Artigo: Sai daí, Marina
2006-12-11
Por Marcelo Leite *
O ÚNICO espetáculo de crescimento que se presencia no segundo mandato de
Lula, em gestação, é o da indignidade. O maior e o melhor exemplo da
inversão -para não dizer corrupção- de valores está na fritura de um dos
poucos ministros do qual o povo conhece o nome, além de Gilberto Gil: Marina
Silva, titular do Meio Ambiente.
Marina representa o caso raro em que popularidade se funda no reconhecimento
pela dedicação da vida a uma causa. Apanha há décadas de gente mais rica,
poderosa e influente, no Acre e em Brasília, os últimos quatros anos como
ministra. Nunca fraquejou, mesmo quando injustamente eleita para bode
expiatório da crise na infra-estrutura.
O presidente se revela mais uma vez desinformado quando aceita o bombardeio
sobre Marina para destravar um fictício desenvolvimento represado pelo
Ibama. O canhonaço parte da Casa Civil, onde reina a herdeira de José
Dirceu, antes czarina de Minas e Energia, justamente o setor sobre o qual
pesam suspeitas de novo apagão em desenvolvimento.
Pior: o artilheiro mais ativo é Blairo Maggi, antigo rei da soja, hoje
comandante do Desmatamento Grosso, como deveria ser rebatizado o Estado sob seu governo. Os empresários de sua estirpe não querem escorraçar Marina da Esplanada pelo que deixa de fazer, mas pelo que está fazendo.
Hidrelétricas? Apenas quatro dependem no presente do Ibama, informa o
ministério. Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, as duas mais importantes,
estão na reta final -e o último tropeço foram audiências públicas canceladas
pela Justiça, em que o Ibama foi a parte vencida. Outras seis usinas contam
com autorização, mas suas obras não começam -o que Marina tem a ver com
isso?
O Ministério Público representa contra empreendimentos, a Justiça embarga, e
a ministra leva a fama. Há uma infinidade de recursos à disposição de
procuradores militantes, por assim dizer, para bloquear obras. Um deles,
muito utilizado, é argüir a incompetência dos governos estaduais para fazer
o licenciamento. Marina negociou durante meses uma regulamentação do artigo
23 da Constituição, para estreitar a brecha, e encaminhou a proposta à Casa
Civil. Em março.
Quando assumiu, havia 75 funcionários na área de licenciamento do Ibama, 68
dos quais com contratos precários. Hoje são 150, e 125 deles servidores de
carreira. Eram analisados 145 processos por ano, no governo anterior. Agora
são 225.
Há quem não goste desse tipo de desentrave, mas por razões escusas. É por
isso que o governo Lula não merece Marina Silva.
* Marcelo Leite é colunista da Folha
(Folha de S. Paulo, 09/12/2006)