. O
que o assessor não diz é que tudo isso apareceu lá depois que o parque tinha
sido criado.
Ele também não explica por que o órgão legislativo escolheu transformar em
parque uma área particular bem protegida e referência no Mato Grosso na
prática do turismo ecológico. A conservação agora garantida pelo
investimento de Dona Vitória passará, no intento dos nobres deputados, a
demandar dinheiro público. Sinal de que, em Mato Grosso, ele deve estar
sobrando.
(Por Eric Macedo,
OEco, 20/12/2006)