A indústria química multinacional Hexion ameaça a pacata cidade gaúcha de
Glorinha, um paraíso a 50 km de Porto Alegre. Ela quer abrir ali uma fábrica de resinas usadas na indústria madeireira, mas entre elas está o famigerado
formaldeído, conhecido como altamente cancerígeno.
A Hexion já enfrenta oposição feroz dos ambientalistas gaúchos. A briga começou em agosto, depois que se descobriu que a empresa havia recebido licença sem ter apresentado o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) ao órgão ambiental responsável, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
Foi um escândalo que prontamente tomou conta das ruas. E a coisa ficou pior quando os ambientalistas souberam que a empresa não realizou o EIA-Rima porque não foi exigida pela Fepam – órgão muitas vezes zeloso quando se trata de pequenas empresas nacionais.
Renato das Chagas, engenheiro químico da Fepam, defende que os estudos apresentados pela empresa foram suficientes para liberá-la de tal obrigação legal. Mas não foi isso que a Justiça entendeu. Um mês depois, a licença foi revogada por uma decisão judicial. Mesmo assim, em novembro a Fepam emitiu parecer técnico isentando a Hexion do EIA.
O pessoal do contra acredita que a empresa exerça pressões em cima da Fepam e que estaria se negando a fazer o estudo porque sabe do perigo que o formaldeído representa. “Somente esse estudo, que a empresa não quer fazer, poderá antever o tamanho do impacto dessa fábrica ao meio ambiente e a saúde das pessoas”, afirma Carlos Marchiori, coordenador da
ONG Saalve (Sociedade dos Amigos da Água Limpa e do Verde).
O local onde a Hexion quer instalar sua fábrica de 2,5 hectares fica próximo ao Banhado Grande, uma Área de Proteção Ambiental que se estende pelos municípios de Gravataí, Santo Antônio da Patrulha, Viamão e Glorinha, ligado à Bacia do Rio Gravataí.
Além disso, está bem em cima de um sistema de aqüífero cenozóico (era geológica de 65 milhões de anos) de onde a empresa planeja retirar água para seu processo industrial. Na primeira fase serão quase 10 mil metros cúbicos por mês.
André Rebouças, técnico da Hexion explica que a água utilizada virá de 100 metros de profundidade a uma vazão de 20 mil litros por hora. A empresa já tem a outorga do uso dessas águas pelo Departamento de Recursos Hídricos da Secretaria de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul.
Para Marchiori, a afirmação trazida pela Hexion de que um geólogo paulista garante que há água suficiente no subsolo de Glorinha não tem base e é confusa. Ou seja, não diz em que circunstância esse profissional fez a afirmativa. E o que é pior, não existiriam poços na região que produzam ou confirmem tal volume. Segundo o ambientalista, o próprio mapa hidrogeológico do Rio Grande do Sul, feito pelo Serviço Geológico do Brasil, demonstra que na área nem sequer há aqüíferos produtivos.
Segurança máxima
O último movimento dessa batalha aconteceu na quinta-feira (7) durante a Audiência Pública realizada na sede do Glorinha Futebol clube e envolveu um grande aparato policial, com direito a viaturas e até uma ambulância de prontidão.
Uma multidão dividida e uniformizada (a favor da empresa) lotou o ginásio para ouvir dos representantes da Hexion detalhes do projeto que será implantado na cidade. E, entre vaias e aplausos, a rápida apresentação dos técnicos não convenceu a turma do contra. “Essa empresa representa um alto risco para a população”, alega Eloir Borges, ambientalista e morador de Glorinha, que tem medo de acidentes. Segundo ele, um vazamento prejudicaria milhões de pessoas que se abastecem da Bacia do Gravataí, por exemplo.
Borges acredita que o povo de Glorinha deve decidir se deseja que a cidade continue sendo conhecida como o “Paraíso entre a Serra e o Mar” ou se transforme em uma
Gravataí, altamente industrializada e cercada de poluição. O argumento de geração de empregos, para Borges, não seduz. Ele diz ter certeza que “no máximo serão destinadas duas vagas para o povo local, a de porteiro e de motorista. “O resto virá todo de fora”, diz.
Já para Marcelo Carnevale e sua esposa Daiane Silva dos Santos, a chegada da empresa é mais do que bem-vinda. Eles são proprietários de um boteco na frente da Fiberplac, empresa que vai comprar parte da produção da Hexion. O entusiasmo é tanto que o casal espalhou faixas no entorno do boteco saudando a multinacional. “É muita burrice desse povo que está contra”, critica.
