Em meio às acusações de que a legislação ambiental é responsável por “travar” o desenvolvimento do país, o governo federal decidiu, em meados de novembro, regulamentar o artigo 23 da Constituição, que, entre outras determinações, refere-se à competência dos níveis do poder público em cuidar das suas questões ambientais. Um dos objetivos dessa regulamentação, que ainda será encaminhada como projeto de lei à Câmara, é definir mais claramente as responsabilidades dos órgãos federal, estaduais e municipais em relação ao meio ambiente.
Contudo, o movimento socioambiental defende que essa medida deve vir acompanhada de outras políticas públicas e que haja atenção à infra-estrutura desses órgãos, caso contrário a situação de lentidão apontada pelo governo federal nos processos ambientais não mudará muito.
Com a regulamentação, pretende-se organizar melhor as atribuições dos processos de licenciamento ambiental. O critério para descentralizar esses processos é a dimensão dos impactos que as obras causariam ao seu meio. Se as conseqüências atingirem o âmbito federal, a responsabilidade pelo licenciamento fica por conta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Caso o impacto seja estadual ou municipal, os órgãos dos Estados e municípios são os que devem cuidar da questão.
“Atualmente o foco das atenções tem sido o licenciamento ambiental, especialmente os das hidrelétricas. Com essa regulamentação, que vai além dessa questão, vai haver uma certeza maior sobre a competência da licença, embora ela não traga grandes novidades. Hoje, de certa forma, seguem-se as regras da resolução 237 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). A grande preocupação é evitar o questionamento judicial, mas isso não vai necessariamente acelerar as medidas administrativas”, afirma Raul Silva Telles do Valle, assessor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA). A resolução do Conama já prevê a competência dos três níveis de poder nessas questões.
Segundo Volney Zanardi Júnior, diretor do departamento de Articulação Institucional do Ministério do Meio Ambiente, quando as competências são atribuídas aos órgãos municipais ou estaduais de forma apropriada, o controle social sobre uma ação é maior e, em determinados casos, consegue-se livrar órgãos superiores de problemas que podem ser resolvidos em instâncias locais. “A regulamentação dá mais estabilidade para questões administrativas e evita que haja perda do controle administrativo de um processo ambiental”, afirma Zanardi.
Para Mário Mantovani, presidente da SOS Mata Atlântica, o governo já poderia ter resolvido essa situação independentemente desta regulamentação. Mantovani diz que essa regulamentação não facilita o desentrave de projetos polêmicos, como as hidrelétricas dos rios Madeira e Belo Monte, cujas licenças ambientais têm sido o tema das principais discussões ambientais.
“Isso é um delírio. O governo hoje aprova qualquer coisa que desejar. O Rodoanel em São Paulo é um exemplo. Nada no Brasil é barrado por questões ambientais. Se há demora, é por conta da incompetência e da falta de infra-estrutura nos órgãos”, contesta. Mantovani afirma que hoje já existem mecanismos capazes de descentralizar as atribuições ambientais. “Mas falta vontade política e políticas públicas que façam tudo isso funcionar. Não adianta apenas transferir as responsabilidades”, afirma.
Atualmente, um dos maiores desafios para que a regulamentação não fique no plano das intenções é a necessidade de criação de infra-estrutura nos órgãos dos Estados e municípios, suficiente para atender a demanda que deve crescer. Zanardi afirma que essa é uma das preocupações do Ministério do Meio Ambiente, que investiu cerca de US$ 20 mil em capacitação em 12 Estados brasileiros.
O diretor do MMA ressalta a dificuldade de se formar um técnico na área ambiental, que leva até 25 anos. Contudo, Zanardi diz que, hoje, os órgãos ambientais são mais estáveis e apontam na melhoria da estruturação do pessoal do próprio Ibama.
O presidente da SOS Mata Atlântica avalia que a situação do meio ambiente no país só não é pior porque a legislação ambiental brasileira é “moderna e avançada”. “O problema é a postura anacrônica do Estado, que não investe nessa área. O orçamento para o setor de meio ambiente é tão baixo que beira à ficção”, diz Mantovani. Por outro lado, ele enfatiza a responsabilidade de os estados e os municípios criarem suas estruturas para atuar no campo ambiental e assumir as suas demandas.
Debate na mesa
Com os preparativos para o crescimento do país no segundo mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem apontado ações para o “destravamento” do Brasil. O setor do meio ambiente tem sido bastante pressionado por ser um dos protagonistas nos planos de desenvolvimento.
“Esse debate é salutar e não estamos assustados com ele. Pela primeira vez o meio ambiente ganha visibilidade nacional. As medidas ambientais não teriam novos espaços sem contrariar interesses estabelecidos. As leis ambientais foram aprovadas ao longo do tempo e todo mundo achava bacana, porque não acreditavam que pudessem valer de verdade ou que serviriam mais como declarações de princípios, mas quando se começa a aplicá-las, os empreendedores começaram achar um absurdo não poder levar os seus projetos adiante. Isso é bastante significativo”, avalia Valle.
Mantovani chama a atenção para o modelo de desenvolvimento que é proposto hoje e defende que esse desenvolvimento tem que trazer qualidade de vida à sociedade. “Na década de 70, o país cresceu 10% ao ano, mas os indicadores sociais apontaram cidadãos com péssima qualidade de vida. Quanto mais pobres e maiores as diferenças sociais, a pressão sobre os recursos naturais aumenta”, lembra.
(Por Natália Suzuki,
Carta Maior, 06/12/2006)