O aposentado Evaldo Silva Rodrigues mora em Arraial do Cabo, no litoral
do Rio de Janeiro, numa área de preservação ambiental. Ali, mesmo os
serviços públicos corriqueiros dificilmente chegam ao consumidor.
Cansado de usar geradores de energia movidos a diesel, poluentes e
barulhentos, Rodrigues apostou há três anos na energia eólica,
beneficiando-se dos ventos abundantes da região. O projeto começou
pequeno, com geração de eletricidade suficiente para manter apenas dez
lâmpadas acesas. Mas se expandiu. Hoje, uma torre com um cata-vento
instalado a 12 metros do chão - chamado de aerogerador - fornece quase
metade do consumo de eletricidade da casa do aposentado.
A rede pública já chegou a Arraial do Cabo, mas Rodrigues nem pensa em
abandonar a geração eólica própria. "Quando acaba a luz na região,
ficamos apenas eu e minha mulher vendo televisão", diz. A participação
dos parques eólicos na matriz energética brasileira ainda é pequena.
Representa 0,0018% do consumo nacional. Mas já permite que 180.000
famílias, como a do aposentado Rodrigues, dêem um tremendo salto para um
mundo onde o caro e poluente petróleo tem participação apenas
coadjuvante.
Gustavo Borges, medalhista olímpico de natação, seguiu caminho
semelhante. Usa coletores solares para o aquecimento das quatro piscinas
de duas academias que mantém em São Paulo e em Curitiba. O sistema
também conta com eletricidade convencional e gás para garantir
temperaturas da água que variam entre 29,5 e 32 graus. Mas, em dias
quentes e ensolarados, o aquecedor solar dá conta do recado. "Em São
Paulo, temos um aproveitamento melhor do que em Curitiba por causa do
maior número de dias de sol, mas nas duas cidades a instalação dos
equipamentos foi um bom negócio", diz o ex-atleta. "Gostei tanto do
sistema que estou construindo uma casa no interior paulista com
aquecimento solar da água."
O potencial brasileiro desse tipo de fonte também é especialmente
elevado. No país, a energia solar média diária que incide em uma
superfície horizontal é de 5 quilowatts-hora por metro quadrado
(kWh/m2). Na Alemanha, que tem realizado grandes investimentos nessa
fonte, é de apenas 3 kWh/m2. Assim como no caso da energia eólica, o
potencial é grande, mas ainda pouco explorado. A participação da energia
captada do Sol na matriz energética nacional é inferior a 1%. Mas,
colocados lado a lado, os coletores usados para o aquecimento de água
ocupariam uma área de 3 milhões de metros quadrados no país, o
equivalente a duas vezes o espaço do Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
Em Belo Horizonte, cidade com o maior número desses aparelhos no Brasil,
um sistema para uma família de cinco pessoas custa 1 500 reais,
investimento que pode ser recuperado em três anos. Além dos coletores,
que são uma espécie de caixas metálicas ou plásticas que aproveitam a
radiação para aquecer diretamente a água (do banho, da cozinha ou de
piscinas), há também aparelhos chamados de módulos fotovoltaicos. Caros
e importados, são capazes de fornecer no país 15 megawatts de energia de
pico (a potência máxima obtida em condições ideais de radiação),
suficientes para abastecer 5 000 residências.
Os inventores
Os técnicos da Magneti Marelli (à esq.) criaram uma versão de motor que
suporta quatro combinações de combustíveis. Fábio Ferreira, da Bosch,
participou do parto do sistema flex: "O pulo-do-gato foi o software, que
analisa a fumaça do escapamento e identifica a mistura que está sendo
usada no tanque do carro"
Exemplos como o do aposentado Rodrigues e o de Gustavo Borges são uma
minoria. No entanto, revelam maneiras inovadoras de como os brasileiros
podem aproveitar-se de uma situação invejável do país, num momento em
que a sustentabilidade ambiental deixou de ser apenas um tema de
conferências para tornar-se uma necessidade. O Brasil está na liderança
de uma revolução. Em 2005, a oferta interna de energia no país atingiu
218,6 milhões de toneladas equivalentes de petróleo. Desse total, 97,7
milhões, ou 44,7%, eram renováveis. Essa proporção contrasta
significativamente com a média mundial, que é de apenas 13,3%. Entre os
países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), a média é de modestíssimos 6% para a participação das
energias renováveis. Essa posição brasileira é resultado,
principalmente, da participação das fontes hidrelétricas e do etanol na
matriz energética nacional. Juntas, representam 28,9% da oferta total de
energia.
A atual vedete brasileira no cenário mundial é o etanol. O Brasil é o
maior produtor mundial de álcool combustível e o faz ao custo mais baixo
do planeta - o litro do produto nacional, obtido a partir da
cana-de-açúcar, custa 33 centavos de dólar, contra 43 centavos de dólar
do equivalente americano, feito do milho. A demanda (interna e externa)
cresce permanentemente. Em novembro, foram licenciados 173.987 veículos
no Brasil, 81,4% deles com motor bicombustível. Eram 3% em 2003. Alguns
fatos mostram a escala desse processo e suas tendências. Ao fim de um
dia de trabalho, um taxista em uma cidade como São Paulo gasta até 18
litros de álcool. Tal nível de consumo exige 7,3 hectares de
cana-de-açúcar por ano, o equivalente a quase sete campos de futebol.
