Entre os temas que tangenciaram o encontro da sociedade civil – Cúpula Social pela Integração dos Povos – e o processo oficial da Comunidades Sul-americana de Nações (CASA) em Cochabamba, Bolívia, na última semana, o mais importante foi o debate sobre a infra-estrutura física de integração regional do projeto IIRSA (Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana).
A mesa de diálogo entre os movimentos e os representantes governamentais sobre IIRSA, realizada na última sexta-feira (08/12), foi a que trouxe os maiores questionamentos aos posicionamentos dos governos, tanto no que diz respeito aos objetivos quanto é à aplicação da IIRSA quanto na falta de transparência e participação frente à sociedade civil.
As principais crítica à IIRSA, elencadas num documento entregue aos negociadores governamentais, acusam o projeto de justificar um modelo econômico de exportação dos bens naturais dos povos sul-americanos, o que se opõe frontalmente às demandas de sustentabilidade do desenvolvimento demandado pela s comunidades e povos do continente, sendo “totalmente incompatível com a construção de uma integração que busca a construção da cidadania sul-americana”.
Poucos avanços
Como a própria concepção de integração tem causado tensões entre os vários membros da CASA, era previsível que não houvesse avanços extraordinários na II Cúpula de Presidentes. No tema IIRSA, e mais concretamente sobre a possibilidade de reformular o projeto e revisar seus objetivos e modos de implantação, permaneceu a dualidade que acabou marcando a maior parte das decisões políticas do evento.
Na declaração final da Cúpula presidencial assinada pelos 12 Estados membros da CASA, se estabeleceu uma fórmula bastante conhecida, de promover a integração “em harmonia com a natureza para um desenvolvimento sustentável, garantindo que as preocupações de caráter ambiental estejam presentes em todas as iniciativas de desenvolvimento regional, fundamentalmente nas obras de infraestrutura e energia, preservando o equilíbrio do ecossistema e a proteção da biodiversidade, com reconhecimento e valorização dos conhecimentos tradicionais”.
De acordo com o negociador boliviano para a CASA, Pablo Sólon, a questão da IIRSA acabou tendo mais importância entre os países-membro do que o tema energético. No documento oficial específico sobre IIRSA, ficou acordado que se deve “aprofundar e aperfeiçoar os avanços na identificação, avaliação e execução de projetos de integração no marco do processo de planejamento em escala regional dos países da América do Sul”.
O documento afirma ainda que a IIRSA deve continuar promovendo o objetivo da integração da infra-estrutura atendendo às necessidades de desenvolvimento social e econômico sustentável das nações para acelerar o processo de integração”. Ou, traduzindo, que se continue no rumo adotado, sem mudanças, para acelerar o crescimento econômico da região.
Para os que esperavam mudanças concretas nos rumos da IIRSA ficaram desiludidos. Por outro lado, para os que tinham expectativas moderadas o resultado final não é tão ruim, já que ficou claro, uma vez mais, que os processos políticos são mais importantes do que os acordos pontuais das Cúpulas presidenciais.
Neste sentido, existe tanto a possibilidade de que a IIRSA se modifique lentamente, como que seja implantada através de suas obras, sem nenhuma mudança substancial mas com declarações de preocupação com o meio ambiente e as comunidades afetadas. Como o tema da IIRSA está ligada a um modelo específico de desenvolvimento, a pergunta que fica é se ao países-membros estão convencidos de que é preciso mudar o modelo, pergunta bem mais complexa.
Histórico
Criada em 2000, a IIRSA é um processo multisetorial que pretende desenvolver e integrar as áreas de transporte, energia e telecomunicações da América do Sul, em dez anos. A base do planejamento são 10 Eixos de Integração da América do Sul que abrangem faixas geográficas de vários países que concentram ou possuem potencial para desenvolver bons fluxos comerciais, visando formar cadeias produtivas e assim estimular o desenvolvimento regional.
De acordo com a Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, as críticas à IIRSA estão centradas em seu caráter ou objetivo de fortalecimento das instituições e dos mecanismos de mercado, estando, desta forma, em sintonia com as principais diretrizes de Instituições como o BID, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional - FMI, confrontando-se com as políticas públicas baseadas na universalização de direitos.
Ainda segundo a Rede Brasil, a IIRSA foi elaborada e está sendo executada enquanto a materialização da terceira etapa das reformas estruturais de caráter neoliberal. A estratégia de desenvolvimento baseada na implementação de "cinturões de desenvolvimento" a partir dos "eixos de integração" tende a perpetuar a fragmentação espacial do desenvolvimento, através da concentração dos investimentos públicos e privados naquelas partes dos territórios nacionais que efetivamente interessam ao grande capital por disporem de melhores condições para conectar-se ao fluxo internacional de mercadorias. Em conseqüência disso, a IIRSA tende a agravar as disparidades no interior de cada região e entre as diferentes regiões de cada país, conclui a organização.
(Por Sebastián Valdomir, com informações da Rede Brasil,
Agência Carta Maior, 11/12/2006)