Proprietário do bar do Glorinha Futebol Clube, Valtor Cardoso dos Santos, também era só entusiasmo. Devidamente uniformizado com a camiseta “Hexion, Desenvolvimento e Responsabilidade”, diz não entender essa confusão toda em torno da chegada da empresa. “Afinal eles vão trazer desenvolvimento para nós e a Fepam não vai deixar eles fazerem nada de errado”, diz. “Não é verdade?”, completa, oferecendo um refri por conta da empresa.
O engenheiro químico Sérgio Vanalli abriu o debate. Em pouco mais de 10 minutos tentou explicar ao povo, o que a empresa pretende. Serão investidos US$ 20 milhões na unidade que produzirá 170 mil toneladas/ano de uréicas e fenólicas, ambas tipos de resinas químicas.
Sobre efluentes, Vanalli garantiu, sob risos e vaias, que todo ele será reciclado no processo produtivo. “Não serão lançados em corpos d’água, nem na superfície, tampouco evaporados ou infiltrados”.
O engenheiro ainda fez uma análise de riscos. Num eventual vazamento, uma bacia de contenção de um milhão de litros resolverá o problema e ainda servirá para coletar e tratar os efluentes antes de serem reaproveitados.
Com relação aos resíduos sólidos, admitiu que se tratam de resíduos perigosos, mas “que serão devidamente classificados, acondicionados e encaminhados a destinação adequada conforme a legislação vigente”.
Comparação patética
José Flávio Soares, morador de Glorinha há 48 anos, pegou no microfone e questionou Vanalli sobre os perigos do formaldeído. Queria saber se “esse negócio de câncer é verdadeiro mesmo”.
Apesar da humilde figura, levantou a platéia ao questionar os representantes da Fepam, presentes ao evento, sobre as razões dela não ter exigido da Hexion o EIA. Vanalli parecia assustado a ponto de comparar os riscos de um acidente industrial com o risco de estar sentado em uma cadeira e a mesma quebrar de repente. “ O formaldeído tem uma coisa boa que é o forte cheiro. Se a gente sente, já sabe que algo está errado”, concluiu.
Recentemente, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, fez uma avaliação confirmando positivamente a carcinogenicidade do formaldeído em humanos. Assim como o Centro Internacional de Pesquisas sobre o Câncer (Circ), que concluiu que não há dúvidas sobre o seu potencial cancerígeno.
Já Renato das Chagas, pela Fepam, reafirmou que o órgão ambiental “não achou necessário que a empresa realizasse o estudo de impacto ambiental previamente, mas que a Fepam estaria presente a este evento justamente para reavaliar a situação, e se, assim julgar, poderá exigir o EIA”.
Cícerto L. da Silva, gerente da Hexion interveio na apresentação do engenheiro para afirmar que se o EIA-Rima for exigido, a empresa o fará. “A empresa está comprometida com o meio ambiente”.
“A verdade, é que ela não tem, e nunca teve esse tipo de interesse”, rebate Marchiori. De acordo com o ambientalista, uma indústria química de alto potencial poluidor na APA, que representa a zona de amortecimento da unidade de conservação, sem o EIA-Rima, seria um atentado ao
Princípio da Precaução consagrado durante a Eco 92.
Osmar Rodrigues, morador e representante da Legião da Boa Vontade no município, bateu forte e arrancou aplausos. “Ouvi um montão de números, mas o que importa são as pessoas e até agora não estou convencido de nada”, declarou.
Tânia Peixoto, presidente da Associação de Defesa do Rio Gravataí, lembrou que a Indústria Química é responsável por grandes acidentes em todo o mundo e questionou novamente qual o artigo da Constituição que classifica a Hexion como isenta de apresentar um EIA-Rima. “Queremos que a lei seja cumprida”. Desta vez, Chagas silenciou.
Combatente em várias frentes, Edi Xavier Fonseca, da Agapan ,também marcou presença. Considerou grave a não –exigência de estudo de impacto ambiental e se disse “estarrecida” com a Fepam. “Glorinha não está isolada do mundo, faz parte de uma região na qual a poluição alcança pelo ar, pela água e nos preocupa muito essa posição da Fepam”, finalizou.
Agora, Chagas falou. “Hoje a empresa está sem licença, era um outro momento e entendemos que era uma posição correta. Tomaremos uma decisão posterior”, declarou deixando em aberto que a Fepam poderá, finalmente, exigir o EIA-Rima da multi.
(Por Carlos Matsubara, 11/12/2006)