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2006-12-18
O Rio Grande do Sul está na rota dos Estados brasileiros que deverão enfrentar a dura realidade do passivo humano-ambiental causado pela exposição de trabalhadores ao amianto. Esta é uma das constatações indiretas da tese de doutorado “A construção da desproteção social no contexto histórico-contemporâneo do trabalhador exposto ao amianto”, da pesquisadora Dolores Sanches Wünsch, do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Tal conclusão não é uma evidência, mas fruto de um processo de reconstrução do quadro histórico-social cuja recomposição vem sendo sistematicamente dificultada pela falta de informações estatísticas sobre o adoecimento de trabalhadores expostos à fibra e pela invisibilidade do processo de adoecimento – os males causados pelo amianto não são facilmente detectáveis e demoram, em média, 20 a 30 anos para se manifestar. Além disto, é corrente a idéia errônea de que basta cessar a exposição para que cesse igualmente o risco de adoecimento. Tal noção contribui ainda mais para que a questão dos riscos do uso do amianto seja relegada, impedindo o desvelamento da real situação das pessoas que já tiveram ou têm contato com o mineral.

Mecanismos ocultados
Segundo Dolores, “o amianto é uma bomba-relógio que está para detonar nos próximos 20 a 30 anos nos países em desenvolvimento”. Isto porque o uso do mineral intensificou-se a partir dos anos 70 e 80 e mesmo com o recente banimento em alguns estados, no caso do Brasil, o efeito da latência passará a ser experimentado. “E possivelmente esses trabalhadores que estarão doentes estarão também sem proteção social, pois eles passam por diferentes empregos, vão adoecendo e perdem o vínculo”, observa a pesquisadora.

Além de não haver dados da Previdência Social, do Ministério da Saúde ou do Ministério do Trabalho que mapeiem adequadamente o contingente de doentes por exposição ao amianto, há outros mecanismos de ocultação social do problema. Um deles é a dificuldade de nexo causal, ou seja, de associação da doença à exposição no ambiente de trabalho. Outro é a “descrença sobre o real risco de adoecimento, pelo lado do empregador, e da inexistência de doenças associadas, pelos órgãos governamentais”. E há também uma falsa associação de que a doença esteja relacionada somente ao período temporal de exposição, ou seja, “durante a utilização do amianto no processo produtivo”. Para complicar ainda mais, falta o monitoramento, por parte de ações de vigilância à saúde, das pessoas já comprovadamente doentes.

Mortes no RS
A pesquisa de Dolores voltou-se à realidade de uma grande indústria do setor de autopeças localizada na região da Serra gaúcha. O estudo teve início em 2000, ano em que foi realizado, em Osasco (SP), um congresso mundial sobre doenças relacionadas ao amianto. “Foi então que constatamos que, no Rio Grande do Sul, o setor de autopeças é o mais exposto à fibra”, afirma. Mesmo assim, não há muitos dados sobre o adoecimento de trabalhadores em empresas desse setor. “Segundo o Núcleo de Informações sobre Saúde (NIS) da Secretaria de Saúde do Estado, de 1999 a 2003, foram registradas 25 mortes por mesotelioma (tumor maligno) e duas por asbestose (fibrose pulmonar). No entanto, não se dispõe de maiores informações sobre esses óbitos, mas apenas a faixa etária e a freqüência por município. Essas informações sinalizam, de forma imprescindível, a necessidade de se promover vigilância em saúde voltada, em especial, para as patologias inerentes às condições de trabalho e que possam se manifestar a longo prazo, bem como pela completa ausência de informações sobre os trabalhadores vitimados, como se constatou na busca ativa dos que foram a óbito, a qual foi realizada junto às Secretarias de Saúde dos municípios relacionados”, analisa Dolores.

Neblina e interdição
A empresa alvo do estudo conta com uma média de 2 mil trabalhadores e foi fundada na década de 50. Dolores chegou às informações sobre as condições de saúde dos trabalhadores locais por meio de pesquisa indireta e do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica de Caxias do Sul. “Muitos trabalhadores passaram por essa empresa, e a maior exposição ocorreu nas décadas de 80 e 90, quando o amianto foi utilizado em maior quantidade”, relata. “O amianto chegava em estado bruto, era prensado e cortado manualmente para a produção de pastilhas de freio e outros tipos de autopeças”, afirma.

Na década de 80, o sindicato começou um trabalho com os expostos ao amianto, mas não havia uma iniciativa por parte da empresa. “Em 1991, a DRT [Delegacia Regional do Trabalho] interditou um setor da empresa porque não havia exaustores, nem controle algum da exaustão”, lembra Dolores. De acordo com ela, o fato foi desencadeado principalmente porque a concentração de fibras no ambiente industrial estava muito além do permitido pela Norma Regulamentadora (NR) 15 do Ministério do Trabalho, que trata de insalubridade. “A norma prevê como limite de concentração para exposição do trabalhador a quantidade de duas fibras por centímetro cúbico. Na época, foi realizada uma medição e constatou-se haver 50 fibras por centímetro cúbico. Parecia haver uma neblina permanente no local”, conta.

