Novo ancestral
Um novo capítulo na história evolutiva dos dinossauros pode ter sido aberto no Brasil. O motivo é um fóssil descoberto no município de Agudo, região central do Rio Grande do Sul. Encontrado por uma equipe da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), o achado está sendo considerado pelos pesquisadores como “pai dos grandes terópodes” (dinossauros bípedes e carnívoros) do período Jurássico (de cerca de 200 milhões a 145 milhões de anos atrás).
“Ele preenche uma lacuna de 28 milhões de anos de evolução”, disse o paleontólogo Sérgio Furtado Cabreira, que coordenou a análise. Segundo o pesquisador, o animal apresentava características muito evoluídas para a época, que o aproximam dos dinossauros do Jurássico.
O fóssil foi encontrado na Formação Santa Maria, em rocha de idade Carniana (de 228 milhões a 216,5 milhões de anos atrás), do Triássico Superior. Nesse período viviam animais mais primitivos, os terópodes basais (pouco derivados) do grupo Herrerosauria – como o Herrerassaurus ischigualastensis e o Eoraptor lunensis, encontrados na Argentina, e os “brasileiros” Staurikosaurus pricei e Guaibasaurus candelariensis.
“Esses quatro terópodes basais são tidos como ancestrais dos neoterópodes jurássicos”, explicou Cabreira. A classificação, no entanto, é vista com ressalvas pelo pesquisador, pois os herrerassauros não apresentam características fundamentais dos neoterópodes, como estrutura da pelve, tamanho do ílio e número de vértebras sacrais.
O novo dinossauro, ainda sem nome, está sendo chamado pelos pesquisadores como “dino da Ulbra”. Mais estudos serão necessários para que se possa pensar em uma classificação científica. Segundo Cabreira, o animal tem peculiaridades que só apareceriam 28 milhões de anos mais tarde, no grupo Ceratosauria, no Jurássico. “Para ser um ceratossauro, é preciso que o animal tenha cintura pélvica com, no mínimo, cinco vértebras sacrais unidas e articuladas com o ílio, que também é maior”, disse.
É da cintura pélvica que saem os ossos dos membros inferiores e da cauda. O número maior de vértebras sacrais, a fusão entre elas e o aumento do ílio (onde as vértebras se encaixam) dão maior rigidez à cintura pélvica do animal e maior estabilidade aos movimentos, ou seja, um avanço evolutivo.
Para a equipe da Ulbra, tais características podem implicar a paternidade dos dinossauros do Jurássico. “Acreditava-se que os herrerassauros foram evoluindo gradativamente nesses 28 milhões de anos, partindo de duas vértebras sacrais até chegar a cinco. Mas o achado indica que já existiam animais mais evoluídos no Triássico, ao lado dos dinossauros primitivos”, afirma Cabreira.
Pequeno notável
O dinossauro agora divulgado tinha meio metro de altura, 1,5 metro de comprimento e cerca de 12 quilos. Foi encontrado em dezembro de 2004. Os ossos foram achados dispersos em uma área de rocha de um metro por 80 centímetros. São 32 vértebras desde a coluna cervical à caudal, dois fêmures, duas tíbias, duas fíbulas, ossos da pata e do membro anterior, entre outros. Todos em perfeito estado de conservação. “É possível ver detalhes anatômicos, como a serrilha dos dentes.”
“Passada a euforia do anúncio da descoberta, é preciso cautela. Há muito trabalho pela frente”, afirma Cabreira. Da descoberta até sua apresentação à imprensa, que será feita na manhã desta quinta-feira (14/12), em Cachoeira do Sul (RS), o fóssil passou por diversos estudos de classificação, entre eles o de cladística, método utilizado para tentar achar as relações de parentesco entre organismos. Em um programa de computador foi listada uma série de informações filogenéticas do animal e feito um diagnóstico comparado com as informações existentes de outros dinossauros.
“Não há a menor dúvida quanto à natureza extraordinária do achado, que altera sensivelmente o que podemos esperar de evolução e origem dos dinossauros”, afirma Cabreira. A discussão sobre o animal foi aberta a outros cientistas, como os geólogos Átila Augusto da Rosa, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, e César Shultz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
(Por Murilo Alves Pereira,
Agência Fapesp, 14/12/2006)