Até aviões são produzidos com motor a álcool. A primeira aeronave de
série no mundo a sair da fábrica com certificado para voar com esse tipo
de combustível foi o Ipanema, construído pela Neiva, unidade da Embraer
em Botucatu (SP). Inovações como essa cercam o setor sucroalcooleiro de
prognósticos otimistas. A produção de álcool no Brasil deve dobrar em
dez anos, passando dos 16 bilhões de litros em 2005 para 36,8 bilhões de
litros em 2015. No mesmo período, as exportações podem passar de 2,6
bilhões de litros para 28,4 bilhões de litros. Existe um total de 89
usinas em projeto ou em construção no país. Elas devem entrar em
operação até 2012 e representam um investimento de 12 bilhões de dólares.
Células do futuro
A cana-de-açúcar, planta que chegou ao Brasil pelas mãos do fidalgo
português Martim Afonso de Souza, em 1532, é ainda um produto com um
pendor à eficiência e à versatilidade. A queima do seu bagaço produz
energia elétrica. Hoje, existem 335 usinas no país e quase todas geram a
própria eletricidade a partir da queima da sobra da cana produzida por
elas. A maioria chega a vender o excedente. A oferta brasileira dessa
modalidade de bioeletricidade chega a 1.642 megawatts (MW) de potência
instalada, o suficiente para abastecer uma área com 3,2 milhões de
habitantes, quase equivalente à população do Uruguai.
O físico Amory B. Lovins, responsável pelo Rocky Mountain Institute
(RMI), um dos principais centros de pesquisa ambiental do planeta, no
Colorado, Estados Unidos, acredita que o sucesso do etanol coloca o
Brasil como referência mundial de uma das três revoluções que estão
transformando os sistemas globais de energia. São elas o uso cada vez
mais eficiente dos recursos disponíveis, a descentralização no
fornecimento e, por fim, o abastecimento renovável. "O Brasil é o líder
dessa terceira frente de transformações e pode assumir o primeiro lugar
também nas outras duas", disse Lovins a VEJA. O especialista acredita
ainda que o mundo em geral e o Brasil em particular têm muito a ganhar
com os "negawatts" - como denomina a eletricidade economizada. Ela pode
resultar de fábricas com grandes janelas, por onde possam entrar luz e
calor, ou mesmo lâmpadas compactas fluorescentes (cinco vezes mais
eficientes do que as incandescentes, que consomem 50% da energia de
iluminação comercial do país e 90% da residencial).
Outra aposta brasileira no campo da agroenergia é o biodiesel. Trata-se
de um combustível que pode ser extraído de ampla variedade de plantas -
soja, mamona, dendê, girassol, amendoim e algodão. Mas é adequado a
veículos grandes, com motores a combustão. Os carros de passeio, que
rodam com álcool ou gasolina, usam ignição por centelha. O Programa
Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, criado pelo governo em 2004,
prevê a adição obrigatória de 2% desse combustível ao diesel a partir de
2008 e o aumento desse porcentual para 5% em 2013. Mas, para cumprir
essas metas, a primeira grande tarefa do governo é organizar a rede de
produção do novo combustível.
O Brasil tem treze usinas autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo
(ANP), instaladas em nove estados. Juntas, elas têm capacidade para
produzir 445 milhões de litros de biodiesel por ano. Para abastecer a
frota nacional e suprir a demanda a ser criada dentro de dois anos,
serão necessários 840 milhões de litros anuais do produto. A ANP
acredita que a construção de 25 usinas, cujo processo está em andamento,
permitirá que o cronograma seja cumprido. Em tese, com o biodiesel será
possível reduzir a despesa com a importação do óleo diesel, o que
proporcionaria uma economia de divisas da ordem de 350 milhões de
dólares por ano. A Alemanha é o maior produtor e consumidor mundial de
biodiesel. O país possui centenas de postos que vendem o combustível
puro, que dispensa o diesel mineral.
Vaivém promissor
A professora Suzana Kahn Ribeiro, da Coordenação dos Programas de
Pós-Graduação de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), acredita que o mundo vai sair da "era do petróleo" para
entrar na "era da diversidade energética". Esse processo avança em
velocidade considerável e com novidades permanentes saindo dos
laboratórios. "Não há dúvida de que passamos pelo período com o mais
elevado nível de inovação tecnológica da história do setor energético",
disse a VEJA Daniel Yergin, presidente da consultoria Cambridge Energy
Research Associates (Cera) e autor do clássico The Prize (O Prêmio),
sobre a indústria do setor, livro com o qual ganhou o Prêmio Pulitzer,
em 1992.