Controle ou banimento?
Foi a partir da década de 90, quando a empresa ampliou sua atuação junto ao mercado exportador, que intensificou-se também a pressão pelo banimento do uso do amianto. Contudo, de parte do setor industrial, passou a se fortalecer a tese do uso controlado, sob o argumento de que, com os devidos cuidados de controle ambiental, a fibra não traria agravos à saúde. Tal sustentação teve início já em 1986, com a Convenção 162, resultante da 72ª reunião da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual estabelece normas sobre a utilização do amianto em condições de segurança. No mesmo ano, a Recomendação 172 da OIT emitiu recomendações de diretrizes para a utilização do mineral em condições de segurança. E, em 1989, foi firmado um acordo nacional pelo uso do amianto em condições de segurança, o qual foi assinado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indúistria (CNTI).

Esse acordo é revisto a cada três anos e vem sendo homologado, sistematicamente, pelo Ministério do Trabalho. A idéia de controle, contudo, não ganha apoio em uma boa parcela da sociedade. “A Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) defende que não existe comprovação científica de que o uso controlado não seja nocivo”, aponta Dolores. Mesmo assim, em 1995 foi aprovada, em nível nacional, a Lei 9.055, a qual garante o uso do amianto, mantendo as normas relativas à crisotila (um dos tipos dessa fibra), segundo os acordos internacionais ratificados. Essa lei, regulamentada pelo Decreto 2.350, de 15 de outubro de 1997, regula o uso controlado do amianto no território nacional, disciplinando a extração, industrialização, a utilização, a comercialização e o transporte, restringindo à variedade crisotila. Na prática, ela traduz o posicionamento do governo brasileiro em contraposição à proposta das centrais sindicais, que propunham a substituição do mineral, mesmo que gradativamente.

“Essa legislação estabelece também a obrigatoriedade de encaminhar ao Sistema Único de Saúde (SUS) e aos sindicatos representativos dos trabalhadores a listagem completa dos empregados, constando a indicação do setor, da função, da idade, da data de admissão e da avaliação médica periódica com o respectivo diagnóstico, bem como a necessidade da realização do acordo entre sindicatos de trabalhadores e empresas com observância de normas de segurança e saúde no trabalho, os quais deverão ser encaminhados para as Delegacias Regionais do Trabalho”, explica Dolores. Ela acrescenta que a mesma lei “estabelece a obrigatoriedade de as empresas se cadastrarem junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, sendo que atualmente, no Brasil – dados de 2004 –, 168 possuem cadastro, cujo número obtido deve ser obrigatoriamente apresentado quando da aquisição da matéria-prima junto ao fornecedor, que, por sua vez, só poderá entregar a mesma às empresa cadastradas”.

Substituição
Mesmo antes de entrar em vigor o uso controlado, empresas do setor de autopeças que usam amianto – entre as quais a que foi alvo da pesquisa – já vinham trabalhando pela substituição do produto. Essa mobilização teve início em 1994. Nesse ano, foi consolidado um acordo que permitia a empresas do ramo adotarem medidas visando a substituir o mineral. “Na ocasião, por iniciativa do Ministério do Trabalho, foi criada uma comissão interinstitucional e firmado um protocolo de intenções para a realização de estudos conjuntos envolvendo as entidades empresariais e de trabalhadores, visando a substituição do amianto nesse setor de industrialização”, recorda-se Dolores. Ela acrescenta que participaram da comissão coordenadora dos trabalhos as seguintes entidades: Central Única dos Trabalhadores, Força Sindical, Sindipeças (patronal), Fundacentro e Ministério do Trabalho. “A comissão concluiu os trabalhos propondo, de forma consensual, a substituição do amianto na fabricação de autopeças até 31 de dezembro de 1997 e o término da comercialização em 30 de junho de 1998. A proposta de acordo para a substituição do amianto no setor de autopeças, porém, não extrapolou as fronteiras de São Paulo.” Observou-se, então, uma franca contradição, pois, segundo o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de Osasco e região, “os principais fabricantes informaram, na época, que se encontravam aptos a fabricar e a comercializar todos os seus produtos automotivos sem amianto em quatro anos, bem como, desde 1985, já forneciam, para fins de exportação, produtos isentos do mineral”, assinala a pesquisadora.

