Marina não aceita atropelamento das leis ambientais
2006-12-04
A ministra é contra flexibilizar a concessão de licenças ambientais para grandes obras. Primeira ministra anunciada por Luiz Inácio da Lula da Silva, no final de 2002, em sua primeira viagem aos Estados Unidos como presidente eleito, a senadora Marina Silva (PT) ajudou o governo brasileiro a sofrer menos pressões externas acerca da preservação da Amazônia. Também é considerada um ícone de ética na política - não somente pela rica trajetória de ex-seringueira que militou em movimentos sociais, sindicais, foi vereadora, deputada estadual, federal e senadora mais votada do Acre -, mas também por causa dos escândalos que atingiram vários integrantes do primeiro escalão.
Isso, junto com o balanço positivo da atual gestão, Marina poderá ser substituída no comando do Ministério do Meio Ambiente (MMA) no segundo mandato. Ao lado do Ministério Público e Tribunal de Contas da União, a área ambiental foi qualificada recentemente pelo presidente Lula como um dos entraves do crescimento econômico. Ao mesmo tempo, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, defendeu o enfraquecimento do MMA na concessão de licenças ambientais para novos investimentos. Hoje, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tem competência exclusiva para dar a última palavra sobre os grandes empreendimentos potencialmente nocivos aos recursos naturais e à população.
A idéia é que esse poder seja compartilhado com governos estaduais e municipais, com o argumento de que isso agilizaria o processo de licenciamento, alvo de queixa dos empresários.
Em entrevista a este jornal, Marina reage ao fardo de "gargalo ambiental" colocado no MMA e dá o seu recado: "Isto que a ministra Dilma Rousseff está se referindo é ao processo que já vem sendo feito, de distribuir atribuições. De forma responsável, competente e respeitando a legislação ambiental. Do contrário não estaria sendo feito. Se for diferente do respeito à legislação ambiental e de tudo que se avançou até agora, pelo menos comigo não será feito".
Gazeta Mercantil - A que a senhora atribui o "gargalo ambiental"?
Marina Silva - É equivocada e pejorativa essa idéia de que no MMA vive um bando de sonhadores que só atrapalham o desenvolvimento, não ajudam o crescimento da economia. Ao contrário do que acontecia até algum tempo atrás, quando a área ambiental perguntava à econômica e de desenvolvimento o que elas podiam fazer para ajudar na proteção do meio ambiente, hoje somos nós que temos condições de dizer o que fazer pela economia. Mas uma economia que não comprometa o equilíbrio do planeta, não destrua a biodiversidade, não contamine o lençol freático. Um dos nossos maiores produtos de exportação é a água. Para produzir 1 quilo de grão é necessário uma tonelada de água, para um quilo de frango, duas toneladas. Portanto, já exportamos água. Não cuidar dos nossos rios é destruir a base da nossa economia. Por isso, precisamos tratar corretamente os ativos ambientais. Isso não é linguagem de ambientalista, é ambientalismo que pressupõe a sustentabilidade em todas as suas dimensões - social, política, cultural, econômica, ambiental e ética.
Gazeta Mercantil - Por que o presidente Lula citou o meio ambiente entre os gargalos do desenvolvimento?
Eu não estava no jantar de posse da nova diretoria da Confederação Nacional da Indústria [na última quarta-feira], mas sei que o presidente Lula, ao mencionar seu empenho na solução de problemas que estariam prejudicando o crescimento dentro da meta estabelecida de 5% ao ano, disse que não daria mais exemplos porque quando fazia isso, [o problema indicado] virava bode expiatório. Ao dizer isso, ele deu sua explicação.
Gazeta Mercantil - A ministra Dilma Rousseff defendeu a descentralização do processo de licenças ambientais.
O licenciamento ambiental é uma conquista. Há mais de 25 anos o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) fixou normas e uma estrutura democráticas, que asseguram os empreendimentos com qualidade econômica e ambiental e permitem às empresas participar das decisões. Isso está previsto na nossa legislação ambiental, uma das mais avançadas do mundo. Ela precise ser implantada. Nosso esforço é no sentido de dar eficiência ao processo de licenciamento ambiental. Até 2003, tínhamos uma média de 145 a 150 licenças ao ano, contra 225 licenças por ano, hoje. Quatro anos atrás, existia só uma diretoria, onde dos 150 servidores, só 7 eram efetivos. Os demais eram provisórios e não se acumulava competência. Hoje essa diretoria está organizada em três coordenações. Dos 150 servidores, apenas 20 não são concursados. Uma boa parte do quadro efetivo é de profissionais com Mestrado e Doutorado. A eficiência na concessão dessas licenças cresceu muito.
Gazeta Mercantil - As empresas colaboram fornecendo as informações exigidas?
Até bem pouco tempo atrás, parte dos empreendedores não se dava ao trabalho de apresentar estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA-Rima) com o mínimo de respeito à lei. Algumas licenças para construção de hidrelétricas foram concedidas no passado à base de informações coladas da Internet. Isso não acontece mais, os termos de referência deixaram de ser genéricos e existem consultas públicas para efetivá-los. Portanto, os EIA-Rima têm melhorado bastante e isso ajuda para que o processo de licenciamento ocorra dentro dos prazos fixados pelo Conama. Criamos o portal do licenciamento para divulgar o resultado desses processos, dando maior transparência. Hoje apenas quatro processos estão parados no Ibama porque os dados não foram apresentados pelos empreendedores, que muitas vezes apresentam um conjunto de pedidos sem estabelecer prioridades. E não é o órgão licenciador que vai decidir por onde começar a análise.
Gazeta Mercantil - Parte dos problemas pode ser atribuída aos próprios empreendedores?
