A pesca de arrasto em águas profundas tem aumentado desde a virada do século, inclusive no Brasil, ameaçando os corais e a biodiversidade marinha. Segundo Alberto Lindner, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da Universidade de São Paulo (USP), a proibição total dessa prática é o único caminho para preservar espécies espalhadas em mares de 40 países. E o aprofundamento das pesquisas científicas na área pode ser o impulso definitivo para o movimento internacional pela moratória global à pesca de arrasto.
Segundo Lindner, o movimento internacional favorável ao fim da pesca de arrasto nessas regiões é liderado pela Coalizão pela Conservação do Mar Profundo (DSCC, na sigla em inglês) – que reúne mais de 60 organizações ambientais em todo o mundo – e tem forte apoio de países como Brasil, Estados Unidos, Noruega e Austrália.
As negociações na Organização das Nações Unidas (ONU), no fim de novembro, com o objetivo de proibir o arrasto em águas internacionais fracassaram graças ao boicote de países com forte atividade pesqueira. Sem apoio unânime, a proposta acabou rejeitada na assembléia geral da quinta-feira (07/12). “Islândia, Canadá, Espanha, Japão e Rússia foram os principais responsáveis pelo bloqueio da moratória. A conseqüência pode ser desastrosa em termos ambientais e científicos”, disse Lindner.
O pesquisador destaca que as águas profundas representam a maior parte da área do planeta. Cerca de 90% dos oceanos se encontram nessas regiões com profundidade superior a 200 metros. “Os corais estão presentes em toda essa extensão oceânica, tanto em regiões tropicais quanto em temperadas. Muitos estão em águas internacionais, onde a legislação e a fiscalização são bastante precárias”, disse.
A pesca de arrasto afeta os corais, que são destruídos pelos elementos metálicos que mantêm as redes no fundo ou são trazidos pelas próprias redes para a superfície. “Além disso, ao atingir os corais, esse tipo de pesca compromete toda a cadeia alimentar, pois devasta o hábitat de imensas quantidades de peixes e organismos”, disse.
O fim da pesca de arrasto em águas profundas teria pequeno impacto social, segundo Lindner, uma vez que a quantidade pescada não é relevante para a segurança alimentar da população. Segudo ele, estudos feitos em Santa Catarina verificaram que cerca da metade do que é pescado no arrasto é desperdiçado.
“É uma atividade que não gera muita riqueza, envolvendo quantidade pequena de barcos. Na costa brasileira ela é feita especialmente por embarcações estrangeiras. Muitos dos peixes visados são produtos de luxo direcionados para países desenvolvidos." Segundo o Greenpeace, a pesca de arrasto representa 1% do volume de pesca global anual e apenas 300 barcos a praticam em todo o mundo.
A ciência mobilizando a sociedade
Pela importância da preservação dos corais, muitos países têm avançado no controle da pesca de arrasto. Lindner menciona restrições no mar Mediterrâneo, onde foi declarada a moratória em 2005 para profundidades além de mil metros.
Os Estados Unidos proibiram o arrasto numa região de 950 mil quilômetros quadrados próximo às ilhas Aleutas, entre o Alasca e a Rússia. No Brasil, a prática é proibida nas unidades de conservação marinhas, mas a abrangência dessas se resume a 0,05% da área marinha nacional.
Os avanços locais, no entanto, não diminuem a necessidade da moratória em águas internacionais, onde as proteções são precárias. Depois do fracasso na ONU, apenas uma forte pressão popular global poderia dar resultados nesse sentido. Lindner aponta que isso pode ser conseguido se houver maior divulgação do assunto.
Segundo o biólogo, no caso dos Estados Unidos, a documentação científica dos corais, feita em 2002, foi essencial para sensibilizar o público e fazer com que a medida fosse efetivada. Lindner estava, na época, na Universidade de Duke, na Carolina do Norte, onde participou do levantamento sobre os corais nas Ilhas Aleutas, que resultou na maior área protegida da atualidade.
“Foi tudo registrado em vídeo e fotografia. A dimensão dos corais impressiona, nem os cientistas podiam imaginar aquilo. As fotos atraíram o interesse das pessoas e o resultado se refletiu na legislação”, disse.
“Os estudos sobre os corais de profundidades têm aumentado nos últimos cinco anos. Mas, apesar da grande quantidade e importância, esses organismos ainda não são bem conhecidos. É preciso fazer mais expedições e investimentos em pesquisa para engajar a sociedade na luta pela moratória”, afirmou.
O grande desafio, na opinião de Lindner, é articular os dados científicos disponíveis a fim de expor a situação e propor a moratória. Para isso, é preciso fazer mais pesquisa. “O problema é que são atividades caras. A utilização de um submarino, por exemplo, não sai por menos de US$ 10 mil por dia nos Estados Unidos”, disse.
(
Agência Fapesp, 11/12/2006)