A criação de gado e o cultivo da soja em larga escala, na Amazônia, têm influência direta com a quantidade de floresta desmatada na região. Quando há uma valorização dessas commodities no mercado mundial, a tendência é que mais áreas sejam desmatadas para ampliação dessas atividades e o aumento da exportação. Essa constatação é fruto da pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em parceria com o Woods Hole Research Center e a Universidade da Flórida.
Daniel Nepstad, pesquisador do Ipam e do Woods Hole Research Center e responsável pelo estudo, afirma que há quatro anos houve uma demanda crescente de soja e carne na Europa e na China, o que acabou refletindo nas taxas de desmatamento da Amazônia: em 2004, as áreas devastadas subiram para 27,4 mil quilômetros quadrados, ou seja, 50% acima da média de longo prazo.
“O aumento do desmatamento nos anos de 2002, 2003 e 2004 foi primeiramente resultado do crescimento do rebanho de gado, que aumentou 11% anualmente em 1997, para o número de 33 milhões de cabeças em 2004 no bioma amazônico”, afirma a pesquisa. De acordo com o levantamento, a erradicação da febre aftosa, a desvalorização do real, o surgimento da doença da vaca-louca na Europa e as melhorias no sistema de produção de carne foram as causas que promoveram a exportação da carne da Amazônia.
Quanto à soja na região, até a década de 80, o seu cultivo não era expressivo. Contudo, com o desenvolvimento de espécies tolerantes à umidade e ao clima quente da Amazônia, houve um estímulo à sua expansão no final dos anos 90. Na mesma época, a oferta mundial de proteína animal para ração diminuiu e valorizou o preço da soja como substituta no mercado mundial.
A União Européia se tornou a mais importante compradora depois de proibir a alimentação dos seus rebanhos com ração animal, como forma de controlar o alastramento da doença da vaca-louca. A demanda chinesa por soja brasileira também aumentou, refletindo o crescimento econômico do país: a sua classe média crescente se alimenta mais de frango e de porco, os quais são nutridos à base de soja.
O estudo do Ipam também aponta que, na Amazônia, o baixo custo das terras e as melhorias de infra-estrutura de transporte na região atraíram grandes companhias a investir em estocagem e processamento de soja na região. Um exemplo disso é a empresa norte-americana Cargill, instalada em Santarém (PA). De acordo com o Ipam, a produção de grão em área de floresta densa cresceu 15% ao ano entre 1999 e 2004.
Já em 2005 e 2006, o cenário mudou. Tanto o preço da soja como a da carne decaíram, ao passo que o real valorizou 25%, o que fez com que a exportação recuasse. Nesse período, a taxa de desmatamento desacelerou: em 2005, foram 18,8 mil quilômetros quadrados destruídos e, em 2006, 13,1 mil quilômetros quadrados. De acordo com a pesquisa, a curto prazo, a destruição florestal pode ser inibida com a desvalorização das commodities.
No entanto, o Ipam não descarta que as ações do governo federal também contribuíram para a queda do desmatamento. “O governo brasileiro também teve um papel importante na diminuição do desmatamento em 2005, através de uma série de medidas que vão desde a proibição da titularização de terras em uma área de 8 milhões de ha ao longo da BR-163, a destinação de 5 milhões de ha para novos parques e reservas na porção leste da Amazônia, a prisão de vários agentes ambientais suspeitos de corrupção, e ao envio de 2000 soldados para a Amazônia, devido ao assassinato da Irmã Dorothy Stang”, explica o relatório.
Futuro
Nepstad atenta para o fato de que a soja está se valorizando novamente. Um dos motivos é a demanda de óleo de soja como substituto do diesel. Para o pesquisador, é importante perceber qual dos dois fatores - mercado ou governo - pode conter os níveis de desmatamento na Amazônia daqui para a frente.
“É provável, entretanto, que a elevação dos preços da soja e da carne, ou a desvalorização do real, venham a aumentar a taxa de desmatamento futura, ainda que as notáveis conquistas do Governo brasileiro em controlar as atividades de uso ilegal do solo continuem”, arrisca a pesquisa.
Os pesquisadores do Ipam consideram que a economia de exportação da Amazônia pode coibir os níveis de desmatamento. De acordo com o estudo, quando a soja e a carne se dirigem para o mercado externo, há uma maior observância da legislação de uso do solo por parte dos proprietários de terras. Muitas instituições financeiras têm colocado em prática critérios para as atividades agrícolas e agropecuárias menos danosas ao meio ambiente e que provêem maiores benefícios sociais e melhorias na legislação de zoneamento do uso do solo, como pré-condição para conceder o financiamento aos fazendeiros.
"Instituições financeiras que estão determinadas a adotar os "Princípios do Equador" de responsabilidade ambiental e social estão começando a adicionar condições sócio-ambientais a seus financiamentos, reduzindo o risco associado aos seus investimentos, o que força os fazendeiros a obedecer a legislação e a adotar melhores práticas de manejo", explica Oriana Almeida, diretora executiva do Ipam e co-autora da pesquisa.
Os “Princípios do Equador” são um conjunto de regras para questões de meio ambiente e de responsabilidade social, criado em 2003, segundo critérios do International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial, para concessão de crédito. Atualmente, 44 instituições financeiras do mundo todo adotaram esses princípios.
Segundo a pesquisa, o International Finance Corporation concedeu um empréstimo de US$ 30 milhões para a companhia de soja Grupo A. Maggi para pré-financiar 510 produtores de soja no Cerrado e Amazônia, mas a condição era de que os beneficiários obedecessem à legislação ambiental e trabalhista, usassem apenas agroquímicos certificados, empregassem técnicas de plantio direto e proibissem a caça. "Pode haver um lado positivo da globalização que se espalhou pela Amazônia," comenta Nepstad.
(Por Natalia Suzuki, com informações da assessoria de imprensa do Ipam,
Agência Carta Maior, 20/12/2006)