A Usina Hidrelétrica de Foz do Chapecó, a ser construída no Rio Uruguai, na divisa dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, recebeu, no início deste mês, autorização definitiva do Ibama para começar as obras da barragem que deve gerar até 855 megawatts (MW) de energia para as regiões Sul e Sudeste do país.
Com as licenças prévias (LP) e de instalação (LI) concedidas pelo órgão ambiental, que também autorizou, no último dia 11, a supressão da vegetação do canteiro de obras, o problema agora passa a ser o passivo social do empreendimento, ou seja, o estabelecimento de critérios de inclusão e indenização das famílias atingidas pelo consórcio Foz do Chapecó Energia, formado pela CPFL Energia (grupo privado composto, entre outros, pelas empresas Bradesco, Votorantim e Camargo Corrêa), acionista em 51%, Furnas, acionista em 40%, e CEEE, acionista em 9%. Para o início das obras, faltaria ainda, segundo o governo, a apresentação do plano de realocação dos atingidos.
A princípio dispostas a negociar as condições de desapropriação e indenização com o consórcio, as famílias que vivem e trabalham nos cerca de 20 mil hectares reivindicados pela hidrelétrica denunciam agora que a falta de entendimento tem levado os empreendedores a adotar métodos violentos para forçar a saída das famílias.
Acampados há cerca de 19 meses em uma propriedade na comunidade de Volta Grande, município de Alpestre (RS), onde deve ser instalado o canteiro de obras, agricultores ligados ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) denunciam casos de despejos forçados, quando valores considerados muito baixos foram depositados em juízo e as famílias retiradas de sua casa por ação judicial ou policial. Também há denúncias de que casas foram incendiadas assim que seus moradores as abandonaram.
Segundo Mauro Bremm, liderança local, um caso emblemático é o da agricultora Clementina, uma senhora de 64 anos que mora sozinha em Volta Grande. Proprietária de uma área de 4,5 hectares com pastagem formada, uma casinha e várias benfeitorias, Dona Clementina não teria sido procurada pelos empreendedores, que depositaram R$ 47 mil em sua conta e enviaram, na manhã desta quinta (14/12), cerca de 100 policiais e um oficial de Justiça para fazer o despejo. “Este valor não compra sequer uma área similar aqui na região, onde as terras estão valorizando rapidamente. Ela está apavorada”, diz Bremm.
De acordo com o MAB, o consórcio Foz do Chapecó Energia considera como atingidos apenas os proprietários de terras que serão alagadas e que se cadastraram até 2002, cerca de 2 mil famílias. Já o movimento fala em 3,5 mil famílias de 13 municípios gaúchos e catarinenses, ou 15 mil pessoas de 115 comunidades. Volta Grande, por exemplo, comunidade com cerca de 150 famílias, ficará completamente ilhada quando a barragem estiver cheia, e nenhuma das famílias será indenizada, afirma Bremm.
Segundo o deputado estadual gaúcho Frei Sergio Görgen (PT), que participou nesta quarta (13/12) de uma assembléia dos atingidos em Águas do Chapecó (SC), e que enviou um relatório aos poderes municipais, estaduais e federal, os agricultores acusam o empreendimento de “uso sistemático da força, imposição pelo medo e demonstração de poder frente aos atingidos e aos poderes locais; tratamento discriminatório nas indenizações, pagando muito para alguns e subavaliando outros; método bárbaro de retirar famílias que não concordaram com os valores propostos nas indenizações”, entre outras críticas.
“Por enquanto, a ação do consórcio é no local de instalação do canteiro de obras, mas só neste pequeno espaço, na versão dos atingidos, 20 famílias não receberam nenhum tipo de compensação e foram ou estão sendo obrigadas a abandonar à força o local”, afirma o deputado.
Por outro lado, pondera Frei Sergio, os empreendedores têm enfrentado problemas. “O consórcio não conseguiu vender energia futura no último leilão da Aneel em novembro de 2006, o cronograma da obra está atrasado, a construtora Camargo Corrêa estaria abandonando a região, não se sabe exatamente por que motivo, e os sócios do consócio estariam tendo desacordos freqüentes - o que estaria comprometendo todo o empreendimento - e estaria gerando a pressa em demonstrar que a obra está deslanchando para não provocar novos abalos societários. Isto explicaria o açodamento e o nível de barbárie praticado pelos operadores do empreendimento na beira do rio”.
Segundo Mauro Bremm, o Ministério das Minas e Energia marcou uma audiência com os atingidos para o próximo dia 21, em Brasília, para receber as reivindicações dos agricultores. A reportagem procurou a empresa Furnas no fim da tarde desta quinta (14/12), mas nenhuma das ligações para os escritórios do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília foi atendida.
(Por Verena Glass,
Agência Carta Maior, 14/12/2006)