Alguns empreendimentos que aguardam a liberação da licença está parada porque as empresas ainda não apresentaram as informações adicionais exigidas pelo Ibama em cumprimento à lei. E isso não pode ser imputado ao órgão licenciador, a não ser que se parta do princípio que o governo federal deva ser mais flexível. Mas isso não é coerente com o processo republicano, que tem de cumprir as leis.
Gazeta Mercantil - Não há nada que possa ser feito para melhorar esses processos?
Uma série de ajustes está sendo discutida internamente. Não damos publicidade a isso porque faz parte do nosso trabalho, assim como não alardeamos a criação das três coordenações para agilizar as licenças. Também trabalhamos para diminuir as etapas dos termos de referência, inclusive a complementação de dados. Além disso, o sistema nacional do meio ambiente já é descentralizado pela lei. Hoje mesmo assinei com pelo menos seis estados acordos neste processo de descentralização. No início deste governo, faziam dois anos que a comissão tripartite nacional estava criada, mas apenas duas reuniões tinham acontecido. Nesta gestão, as reuniões são sistemáticas e criamos a comissão tripartite em todos os estados, instâncias onde sentam o Ibama, o governo estadual mais o município envolvido nos conflitos. Com a lei de gestão das florestas públicas, foi estabelecido talvez um dos últimos bastiões da descentralização: o licenciamento para o setor de florestas. Isto já está sendo feito de acordo com o previsto na legislação ambiental e não porque temos de passar por cima das regras para facilitar a vida do empreendedor.
Gazeta Mercantil - Então as queixas dos empresários não procedem?
No serviço público, nem se facilita nem se dificulta, criamos processos republicamos para que as pessoas possam ter acesso a seus direitos. E os processos são objetivos: se não pode fazer tal hidrelétrica porque alagaria a única área de refúgio de peixes e outras espécies; porque o rio já foi barrado em outras partes. Isso é objetivo. O próprio empreendedor pode ir lá e verificar se isso não é verdade e contestar. Não existe esse poder de arbitrar por sobre a objetividade e a lei.
Gazeta Mercantil - Mas o que a ministra Dilma propôs foi a transferência de parte da competência exclusiva do MMA na concessão de licenças ambientais para governos estaduais e municipais.
Isto que a ministra está se referindo é ao processo que já vem sendo feito. De forma responsável, com competência e respeito à legislação ambiental. Do contrário não estaria sendo feito. Se for diferente do respeito à legislação ambiental e de tudo que se avançou até agora, pelo menos comigo não será feito. E a ministra Dilma, com certeza, não está dizendo que se deva passar por cima da lei.
Gazeta Mercantil - Qual o balanço de sua gestão no MMA?
É muito difícil fazer um balanço exclusivo de uma gestão. É um processo cumulativo de um setor muito jovem. O MMA tem apenas 14 anos e o marco legal para o setor é da Constituição de 1988. Tudo o que fazemos hoje partiu de um acúmulo positivo anterior, que procuramos preservar e ir além, superando as dificuldades encontradas para ter o nosso delta mais. Avançamos inclusive em um dos nossos pontos fortes: na qualidade da legislação ambiental, uma das principais conquistas da sociedade brasileira nas últimas décadas.
Gazeta Mercantil - São bastante evidentes os conflitos quando se trata de regular o acesso da atividade econômica aos recursos naturais.
Marina - Esse é o maior desafios: como controlar o uso dos nossos ativos ambientais. A idéia do uso sustentado não se restringe mais à preservação do meio ambiente, de mecanismos de proteção dos recursos naturais. Requer um segundo passo, que é o de como utilizar esses recursos em bases sustentáveis, permitindo a renovação da água, do solo, das florestas, a purificação do ar. A lei de gestão das florestas públicas e a lei que criou a limitação administrativa provisória, aprovadas no Congresso neste governo, são bons exemplos. Também foram regulados outros processos em resoluções do Conama. Estamos começando a superar um grave problema com o qual nos deparamos aqui: o modus operandi do setor ambiental. Não é característica específica do Brasil, é assim no mundo inteiro e talvez, a partir de 2003, somos pioneiros em ultrapassar a visão fragmentada da gestão ambiental.
Gazeta Mercantil - O MMA não continua operando sem integração, uma vez que as questões ambientais não são uma diretriz de governo que perpassa todas as demais áreas, principalmente a econômica?
O MMA trabalhava com as ações de comando da gestão e controle, implementação da legislatura, e os demais setores operavam nas suas agendas sem nenhum vínculo com a problemática ambiental. Fixamos as diretrizes que orientam a ação do ministério, sendo a principal delas a política ambiental integrada ou transversal. Essa última passou a ser uma diretriz que exigiu um reposicionamento do antigo modus operandi da ação compartimentada. Partir para uma ação conjunta no sentido do planejamento ambiental foi um grande avanço.
Gazeta Mercantil - Poderia citar alguns exemplos disso?
O Plano Nacional de Combate ao Desmatamento e o novo modelo do setor elétrico. A aprovação desses marcos legais e criação de unidades de conservação resultaram de soma de forças. Isso envolveu também os governos estaduais e municipais. São mais de 40 ações integrando vários ministérios. Iniciamos no Piauí, onde está a maior área em desertificação do país, um programa de combate ao problema com apoio da Embrapa, ministérios da Agricultura e Integração Nacional, universidades, ONGs. Cria-se uma sinergia para atuar na mobilização de recursos humanos e financeiros, aumento a capacidade de resposta do governo e os recursos. Nesse caso, serão US$ 16 milhões.
(Por Liliana Lavoratti, Gazeta Mercantil, 04/12/2006)
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