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2006-12-19
Uma das teorias mais difundidas e aceitas nos últimos tempos, no campo da biologia marítima, diz que, quanto mais profundas as águas dos mares, menores são as chances de nelas existirem formas de vida – ainda que sejam microorganismos. Motivo: a falta de luz e de nutrientes abaixo de dois mil metros de profundidade dificultariam o desenvolvimento de qualquer espécie. O Censo da Vida Marinha, um projeto que envolve mais de dois mil pesquisadores em 80 países, acaba de causar uma reviravolta nos mares. Foram encontradas exatamente 500 novas manifestações de vida, muitas delas mergulhadas a mais de cinco quilômetros de profundidade e jamais vistas anteriormente pelo homem.

Nas profundezas do oceano Atlântico, na linha do Equador, cientistas ingleses da Universidade de Southampton identificaram uma inusitada espécie de camarão habitando fontes termais. Essas formações geológicas são verdadeiras “chaminés” que expelem no solo oceânico a água contida no interior da Terra – funcionando como válvulas de escape para compensar as diferenças de pressão. A temperatura, ali dentro, é a mais alta já registrada nos mares: 407 graus Celsius, o suficiente para derreter placas de chumbo. “Jamais pensamos encontrar camarões barbados em um ambiente tão hostil”, diz o oceanógrafo britânico Chris German.

Vivendo no mais completo breu e em regiões nas quais a pressão é enorme, raros crustáceos foram encontrados no mar de Sargaços, no Atlântico norte. Detalhe: a cinco mil metros abaixo da superfície. E próximo às Filipinas, os biólogos também acharam estranhas espécies de camarão cuja existência só pôde ser comprovada até hoje a partir de fósseis. Essa é uma das mais maravilhosas revelações do Censo Marinho, porque a ciência jurava que esse tipo de “criatura” estava extinto há cerca de 50 milhões de anos – e, justamente por isso, já se apelidara essa forma de vida de “camarão jurássico”.

Na costa de Portugal, navios oceanográficos detectaram a presença de micróbios que, para se protegerem de predadores naturais, desenvolveram conchas como se fossem caracóis. Mas esses “bichos” chamaram menos a atenção dos cientistas se comparados ao Kiwa hirsuta, uma espécie de caranguejo que tem o corpo coberto por pêlos e mora na escuridão do oceano Pacífico, perto da ilha de Páscoa. Para fazer esse preciso e rico raio X dos mares, os 17 times principais de pesquisadores utilizaram as mais modernas ferramentas de prospecção. A Alemanha, por exemplo, colocou na água o Polarstern, o mais caro navio oceanográfico do mundo, equipado com a mais sofisticada aparelhagem de pesquisa – atualmente ele está circulando pela Antártica e estuda as águas que ficaram expostas à luz solar depois que um gigantesco bloco de gelo se desprendeu e ficou à deriva. Ali, os cientistas alemães já identificaram uma comunidade de águas-vivas e, quem diria, a 700 metros da superfície – ou seja, não são nada parecidas com aquelas que às vezes queimam nossos pés e pernas no litoral.

Também o movimento migratório de alguns animais está sendo analisado e, para isso, os especialistas se valem de GPS e de sensores de radiofreqüência. Cerca de 20 espécies marinhas foram “marcadas” com esses rastreadores: entre elas estão leões marinhos, tubarões, peixes e polvos. Foi assim que o professor americano Nicholas Makris, da Northeastern University, identificou um cardume com 20 milhões de exemplares que, no fundo do mar, ocupa uma área equiparável à da ilha nova-iorquina de Manhattan. Sabendo as coordenadas geográficas seguidas pelos peixes, foi possível fotografá-los em diversas regiões através de satélites especiais – anteriormente os satélites só conseguiam “enxergar” e individualizar cardumes de até 100 metros quadrados. Com o novo sistema, a visualização melhorou dez mil vezes. “Agora poderemos estimar os estoques pesqueiros com mais precisão”, diz Makris. “E sabemos que o cálculo dos estoques precisa ser refeito para se avaliar o impacto da pesca.” Segundo Makris, mesmo considerando-se a atividade pesqueira, nunca se descobriram tantas espécies de peixe como agora. Ao longo de 2006, os pesquisadores do Censo Marinho flagraram, em média, duas espécies por semana, um índice que tende a aumentar à medida que equipamentos mais potentes forem introduzidos.

O rastreamento dos peixes revelou aspectos curiosos. O atum de cauda azul, por exemplo, é um dos mais rápidos do oceano Pacífico – chega a nadar numa velocidade de quase 70 quilômetros por hora. Marcados com dispositivos que emitem sinais de rádio captados pelas embarcações científicas em alto-mar, esses animais foram monitorados durante 600 dias, tempo que levaram para realizar três vezes a travessia do Pacífico, entre o Japão e os EUA, percorrendo uma distância suficiente para dar uma volta em torno da Terra pela linha do Equador.

Também uma espécie de pássaro foi estudada. Conhecida no Brasil pelo nome popular de bobo-escuro, ela voou 70 mil quilômetros em 200 dias, formando um grande oito no oceano Pacífico, começando do Havaí, passando pela Nova Zelândia, a Polinésia e o Japão, antes de retornar ao arquipélago havaiano. “Tudo isso em busca de alimento”, diz Ron O’Dor, cientista sênior do Censo Marinho. Em quatro anos, prazo máximo para o término definitivo das pesquisas, o fundo dos mares e o comportamento das “criaturas” marinhas estarão completamente decifrados. Para O´Dor, isso acabará com muitos mistérios e muitas fantasias. E aumentará ainda mais o fascínio que emerge das profundezas dos nossos sete mares.
(Por Julio Wiziack, Isto É, 20/12/2006)
http://www.terra.com.br/istoe/

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