As pressões contra a permanência de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente (MMA) estão causando forte incômodo às principais organizações do movimento socioambientalista no Brasil. Mais do que manifestações de apoio à ministra, considerada uma aliada de primeira hora, as organizações ressaltam sua preocupação quanto aos rumos da política ambiental brasileira no segundo governo Lula. Há também o temor de que a eventual substituição de Marina signifique um retrocesso na destacada atuação que o Brasil vem tendo em importantes negociações ambientais multilaterais, como as relativas ao combate ao aquecimento global (Convenção de Mudanças Climáticas e Protocolo de Kyoto) e à proteção da biodiversidade (Convenção de Diversidade Biológica e Protocolo de Cartagena).
No plano interno, a inquietação do movimento socioambientalista tem origem em alguns indicativos dados até agora pelo Planalto. Entre eles, a retomada do projeto de transposição do rio São Francisco, o plano de construção de cinco novas usinas nucleares, a redução da zona de amortecimento para o plantio de transgênicos perto de Unidades de Conservação e a nova tentativa de facilitação da liberação dos transgênicos, simbolizada pela redução do quórum da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) que pode ser aprovada esta semana na Câmara. O discurso recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no qual ele qualificou as exigências ambientais como “entrave ao desenvolvimento”, aumentou ainda mais a preocupação das organizações.
“Queremos que essa aparente polêmica em torno da permanência da ministra seja discutida pelo governo e pela sociedade brasileira em sua verdadeira perspectiva, que é a discussão sobre qual modelo de desenvolvimento que queremos para o país. O setor ambiental não pode aparecer como bode expiatório do perverso modelo de desenvolvimento que o Brasil persegue”, afirma Temístocles Marcelos, que é diretor de Meio Ambiente da CUT e secretário-executivo do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS).
Temístocles afirma “não querer nem imaginar” o que representaria nesse momento uma mudança de orientação política no MMA: “A saída de Marina ou de sua equipe no Ibama significará certamente o afrouxamento da legislação ambiental em vigor”, disse.
Na opinião de Rubens Born, que é dirigente do Instituto Vitae Civilis e um dos mais respeitados nomes do movimento socioambientalista no Brasil, seria muito positivo se Lula confirmasse logo a permanência de Marina Silva em seu posto: “Fazendo isso, Lula não só valorizaria a pessoa da ministra, que é sem dúvida um dos melhores quadros do governo, como também reconheceria o acerto que foi colocar as questões ambientais no centro da formulação de políticas no país. Se esse esforço não for reconhecido, então voltaremos àquela ultrapassada visão de desenvolvimento, que não leva a nada”, afirma Born, para quem a presença de Marina no MMA “ajuda a conter” os setores mais atrasados do governo.
Dirigente da ONG Terra de Direitos e da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, Maria Rita Reis segue raciocínio parecido: “Mais do que meramente definir um nome a, b ou c, deve-se discutir qual papel desempenhou o MMA nesse período e qual vai ser a política ambiental brasileira no segundo governo Lula”, diz. Maria Rita avalia que não será fácil a batalha pela permanência da atual ministra: “As sucessivas tentativas de desgaste do MMA feitas pelo agronegócio e por setores do próprio governo, com a ajuda da grande imprensa, apontam para um momento difícil. Isso sem falar nas críticas vindas do próprio Lula”, lamenta.
Uma das principais organizações socioambientalistas internacionais com atuação no Brasil, o Greenpeace adotou uma postura interessante diante da polêmica em torno da eventual saída de Marina Silva: “Decidimos não entrar nessa discussão, pois, diante do clima de tensão, poderíamos acabar trazendo mais embaraços do que ajudando na permanência da ministra”, afirma Sérgio Leitão, que é diretor de Políticas Públicas da organização.
Leitão explica que o Greenpeace quer evitar melindrar ainda mais uma situação política tida como difícil: “A pauta ambiental do governo para o segundo mandato está muito pesada. Estamos assistindo à apresentação de uma coleção de sinais negativos, como a retomada nuclear e a nova tentativa de liberação dos transgênicos. O cenário está muito complicado e decidimos, enquanto ainda estiver sendo discutida a saída de Marina, não colocar mais lenha nessa fogueira”.
Retrocesso internacional
Além das preocupações quanto à possível mudança de rumos na política ambiental interna, as organizações do movimento socioambientalista temem que a eventual saída de Marina Silva do MMA provoque um retrocesso nas posições assumidas pelo Brasil nas negociações ambientais multilaterais durante esses últimos quatro anos. Para Maria Rita Reis, que acompanha de perto a atuação do governo brasileiro no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e do Protocolo de Cartagena, esse risco é concreto: “Sem a atual equipe do MMA, as perspectivas para a CDB são de retrocesso. Além disso, uma mudança de postura do Brasil vai impactar toda a discussão internacional sobre o tema, uma vez que o país é o atual presidente da CDB”, diz
Análise semelhante é feita por Rubens Born, que vem acompanhando nos últimos anos diversas discussões ambientais multilaterais, com destaque para as negociações sobre mudanças climáticas: “Desde a criação do Protocolo de Kyoto, 2006 foi o primeiro ano em que o Brasil voltou a apresentar uma proposta no mínimo instigante para combater o aquecimento global”, disse, referindo-se à proposta, apresentada no mês passado por Marina, de premiar os países em desenvolvimento que reduzirem o desmatamento de suas florestas.
Born também teme uma mudança de rumos: “Vale lembrar o péssimo papel desempenhado pela ministra Dilma Rousseff, então ministra das Minas e Energia, durante o encontro que aconteceu em Bonn (Alemanha) em 2004. Numa reunião para discutir fontes alternativas de geração de energia, ela defendeu as grandes hidrelétricas”.
Born diz esperar que o governo brasileiro não jogue fora todo o acúmulo internacional conquistado no primeiro governo Lula por conta de uma obsessão pelo crescimento a qualquer custo: “O presidente Lula precisa estar ciente de que o Brasil tem compromissos para além de 2010, quando termina o seu segundo mandato. O país terá, por exemplo, que assumir novos compromissos para deter as mudanças climáticas. Nesse sentido, esperamos de Lula uma responsabilidade de estadista, mais do que de governante, que o faça pensar as políticas ambientais para além de seu segundo mandato”, diz.
(Por Mauricio Thuswohl,
Agência Carta Maior, 14/12/2006)