Estados proibiram isoladamente
Em alguns estados, a partir de 2001, foram aprovadas leis de proibição do uso do amianto. Neles incluem-se São Paulo (nos municípios de São Paulo, Osasco, Mogi Mirim, Bauru, São Caetano do Sul, Campinas e Ribeirão Preto), Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. “Todas as leis contêm medidas de banimento progressivo da produção e comercialização. No Rio Grande do Sul, a lei estabelece três anos para os estabelecimentos industriais e quatro anos para o comerciais e adequarem a ela”, afirma a pesquisadora. Contudo, não faltaram na Justiça Ações Diretas e Inconstitucionalidade (Adins) para contestar as leis estaduais, sob o argumento de tratar-se de matéria de competência federal.

Rio Grande do Sul
No Rio Grande do Sul, em junho de 2001, foi aprovada a Lei nº 11.643, que dispõe sobre a proibição de produção e comercialização de produtos à base de amianto no Estado, concedendo três anos para as empresas industriais e quatro para os estabelecimentos comerciais. A lei vem acompanhada de um protocolo de vigilância à saúde da população e dos trabalhadores expostos, o qual foi apresentado na Oficina Nacional. A Secretaria de Saúde do Estado, através da Política de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (PAIST), a partir de algumas iniciativas conjuntas com a DRT, passou a visitar as empresas que utilizam o mineral, exigindo informações sobre os trabalhadores expostos, em especial, o monitoramento quanto aos exames periódicos. Num mapeamento inicial, a Secretaria de Saúde do Estado, com fonte no cadastro do Sebrae, constatou, em 2000, 23 empresas industriais que utilizavam o amianto como matéria-prima, num total de 2.333 trabalhadores expostos no Estado.

A Cidade de Caxias do Sul, na Serra gaúcha, era o local que apresentava o maior índice de trabalhadores expostos, totalizando 82%, dos postos de trabalho, ou seja, 1.917 trabalhadores estavam atuando, nessa data, em empresas metalúrgicas, na confecção, reparação e fabricação de peças e acessórios para veículos automotivos, como lonas e pastilhas de freios. Nesse mesmo ramo, foram encontrados mais 71 trabalhadores em outras regiões do Estado.

Os demais expostos concentravam-se na Região Metropolitana de Porto Alegre e atuavam na produção de artefatos de fibrocimento e cimento para construção, que tem como produto principal caixas d água, constituindo-se no segundo maior segmento de expostos, com 204 trabalhadores empregados. Outras empresas foram identificadas pelo cadastro com os seguintes produtos: fabricação de estruturas pré-moldadas de cimento armado, tubo de cimento amianto, artefatos de borracha para uso industrial, veículos e máquinas como anel de vedação e borracha de vedação, e também confecção de roupas profissionais impermeáveis.

Poucos realizam exames
A legislação que obriga a realização de exames pós-demissionais, baseada em conhecimento científico, tem-se revelado inoperante. Isto porque o número de trabalhadores que realizam o pós-demissional é mínimo. “A partir de informações obtidas junto à Vigilância em Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, estima-se que apenas entre 5% e 30% dos trabalhadores voltam à empresa para a realização periódica dos exames, de acordo com o ramo produtivo”, aponta Dolores. Esse exame deveria ser feito a cada três anos até serem completados 30 anos do fim da exposição do trabalhador à fibra. “Tivemos situações bastante contraditórias. Dois trabalhadores praticamente da mesma idade, com diagnóstico de mesotelioma. Um foi reconhecido pela empresa, o outro não. Esse último fez o diagnóstico fora”, compara a pesquisadora. Conforme ela, muitas vezes os exames médicos são superficiais. “Não se pergunta se o trabalhador este exposto ao amianto, mas se ele era ou não fumante”, conta Dolores, dizendo que essa é uma das estratégias para procurar desvincular doenças já manifestas da exposição ao amianto. “Os médicos não têm preparo, ou então têm a idéia de que não existem doenças relacionadas à exposição ao amianto”, ressalta Dolores. “Tem que haver uma legislação mais rigorosa e uma política de reconhecimento legal”, defende.

Invisibilidade
A grande conclusão da tese de Dolores Wünsch está na grave invisibilidade criada e mantida culturalmente em torno do problema da exposição ao amianto e seus efeitos. “Chama a atenção, na tese, o nexo silenciado. Na Europa, chamam de conspiração do silêncio. É como se, por onde andássemos, enxergássemos o que a sociedade não vê, porque há uma secundarização do papel do trabalhador no capitalismo. Há uma dispersão de informações e, quanto maior a dispersão, mais distante se fica do processo. Todo mundo conhece alguém que já morreu por causa do amianto, mas essas pessoas estão em tempos e em espaços diferentes. E ao dizerem que agora não se usa mais amianto, querem colocar um ponto final em algo que não acabou, pois a latência dos efeitos persiste”, conclui.

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(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 18/12/2006)

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