O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou as liminares que barravam o processo de licenciamento do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A decisão do ministro do Supremo Sepúlveda Pertence, do último dia 18 e referente a uma ação cível específica, se aplica também a outras dez ações contrárias à obra movidas por governos estaduais e pelo Ministério Público. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, órgão responsável pelo gerenciamento dos recursos hídricos do rio, afirmou que irá reagir à decisão, no âmbito jurídico e também por meio de mobilizações junto a outras entidades.
Com o despacho assinado pelo ministro, o Ibama pode agora seguir os procedimentos necessários para conceder a Licença de Instalação (LI), último pré-requisito para o início das obras, cujo orçamento global está estipulado em cerca de R$ 4,5 bilhões. Os recursos previstos destinam-se a levar águas da bacia do São Francisco para rios de quatro Estados do Nordeste: Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. O projeto prevê para isso a construção de dois grandes canais, os eixos Norte e Leste.
De acordo com o jornal Folha de S. Paulo desta quarta-feira (20/12), o ministro da Integração Nacional, Pedro Brito, informou que os planos do governo federal com a decisão do STF são de “iniciar as obras na primeira quinzena de janeiro”. O jornal ressalta, ainda, que, independentemente da conclusão do processo de licitação, uma primeira etapa do projeto será executada pelo Batalhão de Engenharia do Exército.
O vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Luis Carlos Fontes, afirmou que as entidades que possuem uma avaliação negativa da transposição e que defendem outros investimentos prioritários para o rio – por exemplo, para sua revitalização e para obras de saneamento – já começaram a se articular para discutir os impactos da decisão do STF e como reagir a ela. “Já era algo que aguardávamos, pois sabíamos da pressão que o governo estava fazendo nesse sentido. Essas coisas acontecem sempre no final do ano, sabemos como funciona”, criticou ele, em entrevista à Carta Maior.
Na avaliação do vice-presidente do CBHSF, “o governo aposta que, ao derrubar as liminares, os problemas vão deixar de existir. Mas a questão jurídica é só uma das vertentes dessa polêmica”, destacou. E mesmo em relação à questão jurídica, acrescenta Fontes, ainda é preciso que o STF faça uma análise final de mérito quanto ao projeto. “E há vários elementos novos nesse campo, como o relatório do TCU [Tribunal de Contas da União] e o Atlas da ANA [Agência Nacional das Águas]” que colocam uma série de questões a serem consideradas na avaliação da necessidade e alcance do projeto da transposição.
Em material divulgado pela assessoria de comunicação do STF, o diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama, Luiz Felippe Kunz Junior, destacou que a decisão do Supremo referenda a atuação do órgão ambiental em relação ao licenciamento. Para ele, “acabam, desta forma, quaisquer dúvidas que restassem sobre os procedimentos adotados pelo Ibama”, que já concedeu Licença Prévia ao projeto, reconhecendo-o assim como ambientalmente viável.
O vice-presidente do CBHSF reiterou à Carta Maior que, a cada passo que o governo avançou no que diz respeito à transposição, houve reações diversas, e que, provavelmente, essa dinâmica se repetirá agora. “Perdemos algumas batalhas, mas a luta continua”, destacou Fontes. Segundo ele, as entidades da bacia já estão se mobilizando, e “certamente haverá reações à decisão”. No âmbito jurídico, ele registrou que os Ministérios Públicos Estaduais da Bahia e do Sergipe, assim como o Ministério Público Federal, devem avaliar a questão nos próximos dias para definir a linha de ação a seguir depois da decisão do STF.
Mesmo antes da decisão do Supremo favorável ao projeto, o governo federal já havia definido em novembro uma nova estratégia para facilitar o andamento das obras, que prevê o lançamento para as próximas semanas de um edital voltado especificamente a contratar o detalhamento do projeto da transposição. Para essa fase, devem ser destinados cerca de R$ 90 milhões, que permitirão que o planejamento das obras avance independentemente do que ocorrer com os editais a serem elaborados para sua execução.
A reportagem de Carta Maior buscou ouvir a procuradora do Ministério Público do Estado da Bahia, Luciana Khoury, coordenadora interestadual de Promotorias do São Francisco, a respeito da decisão do STF, mas, até o fechamento desta matéria, não havia conseguido realizar a entrevista.
(Por Antonio Biondi,
Agência Carta Maior, 20/12/2006)