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2006-12-11
Todo mundo sabe que a Finlândia é a terra do Papai Noel e da Nokia, mas o país revela surpresas além da decoração de Natal, deslumbrante em dezembro, como convém à terra do Bom Velhinho, e da tecnologia que inclui os finlandeses entre os mais conectados do planeta.

O mais surpreendente é que os 5,2 milhões de habitantes deste pedaço gelado do globo, onde nesta época do ano a noite só dá trégua por cerca de seis horas diárias e pode-se enfrentar até 30 graus negativos, são um povo simples que organizou sua vida social e econômica a partir da exploração sustentada de florestas.

A Nokia, gigante da telefonia móvel, dona de 35% do mercado mundial, nasceu como uma fábrica de papel, em 1865. Ao lado desse exemplo, há uma robusta estrutura de serviços e de indústrias - serrarias, metalúrgicas, fabricante de bens de capital, de móveis, de celulose e de papel - cultivadas a partir da base florestal.

- Como o pessoal tinha poucas opções, se dedicou a planejar e desenvolver um cadeia produtiva tendo como motivador a floresta - afirma Walter Lidio Nunes, diretor de operações da Aracruz, um dos que acredita que a experiência finlandesa pode servir de modelo para a Metade Sul.

Os finlandeses aparentam tranqüilidade e um estilo de vida despojado, diferente dos ricos americanos e dos tecnológicos japoneses - para citar alguns dos povos que acompanham os escandinavos no topo do ranking de desenvolvimento econômico e elevada renda per capita. O país é, entre os europeus, o que mais depende da exploração florestal. São cerca de 200 mil empregos diretos gerados.

Empresas se transferem para a China e o Brasil
Mais de 35% do Produto Interno Bruto (PIB) finlandês está de alguma forma ligado a uma das três espécies exploradas comercialmente - pinus, bétula e spruce - que cobrem 61% dos 338 mil quilômetros quadrados do território do país e correspondem a 86% das áreas cultiváveis. Essa participação foi maior, mas o setor de tecnológico - leia-se Nokia - aumentou drasticamente sua fatia a partir dos anos 90.

As produtoras de celulose e papel têm uma presença importante na economia local. O país é o quarto produtor mundial de celulose, com 12,6 milhões de toneladas ano, e o sexto de papel e papelão, com 14 milhões de toneladas anuais. Segundo Pertti Laine, vice-presidente da Finnish Forest Industries (federação das indústrias florestais), o setor passou por um intenso processo de fusões e aquisições na década passada.

As fábricas de celulose e papel concentradas na porção sul do país pertencem a três grandes grupos: Stora Enso (quarta do mundo e maior da Europa), Mestsälitto (12ª do mundo e quarta entre os europeus) e UPM (sétima em nível mundial e a terceira no ranking europeu). Com o processo de fechamento de unidades ultrapassadas, começou a transferência para países em que a abundância de terra e o clima proporcionam competitividade singular. Nessa nova rota, a China e o Brasil, especialmente o Rio Grande do Sul, são os principais destinos.

* Lúcia Ritzel viajou para a Finlândia a convite da Stora Enso

Números do país
5,2 milhões de habitantes
67% vivem em áreas urbanas
33% vivem no meio rural
PIB de US$ 162 bilhões

A sustentabilidade:
Florestas ocupam 86% das áreas cultiváveis.
Existem 4 hectares de floresta por habitante.
A média européia é de 1,4 hectare de floresta/habitante
No mundo há 0,7 hectare de floresta por habitante

De quem é a floresta
61%, propriedade privada
25%, do Estado
9%, de empresas privadas
5%, outros
Fonte: Finnish Industries Federation

O que garante a exploração sustentada na Finlândia:
Uma área é explorada a cada cem anos
Em cada área, apenas alguns blocos são cortados, formando mosaicos
Reposição das árvores colhidas

Como as empresas pretendem fazer exploração sustentável do eucalipto no Estado:
Não usar áreas com vegetação nativa
Utilizar solos que já passaram por algum tipo de exploração econômica
Recuperar áreas destinadas à conservação - fazer com que a vegetação nativa volte a ser dominante
Conservar o solo e a água

Sistema garante árvores para netos
A Finlândia tem um dos mais conceituados processos de exploração sustentada dos recursos naturais, amparado por uma legislação rígida, com pesadas multas para os casos de desrespeito. Os habitantes do país demonstram orgulho em exibir os rios despoluídos e diferentes indicadores de sustentabilidade.

O principal deles informa que a floresta finlandesa cresce de 20% a 30% mais do que o corte das árvores, diz Pertti Laine, da entidade que reúne as empresas do setor. Todos os anos, são acrescentados até 2 milhões de metros cúbicos ao estoque. Também é desse país escandinavo o título de nação que mais protege seus recursos naturais.

A expressão deserto verde, usada pelos ambientalistas brasileiros para descrever os danos ambientais potenciais do eucalipto, não existe naquele lado do mundo. Em primeiro lugar, porque as florestas são todas de espécies nativas, nascem espontaneamente. Por causa do clima frio, em toda a Finlândia não sobrevivem mais do que 30 tipos de árvores. As empresas também investiram para desenvolver tecnologias menos poluidoras e manejos socioambientais para minimizar o impacto de seus investimentos.