Técnicos e cientistas prevêem cada vez mais a possibilidade de o fim do
consumo do petróleo não se dar por causa do esgotamento de suas fontes
naturais. Ocorrerá, sim, mas pelo aniquilamento da capacidade do planeta
em absorver os gases provenientes de sua combustão - o dióxido de
carbono, por exemplo, é apontado como o grande vilão do efeito estufa,
responsável pelo aquecimento global. Somado às abruptas oscilações de
preço e aos impasses geopolíticos intrínsecos a essas fontes, o problema
ambiental só confere urgência ainda maior à mudança da matriz energética
global. Daí a importância da passagem cada vez mais rápida das pessoas
para o mundo pós-petróleo. Atualmente, os combustíveis fósseis são
responsáveis pelo fornecimento de 75,6% da energia mundial. O que se
pretende é atenuar ao máximo essa participação, ampliando a cota de
fontes limpas, renováveis e que não coloquem em risco a segurança dos
países. A tarefa, contudo, representa um dos maiores desafios que a
humanidade já enfrentou, tanto no aspecto técnico e científico como no
político e econômico. Ponto para as pessoas e empresas que já deram o
salto rumo à vida com novas formas de energia.
O outro diesel
Um programa criado pelo governo federal prevê a adição obrigatória em
todo o Brasil de 2% de biodiesel, feito a partir de óleos vegetais, ao
tradicional óleo diesel. Para cumprir essa meta, a partir de 2008 será
preciso dobrar a capacidade atual de produção do combustível. O
engenheiro químico Miguel Dabdoub, do Laboratório de Desenvolvimento de
Tecnologias Limpas (Ladetel), da USP, em Ribeirão Preto (SP), é um dos
pioneiros nesse ramo de pesquisa e um entusiasta da tecnologia no
Brasil. Ele acredita que será possível substituir totalmente o diesel
tradicional pelo equivalente vegetal. Em países como a Alemanha, esse
processo de troca já começou. "No Brasil, a substituição só vai depender
do desafio de produzir óleos vegetais na escala adequada, pois, sob o
aspecto técnico, não há empecilho", diz. O pesquisador já testa uma
mistura de 30% de biodiesel, produzido a partir de soja e mamona, em
caminhões de uma distribuidora de refrigerantes do interior paulista.
Piruetas do contador
Em domingos ensolarados, sobra energia no edifício de quatro andares em
Porto Alegre (RS) onde moram o eletrotécnico alemão Hans Dieter Rahn e
outras nove pessoas. Rahn, há 55 anos radicado no Brasil, instalou no
prédio um sistema que converte a radiação solar em energia elétrica. O
modelo é formado por 45 painéis fotovoltaicos que ocupam uma área de 40
metros quadrados. Durante a semana, quando estão abertos o escritório e
a loja que funcionam no prédio, as placas fornecem 20% do consumo total
de energia. No Brasil, existem perto de vinte sistemas semelhantes ao de
Rahn. São poucos porque são caros. O eletrotécnico gastou 40.000 reais
com os equipamentos. Uma instalação convencional custaria 1.000 reais.
Rahn espera zerar o investimento em quinze anos. "Vale a pena dar esse
passo para o futuro", diz o eletrotécnico.
Apesar de os painéis fotovoltaicos não serem comuns, outro aparelho, o
coletor de energia solar usado no aquecimento de água, é popular em
algumas regiões do Brasil. Em Belo Horizonte, a cidade com o maior
número desses equipamentos no país, um sistema para uma família de cinco
pessoas custa 1.500 reais, um investimento que é recuperado em três
anos. "O governo devia criar uma bolsa solar", diz Elizabeth Pereira,
coordenadora do Green Solar (Centro Brasileiro para Desenvolvimento da
Energia Solar Térmica), com sede na PUC-MG. Há 3 milhões de metros
quadrados desses coletores no Brasil, numa área equivalente a dois
parques como o do Ibirapuera, em São Paulo. Oitenta por cento deles em
600 000 residências. Os 20% restantes ficam em hotéis, hospitais e
restaurantes.
Com o vento a favor
O Brasil está construindo uma usina de torres eólicas que será a maior
da América Latina e uma das quatro maiores do mundo. Trata-se do Parque
Eólico de Osório, no litoral norte do Rio Grande do Sul. São 75 torres
de 98 metros de altura, cada uma equivalente a um prédio de 25 andares.
Elas sustentam aerogeradores ao longo de filas de até 12 quilômetros de
extensão. O complexo, que deve entrar em operação total em janeiro de
2007, terá capacidade instalada de 150 megawatts, o suficiente para
atender ao consumo residencial de 650 000 pessoas. O Brasil ainda faz
uso incipiente desses cataventos gigantes. A energia eólica representa
0,0018% do consumo de energia nacional. São somente 180 megawatts
instalados, que podem atender 180 000 famílias. Mas a tecnologia tem
grande potencial no país. Levantamento publicado em 2001 pelo Centro de
Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) indica que o Brasil teria
condições de gerar 143 500 megawatts de energia a partir do vento, o
correspondente à capacidade de onze usinas como Itaipu. Atualmente, a
energia eólica representa 0,8% do mercado mundial de eletricidade. A
expectativa é que alcance um terço da energia elétrica consumida no
planeta em 2030.
(Por Carlos Rydlewski,
Veja,
20/12/2006)