A RJ-142, conhecida como Rodovia Serra-Mar, que corta a Área de Proteção
Ambiental de Macaé de Cima, acaba de ser pavimentada. A estrada passa por
uma região de natureza exuberante, com rios, cachoeiras e corredeiras de
água cristalina e Mata Atlântica bem preservada. O asfaltamento dos 27
quilômetros da rodovia - que interliga Lumiar, distrito de Nova Friburgo, a
Stocklin, distrito de Casimiro de Abreu – custou R$30,5 milhões ao governo
do estado do Rio de Janeiro, que vendeu a obra como uma estrada parque e a
apelidou de Eco Estrada Serra-Mar. Um conto cor-de-rosa.
No dia 22 de novembro, a governadora Rosinha Garotinho e o presidente do
Departamento de Estradas e Rodagem (DER), Henrique Ribeiro, inauguraram a
obra – inacabada. A equipe de O Eco visitou o trecho entre Lumiar e Santa
Luzia três dias após a festa e testemunhou caminhões ainda trabalhando na
pista e drenagens e contenções de encostas por terminar. Sinalização e
travessia de animais, só no papel.
A Serra-Mar corta locais muito procurados por adeptos de esportes radicais e
localidades bucólicas, como Lumiar, São Pedro da Serra, Santa Luzia,
Cascata, Figueira Branca, Barra do Sana e Chimenez. Segundo o DER,
responsável pela obra, foram feitos estudos e elaborada uma estratégia para
evitar a agressão ao meio ambiente. A rodovia foi construída respeitando os
acidentes geográficos da região e a contenção de encostas foi feita com
revestimento com biomanta, que permite a recuperação da vegetação onde tiver
processo de erosão instalado. A obra está sendo executada pelo consórcio
Rota 142, união das empresas Geomecânica, Oriente e Delta. A Feema, que
concedeu a licença para a realização das obras, afirma que a estrada pode
ser considerada ecológica pois não houve a duplicação de via e alteração do
traçado, além de ter respeitado a travessia dos animais, fato que não se
confirma.
O projeto apresentado aos moradores prevê a instalação de três mirantes, com
áreas de lazer quiosques, mesas, bancos, churrasqueiras e banheiros
localizados em Lumiar, Casimiro de Abreu e Cascata. Mas segundo o DER,
apenas as obras do mirante de Lumiar já foram iniciadas, os locais onde
serão construídos os outros dois ainda não foram desapropriados. O DER
também promete o plantio de quaresmeiras, ipês amarelos, flamboyant,
palmeiras, bromélias, grama pelo-de-urso, entre outras espécies, à margem da
rodovia. Foi prometida uma construção nos moldes de “estradas parques”, que
segundo a SOS Mata Atlântica, são baseadas em parcerias com comunidades
locais, para integrar lazer, turismo e desenvolvimento sócio-econômico com a
preservação dos recursos naturais. Mas de acordo com moradores, o projeto da
Estrada Parque não foi para frente, apesar da obra continuar a ser chamada
de ecológica por seus criadores.
O que vem por aí
Roberto Pagnoncelli, dono da Pousada Encontro dos Rios, no km 31 da
Serra-Mar, afirma que a decisão de se construir uma Estrada Parque partiu
dos moradores da região em reuniões com o DER e a prefeitura, “Foi um acordo
que ainda não foi cumprido.” Ele ainda tem dúvidas em relação à total
execução do projeto, pois conta que o prazo para a realização da obra é
janeiro de 2007. Roberto afirma que a pavimentação já aumentou o número de
turistas em sua pousada, mas como trabalha com eco-turismo, oferecendo aos
seus hóspedes opções como rafting, rapel, escaladas, canoagem e trilhas,
preocupa-se com a possível degradação ambiental que pode ser provada por
especulação imobiliária e fluxo de carros. “Os animais, por exemplo, não
terão onde passar e acabarão atropelados”, diz.
Jackson Menezes, proprietário de sítio na Toca da Onça, em Lumiar, freqüenta
a região há 7 anos e conta que constantemente encontra pequenos animais
mortos no trecho da estrada entre Mury e Lumiar, que já era asfaltado. Na
parte que até pouco tempo era estrada de chão, ele afirma que nunca
presenciou o mesmo fato, pelo contrário, teve a oportunidade de ver diversos
animais atravessarem a pista, como tamanduás mirins, tatus e quatis.
