Por Roberto Malvezzi, Gogó *
Uma série de notícias sobre a política de águas no Brasil invadiu a mídia nos últimos dias. Elas vêm com ótimas notícias e muitas preocupações para quem acompanha essa temática. A primeira foi o anuncio do Atlas da Águas do semi-árido brasileiro, pela Agência Nacional de Águas (ANA). Com uma análise minuciosa, detalha a situação de aproximadamente 1,3 mil municípios da região e aponta para o futuro preocupante dos núcleos urbanos acima de 5 mil habitantes no cenário de 2025.
Se nada for feito, 70% entrarão em situação de caos no abastecimento por essa data, atingindo 41 milhões de pessoas. Por outro lado, a grande e boa novidade é que a ANA indica as obras a serem feitas e o orçamento para se antecipar ao problema. Com franqueza o diretor da ANA, José Machado, simplesmente diz que a transposição não resolve esses problemas. Pois bem, as obras corretas a serem feitas custam 3,6 bilhões de dólares. De onde virá esse dinheiro? Não seria correto aplicar os 4,5 bilhões da transposição nessas obras? Vai haver vontade política nos governos estaduais e federal para fazer as obras corretas e não obras caras e inúteis como essa que se empenha o governo federal?
Outra notícia é que o relatório, entregue à Comissão Mista de Orçamento, cancela R$ 91 milhões dos R$ 129,8 milhões destinados originalmente para integração de bacias hidrográficas de todo o Brasil, isto é, corta recursos da transposição. Sem orçamento, a transposição vai sendo posta na berlinda. Mas o Ministério da Integração insiste em priorizar a obra.
Na mesma linha circula na Internet o caos qualitativo da água do açude Armando Ribeiro, o maior do Rio Grande do Norte, cujas águas estão contaminadas por metais pesados, transmitindo doenças, sob ciência das autoridades públicas, mas que não tomam as medidas necessárias para combater as epidemias oriundas do consumo de água inadequada para consumo humano. Pasmem, o Armando Ribeiro é um dos açudes que vai receber as águas da transposição. Então, nossa denúncia que as águas do S. Francisco vão se misturar com águas contaminadas de muitos açudes receptores, agora se confirma publicamente.
Merece destaque ainda o prêmio concedido pela ANA á Articulação do Semi-árido (ASA), particularmente ao projeto "Projeto de Um Milhão de Cisternas", na lógica do uso racional da água. Penso que mais que racional é sua utilização amorosa, apaixonada que vê na água valores, não apenas um "recurso hídrico". Em todo caso, é a valorização de uma nova cultura da água, do aproveitamento minucioso da água disponível, do respeito pelo meio ambiente, pelas pessoas, de cooperação com a natureza.
Por outro lado preocupa o anúncio da própria ANA que o governo vai investir nas cisternas de forma empresarial, já que a ASA tem sido lenta na implantação do projeto. Fala ainda em acelerar a construção de cisternas para captação da água de chuva para produção. Essa notícia pode ser boa ou ruim, afinal, a captação de água de chuva para consumo humano e produção se comprova viável, útil e necessária.
O nó da questão é que a construção de cisternas não é um obreirismo. Ela pressupõe o fator educativo e a transferência de tecnologias sociais para o domínio das populações, isto é, a construção é acompanhada de formação sobre o semi-árido e capacitação na construção das cisternas para que as famílias sejam capazes de fazer a manutenção de suas unidades. Sabemos que empresas não têm capacidade para fazer educação popular e nem para transferir tecnologia. Não é da natureza empresarial. Portanto, deve haver um diálogo imediato da ANA com a sociedade civil para ver como fica essa dimensão essencial do trabalho.
Já há tentativa governamental de cortar o fundo solidário e a decisão de fazer cisternas em terras de fazendeiros. Nas bases o povo resiste e vai prosseguindo com suas decisões. Sacrificar a dimensão educativa é podar o essencial. Num cenário global, nacional e regional que se desenha cruel em termos de água a educação popular tornou-se dimensão essencial e indispensável de qualquer política hídrica a ser implantada.
* Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
(
Adital, 12/12/2006)