Domingo, o jornal inglês The Independent noticiou a morte de pelo menos mil
orangotangos provocada pelo pior incêndio florestal registrado na Indonésia
em uma década. A causa do fogo foi o interesse de abertura de novas áreas
para o plantio de palmeiras cujo óleo é cada vez mais valorizado no mercado
do biodiesel.
Na onda dos cultivos de oleaginosas para produção de combustíveis
aparentemente ecológicos, o dendê procura um lugar de destaque entre as
demais plantas. Embora reduza a biodiversidade e quebre o equilíbrio da
cadeia alimentar – conseqüências incontestáveis de qualquer monocultura – a
palmeira tem a preferência de acadêmicos, que defendem suas vantagens
ambientais.
Segundo Orlando Silva, pesquisador do Instituto de Eletrotécnica e Energia
da Universidade de São Paulo (IEE/USP), a palma do dendê seqüestra gás
carbônico da atmosfera e permite a recuperação de áreas desflorestadas e
desgastadas. A planta também se diferencia de outros cultivos, como a
cana-de-açúcar, porque não precisa remexer tanto o solo. Cada palmeira
produz frutos por 30 anos e não exige muitos defensivos agrícolas, o que
diminui as chances de contaminação do solo e de lençóis freáticos. Do ponto
de vista econômico, enquanto em um ano a mamona produz cerca de 500 litros
de óleo por hectare, o dendê atinge os cinco mil litros. Portanto, é 10
vezes mais produtivo. Só tem um detalhe: as melhores terras para o cultivo
do dendê são as tropicais úmidas. E, de acordo com a Embrapa Amazônia
Oriental, o Brasil tem a maior área cultivável do mundo, 70 milhões de
hectares nos estados do Pará, Amazonas, Acre, Bahia, Amapá, Rondônia,
Roraima e Tocantins. Mais uma ameaça iminente à floresta amazônica.
Um dos motivos que justificam a lentidão nos investimentos em plantações de
dendê é a legislação ambiental. Produtores reclamam do Código Florestal, que
estabelece a manutenção da floresta nativa em pé em 80% dos terrenos das
propriedades na Amazônia, o que limita o plantio em 20% da área. “Você
conhece alguém que compra um apartamento de cinco quartos, concreta quatro
portas e paga condomínio de tudo? É mais ou menos isso que acontece por
aqui. Quem começou no passado [antes da MP 2.166-67, de agosto de 2001, que
exige 80% de reserva legal], ficou. Agora é mais difícil entrar”, explica
Marcello Brito, diretor comercial da Agropalma, maior produtora de óleo de
palma da América Latina, no mercado desde 1982.
Exceção
Isoladamente, a Agropalma é um caso de sucesso. Localizada a 70 quilômetros
da cidade de Tailândia (PA), tem hoje 34 mil hectares de área plantada, 77
mil hectares de reserva legal e emprega 10 mil funcionários direta e
indiretamente no plantio e processamento do óleo de palma. Todo mês, 185
famílias da região são beneficiadas com o programa de agricultura familiar,
que garante um salário fixo de R$ 1.800 para cada uma. Grande parte da
produção de óleo de dendê da empresa, aproximadamente 75%, é destinada à
indústria alimentícia. O restante é dividido entre os setores químico,
oleoquímico (tintas e vernizes), cosmético, higiene pessoal, têxtil e
siderurgia (laminação do aço).
Desde o início do ano passado, a Agropalma passou a investir também no
diesel vegetal proveniente do dendê, graças a uma tecnologia desenvolvida
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O palmdiesel, como foi
batizado, é obtido a partir dos ácidos graxos residuais do processo de
refino do óleo de palma. A planta da empresa em Belém (PA), com capacidade
para produzir 20 milhões de litros do produto por ano, processa hoje oito
milhões de litros – quantidade que a matéria-prima disponível permite. O
volume é suficiente para substituir 100% do diesel convencional que a
Agropalma utiliza hoje em seus tratores, veículos e implementos utilizados
no cultivo da palma. E ainda há um excedente que é vendido para Petrobras e
Vale do Rio Doce.
Mas ainda é pouco. A produção anual da Agropalma é tão pequena que não
consiste em redução de emissões de carbono significativas. Muito menos para
atender a demanda internacional. Ainda bem, pois para produzir o diesel de
palma em larga escala e abastecer os mercados externos, a Amazônia
provavelmente seria reduzida a passos largos. Somente a Agropalma, no início
da construção de seu império, cortou 15 mil hectares de florestas para o
cultivo do fruto.
O óleo de palma é o segundo tipo mais consumido no planeta, perde apenas
para o óleo de soja. A produção mundial chega a 17 milhões de toneladas/ano
e quem sustenta esta produção são os paises asiáticos. O Brasil tem uma
participação de menos de 0,5% neste mercado internacional e se quiser brigar
por um lugar mais competitivo deve pensar bem. A Malásia, por exemplo,
obteve o título de maior produtora mundial do óleo de palma às custas da
eliminação de quase toda sua mata nativa.
(Por Aline Ribeiro,
OEco, 19/12/2006)