Uma descoberta anunciada ontem (14/12), em Cachoeira do Sul, na região central do Estado,
pode mudar a história dos dinossauros na face da terra. O pivô da suposta revolução é um
fóssil de 228 milhões de anos localizado no interior do município de Agudo em 2004 pela
equipe de paleontologia da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
Depois de quase oito meses de pesquisas no campus de Cachoeira, os estudiosos descobriram
que os ossos encontrados no Sítio Janner, em Linha Várzea do Agudo, pertenciam a um
dinossauro desconhecido no meio científico. Embora os restos mortais do animal já
estivessem desarticulados, emergiram da terra quase 80% do crânio, pedaços completos da
mandíbula e boa parte da estrutura óssea - um verdadeiro quebra-cabeças, com peças
praticamente intactas.
- Naquela época, recolhemos muito material na região e levamos para o laboratório, mas
apenas em abril deste ano começamos a trabalhar no dinossauro. Só então percebi que havia
algo diferente nele - relembra o paleontólogo Sergio Furtado Cabreira, que batizou o achado
de Ulbra PVT016.
À primeira vista, tratava-se de um dinossauro carnívoro - em função dos dentes pontudos e
serrilhados -, muito semelhante aos outros quatro já encontrados no mundo, que viveram no
período Triássico. Esses répteis eram característicos da primeira fase
dos dinossauros na terra e tinham, em geral, apenas duas vértebras.
O esqueleto encontrado apesar de ser da mesma época, apresenta uma estrutura pélvica bem
mais complexa, formada por cinco vértebras conectadas entre si - uma característica que
até então se restringia apenas aos dinossauros mais evoluídos, segundo ele.
Nome científico só deve ser definido em cinco anos
Embora essa discrepância possa parecer mínima, para quem se dedica ao estudo dos
dinossauros a descoberta significa muito. Segundo o chefe do Departamento de Paleontologia
e Estratigrafia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Cesar Leandro
Schultz, o fóssil apresentado pode mudar os rumos das pesquisas na área.
- Esse dinossauro é um elo entre as formas primitivas e as mais evoluídas da espécie. É
uma descoberta importantíssima, porque pode nos ensinar muito sobre esses animais - afirma
Schultz.
Para Cabreira e sua equipe, a descoberta de três vértebras a mais no fóssil pode ser um
forte indício de que a evolução dos dinossauros foi mais rápida do que se supunha.
- É possível fazer essa afirmação, pois o Ulbra PVT016 já exibia uma estrutura óssea muito
parecida com aquela de dinossauros que surgiram apenas 20 milhões de anos depois. Ele
poderá ser considerado o ancestral dos dinossauros - diz.
A descoberta não foi apresentada em periódicos científicos, mas ganhou notoriedade no
Paleo 2006, um encontro de paleontólogos gaúchos ocorrido na Universidade do Vale dos
Sinos, na semana passada.
É uma descoberta séria e muito importante"
Entrevista: Max Cardoso Langer, paleontólogo da USP
Embora ainda não tenha sido alvo de publicações científicas, a descoberta anunciada em
Cachoeira do Sul já repercute no meio acadêmico. O professor da Universidade de São Paulo
(USP) em Ribeirão Preto Max Cardoso Langer, uma das principais autoridades brasileiras em
dinossauros, confirmou ontem por telefone a Zero Hora a importância do achado na Região
Central.
Zero Hora - Qual é a importância da descoberta desse dinossauro?
Max Cardoso Langer - Eu tive a oportunidade de ver imagens do material e posso afirmar que
se trata de uma descoberta muito importante para a paleontologia. É um material rico e
apresenta um dinossauro bem diferente daqueles que já foram encontrados e que viveram no
Triássico.
Zero Hora - Isso pode provocar uma revolução na paleontologia mundial?
Langer - Revolução é um termo forte. Mas sem dúvida se pode dizer que esse fóssil é um elo
entre os primeiros dinossauros e os dinossauros mais evoluídos. É uma descoberta muito
importante, porque traz novas perguntas. Outra coisa a destacar é que muitas vezes,
quando se sabe que uma descoberta é feita em uma universidade menor ou do Interior, ela
não recebe crédito. Nesse caso, sem dúvida, é um trabalho sério e importante, que pode ser
noticiado.
Revelação em debate
A notícia do novo dinossauro encontrado em Agudo, considerado por alguns pesquisadores o
elo perdido na cadeia evolutiva desses animais, já está sendo discutida por especialistas
brasileiros. Com a divulgação oficial da novidade, o debate está posto.
Embora experts como Max Cardoso Langer, da Universidade de São Paulo (USP), e Cesar Leandro
Schultz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaquem a descoberta
como promissora, outros ainda duvidam.
- Acredito que não existe a possibilidade de um dinossauro ser primitivo e ter cinco
vértebras. Provavelmente há algum problema de interpretação que precisa ser averiguado -
avalia o paleontólogo Jorge Ferigolo, do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica
do Rio Grande do Sul.
Para o coordenador do Laboratório de Estratigrafia e Paleobiologia da Universidade Federal
de Santa Maria, Átila Augusto Stock da Rosa, é preciso aprofundar a pesquisa.
- Qualquer dinossauro que se encontre é um tesouro, mas essa descoberta só poderá receber
crédito de fato no momento em que virar uma publicação científica - afirma Rosa.
Diante das críticas, o paleontólogo Sergio Furtado Cabreira, responsável pela descoberta,
diz que ainda serão necessários cerca de cinco anos de estudo para que os resultados finais
sejam publicados. Trata-se de um trabalho árduo.
- Ainda há muito o que fazer - diz.
Caminhos da ciência
Da descoberta de um fóssil até seu reconhecimento no meio científico, um longo caminho é
percorrido. Após a coleta do material, conforme o paleontólogo Cesar Leandro Schultz, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é feito o registro em alguma
instituição de Ensino Superior. Só depois o fóssil pode ser analisado.
- Na UFRGS, temos fósseis coletados em 2003 que ainda não terminamos de estudar - afirma
Schultz.
Em alguns casos, os pesquisadores enviam artigos para revistas científicas apenas ao final
da pesquisa. Ao chegar na editora, o texto costuma ser lido por diferentes consultores, que
exigem alterações. Até a impressão do trabalho, pode se passar mais de um ano. Por isso
muitos estudiosos anunciam as descobertas antes a fim de garantir seu ineditismo e manter
informadas as comunidades.
(Por Juliana Bublitz,
Zero Hora, 15/12/2006)