Depois de 14 anos de tramitação, a Lei da Mata Atlântica foi aprovada, em 29 de novembro, na Câmara dos Deputados. Os especialistas envolvidos com a preservação da biodiversidade comemoram a boa notícia, mas já se preparam para novas batalhas ambientais, como a criação de uma lei para a proteção do Cerrado.
“A aprovação da Lei da Mata Atlântica foi uma vitória muito grande. Para São Paulo, em particular, será um instrumento muito importante de preservação e recuperação da biodiversidade, pois a lei abrange a totalidade das florestas do Estado”, disse o professor Carlos Alfredo Joly, do Departamento de Botânica da Universidade Estadual de Campinas.
Joly, que participou da elaboração do projeto original, em 1992, submetido pelo então deputado federal Fábio Feldman, conta que acompanhou todo o processo de tramitação da lei e diz estar satisfeito com a aprovação. Mas aproveita para apontar para a próxima frente de batalha. “Estamos muito preocupados com as áreas de Cerrado, cuja biodiversidade também é extremamente elevada e importante em termos de conservação”, disse.
O professor explica que, durante boa parte dos 14 anos de espera, a Mata Atlântica, por ser considerada patrimônio nacional pela Constituição de 1988, esteve relativamente protegida pelo decreto nº 750, de 1996. Mas o Cerrado, segundo ele, permanece comparado apenas pelo Código Florestal, por meio do instrumento de reserva legal.
Reserva legal, explica Joly, é uma área equivalente a 20%, no mínimo, do total da propriedade ou posse rural, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, visando à conservação da biodiversidade.
“Para ser devidamente preservada e recuperada, a Mata Atlântica precisava da aprovação da lei, que tem muito mais força do que um decreto. O Cerrado não tem nem isso. Ele só é protegido pela reserva legal, que foi regulamentada no Estado de São Paulo no meio do ano. Mas há uma pressão muito grande de setores do agrobusiness para flexibilizar essa regulamentação. Teremos muita luta pela frente”, disse.
“A situação é urgente, porque restou muito pouco do Cerrado em São Paulo – menos de 13% da cobertura original nativa – e ele está muito fragmentado. São mais de 8 mil fragmentos, cada um com uma composição única de espécies de plantas e animais. É fundamental preservá-los e o único meio para isso é a reserva legal”, afirmou.
Uma lei moderna
Para o coordenador do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Clayton Lino, a Lei da Mata Atlântica é bem melhor do que a proposta original de 1992. Mas ele também acha que a luta pela preservação está apenas começando.
“Realmente temos o que comemorar. Embora a demora tenha causado prejuízos incalculáveis, os 14 anos não foram tempo perdido. Nesse período houve um amadurecimento da lei, que está mais clara e foi atualizada pelas leis dos recursos hídricos, dos resíduos sólidos e dos crimes ambientais”, afirmou.
Além de definir a extensão do bioma e garantir a conservação e restauração dos remanescentes, o texto, segundo Lino, trouxe benefícios relativos à geração de fundos de restauração, a linhas de crédito para proprietários que preservam e ao tratamento diferenciado para comunidades tradicionais.
“Foi um passo importante, mas não suficiente. Temos agora que fazer com que a lei seja conhecida, aplicada e respeitada. Além disso, há pendências ainda em relação a dois pontos: o artigo 46 e a questão da reserva legal”, afirmou.
Segundo Lino, o artigo 46 foi vetado, depois de muita discussão, pois possibilitava uma interpretação dúbia que poderia resultar em indenizações fraudulentas. “O artigo determinava indenização para quem possuísse áreas de uso potencial para preservação. Temia-se uma avalanche de ações indenizatórias”, explicou.
A discussão sobre reserva legal ocorrerá em separado. “Existem setores da área ruralista que queriam abolir a reserva legal. Outros queriam flexibilizá-la, permitindo sua transferência para outra propriedade. Para evitar um impasse, as várias bancadas entraram em acordo e decidiram que a lei não vai interferir nisso por enquanto”, disse o coordenador do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Lino aponta que, com os avanços relativos à conservação da Mata Atlântica, as atenções precisam se voltar agora para outros biomas. “O Cerrado está em situação muito crítica e precisa de uma lei específica para ele. Mas também é preciso lembrar da Caatinga e do Pampa gaúcho. Este último está altamente degradado pela invasão do plantio de pinus, que se alastra na região”, afirmou.
(Por Fábio de Castro,
Agência Fapesp, 05/12/2006)