Plantação ocupará áreas utilizadas pela agropecuária
O sindicato dos trabalhadores do setor e as entidades ligadas à proteção da natureza, assim como as comunidades, estão sempre vigilantes. Existem pelo menos 200 associações de proprietários empenhados em difundir as melhores formas de garantir que a geração seguinte poderá contar com os frutos da natureza.

O projeto para o Rio Grande do Sul prevê o manejo das plantações em áreas anteriormente usadas pela agropecuária. Além disso, o eucalipto é uma planta exótica, de rápido crescimento. As empresas afirmam que o plantio em mosaico - em que para cada hectare haverá um ou até dois de preservação - elimina a ameaça à biodiversidade.

Para a maioria dos finlandeses, a floresta é uma renda adicional - modelo que serve de inspiração para o programa de produtores associados que as empresas estão implantando no Estado.

Conhecimento de lenhador é decisivo no processo
Pekka Marttinen cumpre nas florestas de Imatra, cidade a 250 quilômetros de Helsinque, a longa tradição de lenhadores de sua família. Também corta árvores, como os avós e o pai. Mas é um trabalhador deste século. Em vez de machado e serra elétrica, opera uma máquina com controles computadorizados, capaz de arrancar do solo, descascar, selecionar e depositar a poucos metros da rodovia, tudo isso em menos de 20 segundos, um pinus de 40 metros, que leva 80 anos para atingir o ponto ideal de corte.

Marttinen, 55 anos, trabalha como funcionário terceirizado da Stora Enso. A unidade da empresa emprega a maioria dos 2,1 mil moradores da região de Imatra e produz ao ano 900 mil toneladas de papel cartão, 325 mil de papel ofício, além 1,2 milhão de toneladas de celulose. Utiliza 5 milhões de metros cúbicos de madeira nesse período, parte comprada na vizinha Rússia.

Com um comportamento discreto, típico de seus compatriotas, Marttinen desconversa quando questionado sobre quanto dinheiro consegue levar para casa por trabalho que faz em sociedade com um irmão. Diz apenas que vive bem, numa casa com sauna e piscina.

- Não tenho motivos para reclamar - afirma, bem-humorado.

Segundo informações do mercado local, um trabalhador como ele pode ganhar até 25 mil euros (R$ 72 mil) brutos ao ano - tem de descontar o pagamento do financiamento da máquina, manutenção, alimentação, entre outros gastos.

Ser lenhador na Finlândia exige alta especialização porque é uma função decisiva para o processo. A bordo de sua máquina, Marttinen decide, ainda na floresta, se a árvore cortada tem qualidade para serraria ou irá para a produção de celulose. Também tem de ter conhecimento e precisão para colher exatamente o que foi encomendado, porque há exemplares em diferentes estágios de desenvolvimento. Um operador desse equipamento precisa ter pelo menos três anos de treinamento, segundo informações da Stora Enso.

Maior projeto privado provoca controvérsias
Os mais de US$ 4 bilhões que serão aplicados nos próximos seis anos pelas fabricantes de celulose formam o maior investimento privado em andamento no Rio Grande do Sul. Stora Enso, Aracruz e Votorantim planejam trazer ao Estado a experiência finlandesa na tecnologia de produção da celulose, além do controles e de conhecimento acumulado em exploração sustentável.

- Os projetos aqui serão mais eficientes quanto ao aspecto ambiental, principalmente em relação às características das emissões, isto é, dos resíduos gerados pelas fábricas - afirma Fausto Camargo, engenheiro florestal da Votorantim Celulose e Papel.

Acrescenta que as leis brasileiras são mais rígidas que as finlandesas.

O projeto das empresas prevê que a presença do setor não se restrinja à plantação de eucalipto e às três unidades de produção de celulose, todas com data para funcionar a partir de 2011. A ambição é que, como na Finlândia, a Metade Sul seja convertida em um cluster (condomínio de indústrias) para diferentes empresas e serviços.

- O Rio Grande do Sul, o Uruguai e a Argentina têm potencial para celulose. Seria interessante não considerar apenas as três fábricas, mas a chance de desenvolver um cluster, como na Finlândia - afirma Otávio Pontes, vice-presidente para América Latina da Stora Enso.

Ambientalistas gaúchos se preocupam com aspectos desse projeto. A bióloga Luiza Chomenko, da Fundação Zoobotânica, diz que é preciso pensar a longo prazo, e não ficar muito animado com empregos que existirão por curto espaço de tempo, como os safristas que as empresas contratam para cultivar mudas.

- Todos queremos o desenvolvimento e isso também significa valorizar o ambiente, a economia e a cultura locais. A sociedade tem de se informar para optar pelo melhor - diz.

Luiza observa que o pampa tem espécies raras e exclusivas, que não sobrevivem à sombra de florestas. Do ponto de vista econômico, alerta que matriz tradicional, como culturas agrícolas e a carne, poderá ter de competir com o eucalipto por crédito e questões ambientais para obter certificações que derrubam barreiras às exportações.
(Por Lúcia Ritzel, Zero Hora, 09/12/2006)

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