Flávio de Jesus, chefe do Parque Estadual dos Três Picos, afirma que como a
estrada passa no entorno do parque, poderá aumentar o número de visitantes,
o que considera um benefício, mas preocupa-se com o fluxo de pessoas na
região, que provavelmente significará mais impactos ambientais. Rodrigo
Ferreira, Diretor de Turismo de Nova Friburgo, afirma que a quantidade de
carros na região já aumentou em 30%, mas as pousadas e hotéis ainda não
começaram a se preparar para receber os novos turistas. Ele acredita que a
demanda conduzirá ás próximas ações, “O verão vai servir como teste”.
Ferreira conta que está sendo realizado um Plano Diretor da RJ-142 para
tentar reduzir os impactos sócio-ambientais da rodovia.
Heberson Lamblet, Presidente da África ( Associação Friburguense de
Canoagem) e membro de uma operadora de turismo ligada a esportes radicais,
considera a obra importante para o turismo. Ele conta que o local pouco
mudou nos últimos 20 anos, mantendo-se bem preservado, já que a estrada era
de chão e inibia os visitantes. Agora ele teme a especulação imobiliária, a
construção de postos de combustível e os loteamentos à beira da rodovia.
Lamblet defende a construção de dois portais para marcar o início e o fim da
Serra-Mar e auxiliar na fiscalização do trafégo. O próprio DER será
responsável por fiscalizar a Serra-Mar, mas segundo Fernando Cavalcanti, do
Conselho Municipal de Meio Ambiente de Nova Friburgo, não há nenhum posto de
fiscalização na estrada.
Um proprietário de um sítio na região, que prefere não se identificar,
afirma que na primeira chuva após a pavimentação foram contadas 17 barreiras
entre Lumiar e Santa Luzia. “Ninguém percebeu, pois as construtoras ainda
estavam por lá e limparam tudo para a inauguração”, conta. Para ele, a
estrada não oferece segurança para os usuários e não contempla a principal
atividade econômica da região: o turismo ecológico. Este morador conta que
Lumiar sempre foi palco de inúmeras cavalgadas e caminhadas que atravessavam
a Serra-Mar e agora não poderão acontecer numa estrada sem segurança,
acostamento e sinalização.
Plínio Sérgio Aguiar, dono do restaurante Barravento, que fica a 1,5
quilômetros de Lumiar, afirma que a pavimentação da rodovia transformou o
local em passagem para os que querem ir para a praia, já que a estrada
encurta o tempo de viagem entre a Serra fluminense e a Região dos Lagos.
Segundo Aguiar, antes da pavimentação, o local era bastante freqüentado por
grupos de cavaleiros e caminhantes que procuravam a tranqüilidade da região.
Agora não há o mesmo espaço para realização desses passeios porque não houve
a preocupação de construir uma ciclovia ou reservar um espaço para tais
atividades.
Para muitos que moram na região, provavelmente para a maioria, a
pavimentação da estrada foi bem-vinda. Moradores de Lumiar contam que a
linha municipal de ônibus de Nova Friburgo agora irá cobrir o novo trecho
asfaltado,um grande benefício para quem era obrigado a fazer o percurso a
pé. As chuvas também muitas vezes os deixavam isolados, como ocorreu em
fevereiro de 2005, quando uma enorme cratera se abriu na RJ-142 e impediu o
acesso à cidade, prejudicando a agricultura e o ecoturismo.
Os moradores de Nova Friburgo que costumam freqüentar Rio das Ostras vêem na
inauguração da rodovia a realização de um sonho de mais de quatro décadas.
Em 1966, o engenheiro Heródoto Bento de Mello assumiu a prefeitura de Nova
Friburgo e decidiu desbravar a estrada. Com a promessa do asfaltamento,
muitos friburguenses compraram casas de veraneio no litoral, mas mal
desfrutavam do atalho devido aos riscos da viagem. Só resta saber agora se a
estrada não passou a ser um risco para a natureza até então preservada pela
dificuldade de acesso.
(Por Mariana Menezes,
OEco, 06/12/2006)